A obra Escola no Rio Grande do Sul (1889-1950): ensino, culturas e práticas escolares (Caxias do Sul, editora Educs, 2020, 476 páginas, e-book), organizada pelo professor e pesquisador José Edimar de Souza evidencia o esforço do seu organizador em contribuir para o campo da história da educação no Rio Grande do Sul. O livro está estruturado em quatro eixos de abordagem, os quais serão explorados no decorrer desta resenha. Ao compor a obra desta forma, o autor nos propicia estabelecer um panorama das produções acadêmicas sobre instituições escolares no estado. Da mesma forma, entendemos que tal organização permite ao leitor perceber os diferentes rumos e segmentos que a pesquisa sobre instituições pode tomar. A obra é prefaciada pelo professor António Gomes Ferreira, da Universidade de Coimbra, cujos estudos se dedicam ao campo da História da Educação, Políticas educacionais e Educação Comparada.
O eixo I, As instituições e as escolas de imigrantes, abriga quatro artigos que tratam de instituições de ensino atravessadas pelo viés da imigração alemã e italiana. O primeiro artigo, Um modo de compor as formas do ensino primário no Rio Grande do Sul: percursos de um processo de autoria do organizador da obra, apresenta um levantamento feito em diferentes repositórios que aponta para as características gerais das pesquisas com instituições escolares e faz destaques sobre trabalhos pontuais. O escrutínio feito pelo autor permite perceber os avanços feitos pela história da educação, bem como perceber a potencialidade destes estudos para o campo. O artigo seguinte, Knabenschule: uma “escola de meninos” do século XIX (Porto Alegre/RS), a autora, Alice Rigoni Jacques, apresenta o processo de criação da “Escola de Meninos”, descrevendo sua organização e o que ambicionavam os envolvidos na estruturação da mesma. No decorrer de sua escrita, apresenta aspectos da cultura escolar da instituição, explorando as disciplinas e seus conteúdos, a sistemática das avaliações e seus ritos, bem como as punições e castigos. Por meio deste estudo percebe-se as intencionalidades do grupo étnico envolvido na construção da escola e as contradições presentes à idealização e funcionamento da mesma.
Ainda no bloco I, temos o estudo Escolas étnicas alemãs – Deutsch Schulen – e polonesas – Polskie szkoty – no RS e as instâncias de orientação das sociabilidades étnicas dos autores Fabiana Regina da Silva e Rodrigo Luís dos Santos, que apontam que as escolas étnicas são organizadas a fim de fornecer o letramento aos sujeitos migrantes, assim como manter seus laços e identificação com sua terra natal. No decorrer do texto abordam as formas de organização e mantença das mesmas, discutindo o papel exercido por tais instituições no que diz respeito aos vínculos com a terra natal dos sujeitos migrantes. A leitura permite perceber a diversidade cultural e étnica presente no país, bem como os desafios envolvidos nesse cenário. O último texto do eixo, A figura do professor paroquial: contribuições para a formação de professores (1900-1945) de Cristiane Backes Welter, investiga o professor paroquial e suas atividades em escolas teuto-brasileiras. O texto descreve as muitas atribuições do professor paroquial, figura cuja influência ia além das questões propriamente educacionais. Nesse sentido, enfatiza o compromisso deste com a religiosidade cristã, de modo que além de ensinar a partir destes princípios, o professor paroquial deveria ser em si um exemplo de vida e até mesmo uma espécie de substituto dos padres, quando necessário. Assim, o artigo permite perceber as representações sobre a figura docente neste contexto específico.
