Epistemologia e Escrita da História | Historiae | 2020

O presente dossiê da Revista Historiæ, possui como objetivo apresentar estudos que estão sendo realizados atualmente por pesquisadores e pesquisadoras que abordam, a partir de variados ângulos, questões relacionadas com a Epistemologia e a Escrita da História. Logo, os estudos em Epistemologia e Escrita da História solidificaram-se, a partir segunda metade do século XX, como um dos principais campos de pesquisa da historiografia. Desse modo, em diálogo com a Teoria Literária, a Filosofia Analítica e Hermenêutica, a Antropologia e as Ciências Sociais a indagação epistemológica e, também, sobre a escrita da História atravessou distintas transformações que suscitaram complexos caminhos e perguntas, em uma ampla variação de propostas metodológicas aprofundaram a investigação histórica.

Carlos Prado, no texto Braudel e a pluralidade do tempo: a história entre o estrutural e o factual, aborda como Fernand Braudel responde ao avanço do estruturalismo lévi-straussiano na década de 1950 a partir do tema da longa duração e de uma abordagem plural do tempo, buscando superar a oposição entre o estrutural e o factual. Primeiramente, apresenta o estruturalismo antropológico, ressaltando suas características e considerações diante do pensamento histórico. Num segundo momento, evidencia-se como Braudel se apropria do estruturalismo de Lévi-Strauss ao mesmo tempo em que o nega e apresenta a História como a ciência capaz de permanecer hegemônica entre as Ciências humanas, além de tratar do conceito de longa duração e da pluralidade temporal. Por fim, são traçadas algumas considerações sobre a ampliação da história estrutural, destacando sua diversidade e seus riscos, especialmente, o de produzir uma história imóvel.

Em Narrativas sobre mortes suicidas ou histórias (im)possíveis, Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski analisa o tema do suicídio em uma perspectiva histórica investigando narrativas encontradas em inquéritos policiais da cidade de Castro / PR, do período de 1890 a 1940. O aporte teórico centra-se na questão da história como narrativa produtora de sentido e na história das emoções como possibilidade de compreensão social.

No artigo, O campo de experiências na filosofia da história de Otto Bauer (1881-1937), Carlos Henrique Armani e Simone Margis, investigam a filosofia da história do intelectual alemão Otto Bauer e como a partir dela se arquiteta o conceito de nação em sua narrativa. Armani e Margis para atingir tal objetivo constroem o artigo em duas frentes. Por um lado, os autores recriam o contexto história e intelectual do Império Austro-Húngaro, por outro lado, Armani e Margis, analisam a filosofia da história de Bauer e como a partir dela se estrutura sua teoria da nação. Por fim, para os autores, ao construir uma teoria da nação a filosofia especulativa de Bauer integra em uma mirada o passado, o presente e o futuro.

No artigo Um processo de mal-entendidos: um exercício teórico a respeito da etnogênese do guarani missioneiro, Leandro Goya Fontella, partindo do pressuposto que se desenvolveu uma cultura de contato na região missioneira da bacia do Rio da Prata entre os séculos XVII e XVIII, analisa narrativas sobre o processo de etnogênese do guarani missioneiro por meio do fenômeno relacional que envolve os mal-entendidos e, desse modo, produziu uma nova configuração sociopolítica e cultural no universo reducional.

No artigo, Podemos falar em realidade na História? Reflexões sobre tempo e espaço a partir de Jacques Rancière e Henri Lefebvre, Maiara Eveline Schmitz analisa como a partir da linguistturn, a teoria da história ampliou o entendimento do passado. Para a autora na epistemologia da história contemporânea chegar ao “real” do passado tornou-se algo problemático, o que faz os historiadores terem que reanalisar a sua prática. Avançando na discussão, a autora percebe que em geral legitima-se o oficio do historiador a partir do conceito de tempo. Desse modo, para esmiuçar essa problemática, Schmitz investiga a obra de Jacques Rancière e Henri Lefebvre que se empenharam a compreendera multiplicidade e o enredamento da temporalidade para a análise do passado. Assim, entrecruzando a obra desses dois autores, Schmitz mostra as contradições e virtualidades do tempo histórico.

Em Uma memória transnacional da tortura em La noche de los lápices: olhares epistemológicos sobre o cinema-história entre o representável e o irrepresentável, Alexandre Maccari Ferreira discute como o representável e o irrepresentável são pensados na constituição de uma ficção cinematográfica que aborda a memória da tortura. A argumentação é fundamentada a partir de um filme sobre a ditadura civil-militar argentina (1976-1983) que apresenta imagens de tortura física e psicológica: La noche de los lápices (1986), de Héctor Olivera. A discussão sobre o irrepresentável se origina em torno do Holocausto. Nesse sentido, são discutidos o estudo em Georges Didi-Hubermane em Jacques Rancière que problematizam a questão do representável na produção de imagens desse acontecimento traumático. A partir desse entendimento, o autor argumenta que a aproximação com a prática sistemática da violência durante a ditadura argentina suscita uma reflexão sobre a tortura na ficção.

No artigo, A História “deles” e a “nossa”: uma análise das Teorias Filosóficas da Verdade em Bloch e Febvre, Emanoela Agostini analisa como e de qual natureza é a teoria filosófica da verdade que está na historiografia de Marc Bloch e Lucien Febvre. Com isso, Agostini quer investigar se há similaridades em relação a teoria que orienta a escrita da história de Charles Langlois e Charles Seignobos. A hipótese que a autora levanta é que as concepções de verdade entre esses historiadores se equiparam. Portanto, a partir disso, Agostini problematiza a ideia de revolução historiográfica atribuída aos fundadores dos Annales em relação a historiografia anterior dos metódicos.

Por fim, o que marca o atual estado dos estudos da epistemologia e escrita da história é a sua permeabilidade e cruzamentos, num momento abalizado pelo aprofundamento do exame do global e do pós-colonial, reavaliando e renovando suas linguagens e abordagens. Com esse conjunto de artigos esperamos que os leitores e leitoras possam ter uma variedade de referências sobre pesquisas atuais que tratam de epistemologia e narrativa histórica.

Ricardo Oliveira da Silva – Professor Doutor (UFMS)

Fabrício Antônio Antunes Soares – Professor Doutor

Organizadores


SILVA, Ricardo Oliveira da; SOARES, Fabrício Antônio Antunes. Apresentação. Historiae, Rio Grande- RS, v. 11, n. 1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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