É com prazer que apresentamos ao leitor este número temático sobre o Ensino de Literatura, campo que permite integrar o trabalho com os eixos da Leitura, da Escrita, da Reflexão Linguística e da Oralidade com o caráter transformador e humanizador da língua quando operada no espaço do literário.
O número se compõe por 6 relatos de experiências, 4 artigos e 1 resenha, todos com interessantes contribuições, tanto de ordem prática quanto de ordem reflexiva, não somente para o espaço da escola, mas também para a formação de professor do curso de Letras e de Pedagogia, pois os trabalhos contemplam desde o primeiro segmento do Ensino Fundamental até a Formação Inicial do professor.
O relato de experiência “Os contos de Clarice Lispector: experiências de leituras literárias na sala de aula” apresenta uma proposta de leitura dos contos “Cem anos de perdão”, “Uma esperança” e “Felicidade clandestina” com alunos do segundo segmento do Ensino Fundamental de uma escola municipal da cidade do Rio de Janeiro inscritos em curso de extensão vinculado à Faculdade de Educação da UFRJ e ao Grupo de Ações de Ensino, Extensão e Pesquisa – Fórum de Ensino da Escrita (GRAFE). Mônica Araujo Trugano se baseia em estudo de Richard Bamberger, pesquisador austríaco que relaciona o desenvolvimento psicológico da criança com seus interesses de leitura, para situar a fase que vivem seus alunos como aquela em que “o indivíduo toma conhecimento da própria personalidade e o interesse pelo mundo exterior é substituído pelo interesse pelo mundo interior e pela descoberta desse mundo interior”. A autora aposta, assim, na identificação dos alunos com os personagens jovens dos contos de Clarice Lispector, que vivem momentos de descoberta sobre si mesmos, como forma de atraí-los para o universo da literatura canonizada.
Em “Dando visibilidade às diferenças: um projeto de trabalho com alunos de Educação de Jovens e Adultos na cidade de Pará de Minas-MG”, Hércules Tolêdo Corrêa apresenta uma experiência pedagógica realizada com alunos da EJA do Centro Estadual de Educação Continuada – CESEC Dona Afonsina, que resultou na exposição de fotografias “Nu corpo nu – Respeitando as diferenças”, montada em escolas e universidades. Estando à frente do Grupo de Pesquisa Multiletramentos e usos das tecnologias digitais de informação e comunicação na Educação (MULTDICS), o autor acompanhou a experiência, da qual faz uma análise sob a ótica dos multiletramentos. O projeto considerou as diferenças raciais, de estilo e de constituição corporal “como algo que distingue o corpo do outro, sem que se veja nisso motivo para se demonstrar um conceito prévio, um preconceito, mas sim para se respeitar, mais até do que tolerar, o diferente”. Os alunos tiveram a oportunidade de vivenciar essas diferenças por um viés estético – tornando-se potenciais “agentes transformadores de uma sociedade excludente” – e através do exercício da autoria, pois se transformaram em “fotógrafos, maquiadores, iluminadores, curadores, expositores, enfim, em artistas e protagonistas do fazer pedagógico”.
Em “Contação de histórias na Educação Infantil: meio de desenvolvimento da linguagem”, Graciane Biolchi e Siderlene Muniz-Oliveira apresentam duas experiências de contação de histórias realizadas numa instituição beneficente do Paraná e numa escola municipal rural de Santa Catarina. As autoras partem do pressuposto de que a contação de histórias é importante na Educação Infantil, porque “trabalha na criança o desenvolvimento dos seus estímulos cognitivos e a prepara para o letramento”, e experimentam dois métodos de contação – método dinâmico e método da leitura em voz alta –, a fim de averiguar se contribuem da mesma forma para a atenção das crianças, para a compreensão da história e para a apropriação de linguagem. O método dinâmico – que se caracteriza pelo uso de ferramentas como imagens gráficas, gestos, expressão facial, sons, imitações, bem como pelas pausas para o diálogo com as crianças – revelou-se mais eficiente nos quesitos atenção e compreensão da história, enquanto o da leitura em voz alta obteve mais resultados no quesito linguagem.
O relato “Produção do jogo perfil para caracterização de personagens”, de Bárbara Delgado Azevedo e Mariana Souza Veiga, apresenta uma intervenção de trabalho realizada no âmbito do Estágio Supervisionado com alunos do sétimo ano do Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXII, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em que as professoras, pelo viés da sequência didática, apresentam uma proposta interventiva para estudos de personagens de ficção, a qual culmina na produção de um jogo pelos alunos envolvidos.