O eixo II, Os grupos escolares e as escolas de imigrantes, é constituído por nove artigos cujos objetos de estudo remetem a diferentes contextos do estado do Rio Grande do Sul. No artigo A escolarização na cidade de Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX, Natália de Lacerda Gil analisa o processo de escolarização na cidade de Porto Alegre, a partir das relações entre a urbanização e o funcionamento das escolas. O enfoque do estudo é pensar as instituições escolares não a partir da premissa da história das mesmas, mas a partir da noção de experiência sobre o processo de escolarização. No estudo seguinte, O lugar da escola primária: edifícios escolares adaptados na história da educação de Porto Alegre, nas primeiras décadas do século XX, os autores Tatiane de Freitas Ermel e Lucas Costa Grimaldi enfocam sua discussão na arquitetura dos prédios tornados espaços escolares, tomando-os como integrantes da cultura escolar. O texto contribui para o campo da história da educação na medida em que acaba por chamar atenção em relação à condição de instalações e preservação dos prédios das escolas públicas estaduais no passado e na atualidade.
Em Arquitetura escolar em Pelotas-RS na Primeira República (1889-1930): os primeiros grupos escolares edificados, Estela Maris Reinhardt Piedras e Eduardo Arriada analisam edifícios escolares públicos construídos na cidade de Pelotas/RS a partir de suas tipologias, que são: edifício escolar padronizado, edifício escolar seriado e edifício escolar escolanovista. De maneira geral, o estudo enfatiza a relação da expansão dos prédios com o processo de urbanização de Pelotas e do país como um todo. No artigo Expressões modernistas no Rio Grande do Sul na década de 40 (século XX): os grupos escolares e seu valor como patrimônio, Jauri dos Santos Sá e Flávia Obino Corrêa Werle exploram as discussões sobre os planos para a construção de edifícios escolares no país, cotejando o assunto com os movimentos educacionais do contexto em nível nacional e local. Ao longo do texto os autores enfatizam a importância para o âmbito da educação e da sociedade como um todo de tomar tais edificações como referências patrimoniais.
No texto Cadências no tempo: celebrações em prol da brasilidade na “Hora do Brasil” (1937-1945), Terciane Ângela Luchese analisa a atividade “Hora do Brasil” ministrada no Grupo Escolar Bento Gonçalves da Silva, localizada no município homônimo, durante o período estadonovista. Para abordar as práticas relacionadas à atividade denominada “Hora do Brasil”, a autora explora a campanha de nacionalização do ensino promovida durante o Estado Novo, assim como discute as políticas para a educação no estado do Rio Grande do Sul. Ao estruturar seu texto dessa forma, a autora cria possibilidades para que o leitor entenda as implicações envolvidas na execução da atividade objeto do estudo. Já o texto Memórias, histórias e a escola: o Grupo Escolar Jansen Farroupilha, RS (1937-1958) de Fernanda Piletti e José Edimar de Souza temos um estudo que, por meio de memórias de ex-alunos e professoras e do apoio de conceitos como prática e cultura escolar, o texto explora nuances da referida instituição situada na zona rural do município de Farroupilha. O texto é conduzido de modo a apresentar ao leitor um panorama geral da instituição.
Na continuação do Eixo II temos o artigo “Brasil! Gigante dos gigantes!”: comemorações da Semana da Pátria no Grupo Escolar Farroupilha (Farroupilha, RS, 1940- 1946), escrito por Cassiane Curatelli Fernandes. O estudo apresenta uma análise sobre as comemorações da semana da pátria produzidas pela escola em questão e mobiliza a compreensão das práticas escolares no que diz respeito a essas comemorações. A autora aponta que tais comemorações tinham o intuito de colaborar com a consciência do patriotismo em meio aos imigrantes desta região da localidade de Distrito de Nova Vicenza, zona rural do Município de Caxias, localizado na região nordeste do Rio Grande do Sul. Na sequência, outro artigo deste eixo intitula-se “Grupo Escolar Hilário Ribeiro: memória e patrimônio cultural “, elaborado por Nelize Bopsin e Maria Augusta Martiarena de Oliveira. Tal Instituição situa-se no município de Maquiné, Rio Grande do Sul e teve seu início em 1924. As autoras apresentam discussões que perpassam pela problematização de que os espaços escolares não são neutros, propagando ideais da relação dos poderes vigentes. Discutem também a relação do público com o privado e o quanto isso influenciou no contexto local. Apresentam aspectos que relacionam a arquitetura escolar, ensino laico e a importância da escola para a comunidade.
