Encontros e diálogos: pedagogia da presença, proximidade e partida – SÍVERES (C)

SÍVERES, Luiz. Encontros e diálogos: pedagogia da presença, proximidade e partida. Brasília: Líber Livro, 2015. Resenha de: VASCONCELOS, Ivar César Oliveira de Conjectura, Caxias do Sul, v. 20, n. 2, p. 223-229, maio/ago, 2015.

Na complexa teia em que se transformou o mundo, fragmentado e dissolvido na modernidade líquida (cf. Bauman), os indivíduos se orientam e vivenciam as relações sociais menos conforme lógicas de ação razoavelmente organizadas e mais de acordo com uma autonomia construída na pluralidade de valores e na constante ruptura. Em vez da clássica ideia de ação, o mundo atual pode ser explicado pela noção de experiência social – condutas individuais e coletivas construídas na pluralidade de princípios e na ação dos indivíduos, responsáveis pelo sentido de sua ação (cf. Dubet). Essa noção pode ser interpretada como encontros entre seres humanos situados num mundo complexo, impulsionado por e para diversificados sentidos. Encontros que desafiam pessoas e instituições a exercitarem a capacidade de dialogar, um exercício que tem sido analisado e explicado a partir de variadas perspectivas – filosófica, antropológica, epistemológica e, particularmente, no caso da escola, da perspectiva pedagógica.

Nesse cenário, diversas questões se relacionam com o diálogo intergeracional. Jovens e não jovens vivenciam múltiplas maneiras de existir – enquanto os primeiros submergem nessas múltiplas maneiras de se fazerem presentes no mundo, os segundos, muitos deles, não se reconhecem nessa multiplicidade. Um cenário assim pode até favorecer o exercício do diálogo com os jovens, podendo estimular a criatividade, a construção de saberes e uma atuação local e global. Contudo, pode abrigar problemas sociais envolvendo a juventude, como, por exemplo, as dificuldades de ingressar no mundo do trabalho e o acesso à habitação (parte dos jovens coabita mais tempo com os pais, às vezes, mesmo casados), resultando até em revolta, marginalidade e delinquência, podendo associar-se ao consumo de drogas (cf. Pais). No âmbito da educação, constatam-se a violência, o aborrecimento e o desinteresse de adolescentes e jovens com relação à escola, ao analfabetismo e à evasão.

Como os currículos pouco ou nada falam aos jovens (cf. Gomes), a duras penas esses conseguem (os que conseguem) exercer o protagonismo da sua aprendizagem. Portanto, é preciso dialogar! Pressupondo que a compreensão mais aprofundada do termo encontro e da palavra diálogo pode contribuir para a solução desses problemas, favorecendo o diálogo intergeracional (particularmente na escola), propomos esta resenha. As reflexões trazidas pela obra seguem a ideia de circularidade, conectividade e universalidade, análogo ao espírito da letra do alfabeto grego, alpha, metáfora utilizada pelo autor para expor suas ideias. Compararíamos mesmo com os vai-e-vens d’A República (cf. Platão), sendo que, em vez do tema Justiça, lá, deparamo-nos, aqui, com reflexões sobre o encontro, entendido como princípio para o diálogo, e sobre esse como potencializador de novos encontros. Para o autor, essa reflexão se constitui na dinâmica dos processos educacionais. Assim, propõe a pedagogia da presença, da proximidade e da partida, fazendo-o em coerência com referenciais antropológicos, epistemológicos e pedagógicos.

A profundidade com que se propõe esta tríade pedagógica evidencia-se logo na apresentação, momento da explicitação da temática, do horizonte teórico (Buber, Santos e Freire), das opções metodológicas (metáfora da letra alpha) e dos conteúdos de cada um dos três capítulos (pressuposto dialogal, pedagogia, e formação de professores).

O que configura o diálogo como princípio (arché)? Como o diálogo se manifesta na qualidade de mediador em prol da vida humana construída no palco das relações pessoais, sociais e políticas? Como contribui para integrar os saberes humanos? Para que dialogar? Essas perguntas inquietam o autor, no primeiro capítulo, trazidas à tona pelo uso da circularidade reflexiva e respondidas a partir da compreensão de ser humano como potencialidade do pensar (sophia), do sentir (eros) e do agir (ethos). Desse modo, o pressuposto do diálogo é apresentado como dinâmica integradora entre sentimento, pensamento e ação, o que evocaria “uma linguagem humanizadora que revela a morada humana”. (p. 77). O ser humano integral e integrado. Essa é a concepção do autor, a qual, para nós, emerge da pergunta das perguntas, a fundamental, a que encaminha nossa conduta humana em nossas relações com o outro e com o mundo: Quem é o ser humano? Assim, após oferecer o pressuposto dialogal, com suas raízes no princípio, na mediação e na intencionalidade, o autor propõe o processo educacional a ser desenvolvido por meio da pedagogia da presença, da proximidade e da partida, objeto central da reflexão proposta no segundo capítulo. Essa reflexão mantém como fio condutor a noção de encontro como relação entre seres humanos, como integração dos saberes e como interação numa ação reflexiva. Tal noção impulsiona a relação dialogal que, por sua vez, baseará a pedagogia proposta pelo autor.