No relato “Uma experiência de leitura literária no primeiro ciclo”, Ana Paula Pedersoli Pereira e Eliana Guimarães Almeida apresentam uma experiência realizada com alunos do 2o e 3o anos do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Municipal de Belo Horizonte – Minas Gerais, a qual implica uma leitura guiada da obra Roupa de brincar, de Eliando Rocha. Esse experimento permite constatar que práticas de letramento literário não são necessariamente dependentes da conclusão do processo de alfabetização, mas sim de um efetivo trabalho de mediação do professor.
No relato de experiência “Cordel e pluralidade cultural no Ensino Médio: um trabalho com língua e literatura popular”, Magda Wacemberg Pereira Lima Carvalho apresenta uma abordagem da literatura de cordel com alunos do primeiro ano do Ensino Médio de uma escola municipal de Serra Talhada, Pernambuco. Essa abordagem buscou, com êxito, “possibilitar uma aproximação do aluno à cultura popular nordestina e, consequentemente, a provocação de seu olhar crítico e poético sobre a realidade sertaneja, bem como proporcionar a apropriação do repertório literário necessário à produção de seus próprios cordéis.
O artigo de Mônica de Queiroz Valente da Silva, “Poesia no Ensino Médio: contribuições ao Letramento Literário a partir da perspectiva da Complexidade”, é o resultado de uma pesquisa-ação realizada no âmbito do Mestrado Profissional em Práticas da Educação Básica, do Colégio Pedro II – RJ. Reconhecendo a importância do ensino de literatura na escola, a autora propõe que esse ensino seja repensado sob a ótica do paradigma da complexidade, proposto por Edgar Morin. De acordo com ela, é necessário assumir que “a Literatura é uma forma de conhecimento de mundo que necessita ser contemplada e ressignificada nos dias atuais e que a poesia tem condições de ofertar aos jovens alunos uma espécie de lupa, cuja lente revela a complexidade humana”.
O artigo de Soraya de Melo Barbosa Sousa e Ana Maria de Mattos Guimarães, “Letramento Literário na Formação Inicial de Professores: de práticas e eventos de letramentos para práticas docentes humanizadoras”, é o resultado parcial de uma pesquisa de doutoramento que tem como hipótese a ideia de que “o professor em formação (…), ao refletir sobre seu próprio processo de letramento literário, compreenderá melhor o percurso de letramento de seus alunos e a importância de seu papel na formação de leitores”, hipótese confirmada até o momento, através da análise do discurso de uma graduanda sobre seu próprio percurso de letramento literário. Segundo as autoras, “é importante que, na formação inicial, as práticas de letramento acadêmico levem o futuro professor a construir sua autonomia, encontrar sua própria voz e se constituir como agente de letramento”.
O artigo “À procura da carta roubada: experiências de leitura literária na Educação de Jovens e Adultos”, de Raquel Souza de Morais, apresenta os resultados obtidos com alunos da EJA do município de Silva Jardim-RJ através da exploração de habilidades leitoras – a saber, inferência, previsão e dedução – que são, não apenas requeridas, como também explicitamente tematizadas nas narrativas policiais, evidenciando possibilidades diferenciadas para a lida com o texto literário nesse segmento.
Edrielly Kristhyne da Silva Sá, no artigo “As obras distópicas na construção da criticidade”, defende que a criticidade inerente às obras distópicas e seu potencial para gerar a empatia do jovem leitor tornam essas obras propícias para um trabalho em sala de aula que pretenda desenvolver a criticidade dos alunos. A autora sugere ainda que sejam utilizadas não apenas obras literárias, mas também cinematográficas, tendo-se o cuidado de abordar, em cada uma, sua linguagem específica.
Finalmente, Hércules Tolêdo Corrrêa nos presenteia com a resenha da versão atualizada do livro de Teresa Colomer, Introdução à literatura infantil e juvenil atual, de 2017, o qual, nas palavras do autor, “deve figurar na estante das bibliotecas das faculdades de Letras e Pedagogia de todo o país”, pois apresenta um panorama da literatura infantil e juvenil, “tratando de sua função, mediação, características e critérios de seleção”, proporcionando não somente uma reflexão sobre o tema como também apresentando sugestões de atividades práticas e obras com indicação de trabalhos em diferentes segmentos escolares.
Desejamos a todos uma boa leitura!
Organizadores
Elza de Sá Nogueira
Érika Kelmer Mathias
Referências desta apresentação
NOGUEIRA, Elza de Sá; MATHIAS, Érika Kelmer. Apresentação. Revista Práticas de Linguagem. Juiz de Fora, v. 8, n. 3, p. 5-7, jul./dez. 2018. Acessar publicação original [DR]
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