Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro – CARDOSO (TES)

CARDOSO, Adalberto. Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2013, 264p. Resenha de: CORÔA, Roberta. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.13, n.1, jan./abr. 2015.

Autor renomado na área da sociologia do trabalho e conhecido por sua experiência em pesquisas sobre sindicalismo, trajetórias profissionais e mercado de trabalho no Brasil, Adalberto Cardoso se destaca em seu campo de estudos pela capacidade de oferecer sofisticadas análises, utilizando sobretudo dados quantitativos, sem se furtar à contribuição de outras disciplinas e de outros enfoques metodológicos. E é isso que podemos encontrar em seu mais novo livro.

Aqueles que chegam ao livro de Cardoso, em busca de se inteirar de informações relativas à atual estruturação do mercado de trabalho no Brasil, se deparam com a boa e velha teoria sociológica. O autor vai buscar nas relações sociais contemporâneas a formulação dos conceitos e os modelos explicativos para a dinâmica do nosso mercado de trabalho, considerando as repercussões das mudanças em curso no capitalismo em escala global que se corporificam nos trabalhadores. No caminho de construir argumentos contestadores, ou ao menos necessários, do otimismo que tomou conta das análises a partir do crescimento do emprego regulado no início dos anos 2000, Cardoso sociologiza variáveis, transforma números em indivíduos imersos em suas escolhas e contextos sociais e, assim, renova o debate teórico acerca do emprego no país.

Durante a leitura, emerge de forma clara a intenção do sociólogo em revelar ao leitor as disparidades de idade, sexo, cor, classe social e escolaridade que se escondem por trás das análises frias, baseadas em estatísticas de renda e consumo, sobre a expansão do setor formal no país. Em cinco ensaios comprometidos com o rigor metodológico exigido daqueles que se aventuram em trabalhar com os temidos dados quantitativos, a imaginação sociológica se faz presente em todos os momentos. O autor identifica nas trajetórias ocupacionais, posições e possibilidades dos indivíduos no mercado de trabalho as evidências de uma inércia social, econômica e demográfica não facilmente solu-cionável. São as cicatrizes de uma história marcada por longos períodos de crise econômica e social no país.

No capítulo 1, Cardoso constrói uma teoria da informalidade. Para apresentá-la, ele utiliza uma metáfora na qual a ordem capitalista contemporânea surge como uma galáxia. Do centro emanam os principais mecanismos de coordenação: o mercado, o Estado, a informação. Próximos a ele, estão as zonas mais densas e reguladas, por analogia, o ambiente formal, enquanto nas regiões periféricas encontram-se as zonas de regulação rarefeita, nas quais os mecanismos estão presentes em menor densidade, sem no entanto se encontrarem ausentes. Esses são os espaços informais que têm a sociabilidade como o principal meio de coordenação.

Ao elaborar o sistema, o autor defende os dois principais argumentos da sua teoria: a afirmação da existência de continuidades entre os espaços formais e informais – na galáxia financeira da economia capitalista, o centro se alimenta da circulação de mercadorias da periferia, ao mesmo tempo em que a periferia sofre as influências vindas do centro. Aponta ainda a presença nos ambientes informais de mecanismos coordenadores apoiados na sociabilidade – sustentada nas relações sociais de confiança, ancoradas nas redes sociais e familiares e ligadas a outros fatores que não econômicos. O resultado é a desconstrução do conceito hegemônico de informalidade, que ignora as conexões existentes entre os vários elementos do sistema e confere status inferior ao que não é exclusivamente regulado segundo a lógica das normas e leis do Estado.

No capítulo 2, Cardoso avalia em profundidade, por meio da análise de amostras quantitativas disponíveis, as dimensões que perpassam a dificuldade do Brasil gerar boas ocupações. O diagnóstico é que o país apresenta fragilidades multidimensionais, em sua maioria estruturais, que impedem a sustentabilidade de taxas elevadas de crescimento. Ganha centralidade no capítulo o papel das zonas de regulação rarefeita na própria dinâmica do emprego e nas trajetórias de homens e mulheres segundo as faixas etárias. Os dados evidenciam que essas áreas são mobilizadas em momentos diferentes das biografias dos trabalhadores, em uma lógica que, segundo o autor, combina estratégias individuais e ofertas de oportunidades.

