Este número da Revista de História traz um dossiê de artigos dedicados ao ensino de História, escritos por autores de diferentes localidades brasileiras e uma variedade de temas que expressam campos distintos de estudos acadêmicos, mas que se encontram em um lugar comum entre a universidade e a escola. Os dois anos necessários para produzi-lo indicam o fato de que hoje, e cada vez mais, há espaços para publicação dos trabalhos dos pesquisadores envolvidos com o ensino de História, criando demandas para os profissionais que transitam entre a história da educação, as metodologias de ensino e as produções historiográficas. Este dossiê é, assim, um entre muitos dossiês lançados recentemente que delimitam um profícuo campo de estudo e pesquisa. Este tem sua contribuição. Divulga alguns importantes percursos de estudos que sinalizam lugares teóricos comuns, distintos e complementares de trajetórias construídas nas últimas décadas. Autores e temáticas de procedências diversas nele dialogam e convidam também o leitor a se unir às suas diligências.
O universo da história da educação, envolvendo políticas públicas e preservação de arquivos educacionais, constitui a temática do primeiro artigo escrito por duas professoras e uma pesquisadora ligadas ao Centro de Memória da Educação da Faculdade de Educação da USP – Maria Cecília Cortez C. de Souza, Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Iomar Zaia. O texto apresenta as mudanças nas orientações políticas de preservação da memória histórica escolar no Brasil, que só passou a ser mais recentemente valorizada a partir de referências teóricas da história social, junto com o reconhecimento de que a história da educação vai muito além das ações políticas do Estado, e que fundamentalmente envolve a história da diversidade social presente no cotidiano da escola e na sociedade brasileira. Com isso, segundo as autoras, foram intensificadas, nas duas últimas décadas, as iniciativas de “preservação do patrimônio histórico escolar – arquitetônico, iconográfico, textual e museológico – favorecendo a potencialidade das fontes documentais como geradoras de pesquisas”. O texto apresenta, nessa perspectiva, a trajetória histórica dos entraves das políticas públicas voltadas para esses fins, e as recentes iniciativas de pesquisa envolvendo os arquivos escolares das escolas públicas paulistas.
A importância da documentação dos centros de memória educacional pode ser percebida no segundo artigo, escrito por André Coura Rodrigues, pesquisador do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da USP, que analisa as estratégias de imposição de uma a cultura escolar em Minas Gerais, nos primeiros anos de vigência da Reforma João Pinheiro (1906-1911). Baseado no conceito de cultura escolar, enunciado por Dominique Juliá, o autor procura revelar a escola enquanto prática, redirecionando o olhar para seu funcionamento interno, mesmo utilizando uma documentação oficial. Avalia como as escolas mineiras passaram por transformações pela ação dos republicanos, a partir de projetos de modernidade nos moldes europeus. Analisa a substituição das escolas “isoladas” pelos grupos escolares, no contexto de institucionalização de “uma nova cultura, com tempo, espaço e métodos de ensino regulamentados, previamente definidos”, homogeneizando padrões para alunos, professores, conteúdos, disciplinas escolares e livros didáticos. Amplia ainda a análise apresentando as relações descompassadas entre compradores oficiais e editoras, interferindo nos percursos imprevisíveis dos livros didáticos e no projeto de implantação de uma nova pedagogia pretendida pelo Estado.
O vídeo, como trabalho experimental em arqueologia e como material didático para o uso no ensino de história, é o tema do terceiro artigo, escrito por Silvio Luiz Cordeiro, pesquisador do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Partindo de reflexões a respeito da paisagem urbana atual da cidade de São Paulo e na perspectiva de cineasta que vê o mundo através de imagens e seus movimentos, o autor discute o patrimônio histórico urbano, buscando vestígios arqueológicos possíveis de serem captados em registros documentais fílmicos, como expressões de relações temporais que os objetos e as construções estabelecem no espaço da cidade. Como explica o autor, o vídeo é “mais que uma via de difusão de conteúdos da arqueologia urbana: é também um meio propício para se desenvolver e exercitar uma leitura do espaço, uma leitura do habitat, de suas temporalidades, por um olhar prospectivo, indagador, que compreenda os remanescentes históricos urbanos, interpretando-se a história ali inscrita, ali atuante, presente”. O artigo apresenta especialmente o contexto de produção do vídeo Siracusa – Cidade antiga, decorrente dos trabalhos de pesquisadores do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga – Labeca, do MAE / USP.