No último artigo deste eixo temos o estudo realizado por Patrícia Bortoluzzi e José Edimar de Souza, sob o título “O Grupo Escolar de Vila Oliva (Caxias do Sul, RS, 1942 a 1955): processos de escolarização“. O estudo desenvolvido trabalha com o conceito de cultura escolar, buscando a construção da escolarização que foi produzida nesta escola, partindo da análise de fontes documentais com base nas comemorações realizadas na instituição. Os autores apresentam indícios que no estudo foram encontrados os objetivos da Escola Nova, que impregnaram as ações na escola e apontam como esses princípios são encontrados nas festividades e nas práticas escolares. Fica explícito no estudo que as festas escolares carregavam múltiplas intenções que são problematizadas ao longo do texto.
No Eixo III – “As escolas isoladas e as práticas de ensino“, encontramos quatro artigos que expõem os estudos realizados sobre instituições de ensino que localizam-se, respectivamente, nos municípios de Pelotas, Novo Hamburgo, Vacaria e Selbach. São estudos sobre processos de escolarização que traduzem as iniciativas das mais diversas perspectivas de ensino nestas cidades. O artigo “Um estudo sobre provas finais de uma classe multisseriada (Pelotas, RS, 1956)” das autoras Vania Grim Thies e Eliane Teresinha Peres, expõe a perspectiva de análise documental do acervo Hisales – História da Alfabetização, Leitura, Escrita e dos Livros Escolares que é um centro de memória e pesquisa vinculado à Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Pelotas, RS, (UFPel). A pesquisa ocupa-se em analisar um conjunto de provas finais e outros documentos de uma escola multisseriada, localizada na Colônia Santa Eulália, zona rural do Município de Pelotas, RS, tendo como objetivo problematizar e historiar as utilizações que foram realizadas sobre as avaliações nesta instiuição.
Quanto ao artigo, “Lá no São João do Deserto”: memórias em torno de uma instituição de ensino no meio rural de Novo Hamburgo, RS (1923-1968) “, apresentado na sequência problematiza a escolarização na zona rural de Novo Hamburgo, apresentando como base de análise a Escola Municipal de Ensino Fundamental José de Anchieta, que está situada na localidade de São João do Deserto, Bairro Lomba Grande, zona rural do Município de Novo Hamburgo. Os autores Maria Goréti da Cunha Bernardes e José Edimar de Souza apresentam um estudo que utiliza as memórias de professores e alunos, egressos da escola, e a análise documental para estudar como se deu o processo de escolarização em tal localidade. Esta escola multisseriada, instaurada em uma região colonizada por alemães e ligada a uma instituição religiosa apresenta características peculiares, as quais os autores vão analisando cuidadosamente no artigo, apresentando como essas instituições marcaram seus alunos e professores.
Os outros dois artigos desta seção apresentam o estudo de mais duas instituições: um trabalha com a análise documental e o outro apresenta uma discussão sobre o trabalho com memórias e narrativas de si. Em “Indícios do percurso de escolarização na região dos Campos de Cima da Serra, RS (1926-1959) “, das autoras Alana Silva Sgorla e Eliana Rela, apresenta um estudo sobre a escolarização nos Campos de Cima da Serra, focando sua análise na região onde hoje situam-se os Munícipios de Esmeralda e Pinhal da Serra, fazendo uso da analise documental de materiais encontrados nas secretarias de educação e nas escolas, as pesquisadoras hitoricizam as práticas escolares da região. Em sua análise discorrem sobre a prática da contratação de professores particulares pelos fazendeiros da região para educação de seus filhos, que por vezes era estendida aos filhos dos peões da fazenda, até o surgimento das escolas multisseriadas municipais. O estudo percorre os anos de 1926 a 1959 e aponta a difícil caminhada pela implantação do ensino institucionalizado na região. O artigo “Narrativas de si: histórias, memórias e práticas educativas” de Darciel Pasinato e Jorge Luiz da Cunha utiliza as narrativas de si para analisar as memórias e as práticas educativas de professores e professoras do Munícipio de Selbach, no norte do RS, que atuaram na Escola Aníbal Magni e na Escola Frei Anselmo.