O capítulo 3, sob a forma de questão geradora, problematiza a percepção vigente no senso comum de que determinadas posições, vistas como degradadas, não são ocupadas por pessoas brancas. O olhar sobre os dados constata as raízes históricas dessa percepção e revela que, apesar das mudanças profundas vividas pela sociedade brasileira nas ultimas décadas, ela ainda encontra sustentação no ordenamento real das ocupações. O capítulo traz evidências que possibilitam afirmar sociologicamente que as piores ocupações são, de fato, o destino mais provável para pessoas que se declaram pretas, pardas ou indígenas. Cardoso identifica as razões na rigidez da estrutura ocupacional brasileira, na qual a permeabilização de pretos, pardos e índios nas melhores ocupações tem ocorrido de modo muito lento ao longo de décadas, concorrendo para a manutenção das hierarquias e desigualdades existentes. Conclui-se que não é possível compreender adequadamente a estrutura ocupacional, nem as oportunidades de acesso a ela no Brasil, sem menção às desigualdades raciais.

No capítulo 4, o autor propõe desvendar as dinâmicas relacionais da migração entre Rio de Janeiro e São Paulo. Parte-se da hipótese de que existiria um mercado de trabalho intermetropolitano ligando as duas cidades e com relevância significativa para compreensão da estrutura ocupacional dessas regiões. Seja pela incipiência de debates sociológicos sobre o tema, seja pelo caráter disperso das dinâmicas reveladas pelos dados, o capítulo aparece um tanto solitário e não corresponde à densidade teórica que perpassa os demais segmentos do livro. Apesar da constatação de que existe um fluxo significativo de migrantes entre Rio de Janeiro e São Paulo, variável segundo a natureza da ocupação, o argumento apresenta-se apenas como um tímido passo em direção a um debate ainda não fomentado.

Por fim, no capítulo 5, reconhecemos na figura do autor o status de pesquisador renomado na área de estudos sobre sindicalismo no Brasil. O capítulo é um rico dossiê acerca das correntes teóricas que marcaram os estudos desse campo. Ao reunir os fatores ‘racionalidade individual dos trabalhadores’, ‘contexto social e familiar’ e ‘percursos individuais’ para formular seu modelo de probabilidades de filiação a sindicatos, Cardoso traz ao debate um argumento consistente e inovador para compreensão dos processos atuais de sindicalização no Brasil. Nesse percurso, cada variável utilizada é cuidadosamente explicada em termos teóricos e metodológicos, o que faz com que o alcance da análise empreendida extravase os limites pretendidos, proporcionando ao leitor o contato profundo com a produção do conhecimento sociológico sobre o tema em questão, a partir de modelos quantitativos.

Adalberto Cardoso discorre sobre ciência de maneira lúdica e se faz entender por meio de números, teorias e metáforas. A grande riqueza da obra é, sem dúvidas, a capacidade do autor em trazer as análises, em grande parte baseadas em amostras numéricas de modo a ultrapassar tantas proposições duras e superficiais acerca do atual momento do capitalismo financeiro e do mercado de trabalho. Assim procedendo, o autor humaniza os processos, dando-lhes agentes, relações sociais e subjetividade.

Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro é um livro sobre relações sociais no sistema capitalista contemporâneo, que oferece dados valiosos para uma compreensão crítica da estruturação do mercado de trabalho do Brasil

durante os anos 2000. Leitura indispensável para aqueles pesquisadores interessados em refletir de maneira mais profunda sobre temas intensamente debatidos nas mesas e corredores dos congressos de sociologia do trabalho em todo o mundo.

Roberta Corôa – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: roberta.coroa@gmail.com

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