Maria do Céu de Melo e Margarida Durães, professoras e pesquisadoras da Universidade do Minho / Portugal, são as autoras do quarto artigo que apresenta proposições de ensino de História na universidade, com base em reflexões críticas e envolvendo questionamentos de biografias e fotobiografias. A proposta contempla o trabalho metodológico do historiador no contexto de ensino, através da análise de documentos na sala de aula. Nessa linha, o ensino de história avança, em suas proposições, na medida em que o texto apresenta a importância em considerar os conhecimentos prévios de alunos e de professores, as diferentes dimensões possíveis de questionamentos dirigidos às fontes documentais e a necessária atenção a ser dada ao gênero e à linguagem da narrativa histórica analisada.
O quinto texto desse dossiê é de autoria de Arlette Medeiros Gasparello, professora da Universidade Federal Fluminense, que analisa a historicidade de um intelectual brasileiro do século XIX, Joaquim Manuel de Macedo, que se tornou romancista, médico e professor de História do Colégio de Pedro II, e autor de uma importante obra didática para o ensino de história, Lições da história do Brasil, publicada em 1861. No texto, a autora procura entender os “atores coletivos – os intelectuais como professores / autores – e aos processos que emergem das relações sociais, como circulação de saberes e sociabilidade”, em um contexto específico. E, assim, busca as relações entre o contexto social e cultural do Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, a história pessoal e intelectual de Macedo, a conjuntura que desencadeou a elaboração das primeiras obras didáticas de História do Brasil e a obra em si como uma construção que “tornou pública uma história nacional e orientou um método para o ensino e a aprendizagem em História”.
Entre variadas temáticas de pesquisa, os estudos da história do livro didático têm sido ampliados nas últimas décadas. E esse é o recorte da autora do sexto artigo, Circe Maria Fernandes Bittencourt, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O artigo faz um balanço das pesquisas sobre o livro didático de História, de 1980 à primeira década do século XXI, a partir do levantamento de teses, dissertações e publicações no Brasil. Esse balanço possibilita reflexões históricas das tendências predominantes ao longo dos últimos trinta anos sobre o tema, recuperando a relação entre os contextos históricos da educação brasileira e as abordagens desenvolvidas nos estudos sobre livros didáticos. O esforço da autora foi de apresentar uma história de conflitos entre tendências de análises e, ao mesmo tempo, de avanços na complexidade e abrangência na compreensão do objeto de estudo que passou a ser o livro didático de História. De uma perspectiva de análise quase exclusivamente de valores e ideologias de conteúdo, e de uma dependência da produção historiográfica, os livros didáticos de História, sob a ótica de novos conceitos e análises educacionais e históricas, passaram a ser entendidos, pelos pesquisadores, a partir de suas mais variadas dimensões, usos, inserções, funções e relações sociais.
O conjunto dos trabalhos desse dossiê demonstra como o ensino de História não prescinde de sua relação com a história da educação e nem do diálogo necessário e fundamental com as reflexões historiográficas. E demonstra como um longo percurso já foi percorrido na consolidação desse campo de conhecimento alimentado pelos múltiplos diálogos e temáticas.
Antonia Terra de Calazans Fernandes
FERNANDES, Antonia Terra de Calazans. Apresentação. Revista de História, São Paulo, n. 164, 2011. Acessar publicação original [DR]
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