No Eixo IV, o último, “As escolas normais e a formação de professores”, encontra-se o estudo de quatro instituições formadoras de professores. Entre elas a dita “escola modelo”, Instituto de Educação General Flores da Cunha (1869- 1939) de Porto Alegre/RS, no artigo “A memória sacralizada: da Escola Normal ao Instituto de Educação General Flores da Cunha (1869-1939)”, Dilza Porto Gonçalves historiciza tal instituição, desde que ela era Escola Normal (1869) até se tornar Instituto de Educação (1939). A análise documental, se dá na exploração de leis e regulamentos que nortearam a escola. Com o objetivo de traçar a trajetória da atribuição de sentido de “escola modelo”, a este educandário, a autora aponta em sua análise os diversos movimentos sociais e políticos que atravessaram a constituição da escola discorrendo como as instabilidades políticas da província refletiam administrativamente na instituição. Ressalta que nos governos de Vargas e de Flores da Cunha a instituição adquire maior estabilidade organizativa e enfatiza, ainda, a governança masculina que a instituição teve ao longo dos tempos, embora a maioria dos professores e estudantes fossem mulheres.
Ainda neste eixo a obra apresenta mais três instituições formadoras de professores. Os autores Cristian Giacomoni e Dilnei Abel Daros em “Processos de institucionalização da Escola Normal Regional em São Francisco de Paula, RS e da Escola Normal São José em Caxias do Sul, RS (1947-1953) “, apresentam a historicização destas duas escolas. Eles situam os motivos aos quais levaram a instauração das duas instituições, nas localidades, apontando para algumas semelhanças e diferenças nestes processos. No último artigo do livro intitulado “A formação de identidades docentes: memórias, práticas e cultura escolar (décadas de 50-60, do século XX)”, com a utilização da história oral, os autores Estela Denise Schütz Brito e Eduardo Cristiano Hass da Silva refletem sobre a formação e experiência docente de ex-alunos internos da Escola Normal Evangélica, localizada em São Leopoldo/RS. No estudo os autores discorrem sobre a escola e sua trajetória, perpassam por uma discussão da historicização da formação de professores no Brasil e no Rio Grande do Sul e abordam as disputas entre estado e igreja. Os aspectos abordados tramam as perspectivas percorridas pelos atores entrevistados na intenção de discutir o processo identitário da formação do “bom professor”.
Ao longo da leitura, somos convidados a conhecer e pensar diferentes realidades educacionais no estado do Rio Grande do Sul em estudos que variam seus recortes temporais de acordo com a proposta central. Assim, o leitor percorre o funcionamento e práticas de escolas em zonas de imigração, os grupos escolares e suas edificações arquitetônicas, bem como a cultura escolar produzida nestes espaços. Entendemos que esta é uma obra que serve a todos os que pesquisam e se interessam pelo campo de estudo abordado, mas que os pesquisadores que estão se aproximando da pesquisa em história em educação podem encontrar potentes referências para seus estudos e formas de gerir a pesquisa. Assim, entendemos que o livro é uma importante produção para o campo e uma leitura aprazível, pois nos apresenta e conduz por diferentes espaços e tempos.
Resenhistas
Ariane dos Reis Duarte – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. https://orcid.org/0000-0001-6599-5393 http://lattes.cnpq.br/7763182043285932 E-mail: ariane.reisd@gmail.com
Deise Margô Müller – Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha. https://orcid.org/0000-0002-9591-0183 http://lattes.cnpq.br/5641911001178758 E-mail: deisemargo@gmail.com
Referências desta Resenha
SOUZA, José Edimar de (Org). Escola no Rio Grande do Sul (1889-1950): ensino, culturas e práticas escolares. Caxias do Sul: Educs, 2020. Resenha de: DUARTE, Ariane dos Reis; MÜLLER, Deise Margô. Cadernos de História da Educação, v.21, e093, 2022. Acessar publicação original [DR]
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