De acordo com a proposta, emersa das perspectivas antropológica, epistemológica e pedagógica, a pedagogia da presença, proximidade e partida, baseia-se no encontro, a energia dialogal a impulsionar o projeto educacional. As presenças são traduzidas pelo autor como exercício da condição humana, como percurso de construção das ciências e como impacto nos processos educacionais. Complementam-se tais presenças pelas proximidades. Proximidade das histórias pessoal e social de educadores e educandos. Proximidade construída na relação face a face.

Proximidade desencadeada na convivência social. Presenças e proximidades que, em conjunto com o ser humano, estão constantemente de partida. O ser humano é um ser peregrino. Está permanentemente em movimento, como explica o autor. Suas partidas ocorrem desde os gregos antigos, com a experiência filosófica; desde a predominância do conhecimento teológico, revelando o indivíduo nômade em busca do “itinerário de saída de si para ir ao encontro do outro”. (p. 130). Tudo isso, apesar de constatarmos o desencantamento com os processos sociais, bem como que vivemos numa jaula de ferro (Weber) ou aprisionados nos próprios corações (Tocqueville).

Essa proposta de pedagogia baseará o processo educacional que, por sua vez, norteará o projeto de formação de professores apresentado pelo autor no terceiro e último capítulo. Nele o autor apresenta uma proposta de formação capaz de reconhecer a dinâmica global vivenciada pela sociedade de hoje, com tendência a levar os processos educacionais a serem cada vez mais interativo-complexos e competitivo-instrumentalizados.

O autor argumenta que, nessa dinâmica, é indispensável integrar educador, processo educacional e finalidade do projeto educativo. No entanto, continua o autor, cabe lembrar que ainda esse argumento se encontra influenciado “pelas condições socioculturais que dominam o cenário da civilização humana” (p. 154), um cenário caracterizado pelo reducionismo da condição humana à racionalidade instrumental, pela adequação dos recursos metodológico-educativos às tecnologias e pelo direcionamento do processo educacional ao atendimento de expectativas e necessidades do projeto globalizador.

O projeto formativo apresentado reconhece esse cenário e pressupõe algumas orientações legais e teóricas. Nesse sentido, o autor entende ser imprescindível transformar informações em conhecimentos e esses em sabedoria (Morin). É necessário articular o aprendizado na universidade com o praticado na escola, integrando ensino e aprendizagem (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Para o autor, é preciso valorizar elementos didático-pedagógicos, tais como: problematização/reflexão, pesquisa/ensino, criticidade/criatividade, pedagogia/política, planejamento/avaliação e currículo/valores. É necessário partir de uma filosofia da educação (Rios). Considerar os saberes desenvolvidos pelos professores durante o exercício da docência (Tardif ). Assim, e após concordar com a concepção gadameriana de formação vinculada ao conceito de cultura, bem como enfatizar a necessidade de o projeto formativo incorporar as relações sociais na docência, o autor defende o projeto que articula seus aspectos constitutivos nas dimensões antropológica (ser), epistemológica (saber) e pedagógica (agir). Defende o projeto que se inspira nos quatro pilares da educação para o século XXI (Delors et al.): aprender a conhecer, fazer, conviver, e ser.

Então, considerando esse cenário e seus pressupostos, o autor detalha o projeto formativo de professores, tendo o encontro como fio condutor, estabelecendo diálogos entre formação humana, capacitação profissional e missão pedagógica. A formação humana dos professores não se constitui numa atividade para dar forma ao sujeito, e sim, para integrar numa só perspectiva humanizadora o educador e o educando. São seres humanos renováveis por meio da educação (Durkheim). Processo formativo que, da perspectiva antropológica, envolve vocação, convocação e provocação das pessoas realizadoras desses processos. Já a capacitação profissional, menos no sentido de aperfeiçoar as habilidades profissionais e mais no sentido de cumprir finalidades educacionais, concretiza-se, consoante o autor, numa competência técnica, numa experiência ética e numa expressão estética. Por último, a missão pedagógica, como parte do projeto de formação de professores, constitui-se, conforme o autor, menos na transferência de informações, na instrumentalidade de tecnologias ou no exercício de determinadas metodologias. Para o autor, essa missão exige a imediata compreensão de que a “consciência dos professores e a responsabilidade das instituições formadoras estão em constante processo de discernimento” (p. 180), pois visam a desenvolver projetos educacionais compatíveis com os objetivos e os interesses pessoais e sociais que se atualizam no tempo.

A exposição da missão pedagógica, componente do projeto formativo apresentado pelo autor, pode ser considerada o momento alto da obra resenhada, porque o autor retoma a pedagogia da presença, da proximidade e da partida, já delineada no segundo capítulo, demonstrando como tal pedagogia pode contribuir para a formação de professores. Nessa parte da obra, o autor retoma com intensidade o modo especial de explicar suas ideias, o circular.

A adoção dessa circularidade enriquece a obra, inclusive, em termos de contribuições à concretização do projeto de formação de professores, pois evidencia, com clareza, a realidade dos percursos de tal concretização.

As contribuições são, de fato, direcionadas à realização viável de um projeto de formação inicial e continuada pelas instituições educadoras.

Não há dúvida de que as análises e as propostas da obra podem favorecer a elaboração de políticas públicas. Além disso, a pedagogia proposta se apresenta como alternativa “para fazer do exercício da docência um processo pessoal e social compatível com a dignidade humana e com a excelência educacional”. (p. 190).

Particularmente, os estudos poderão contribuir para a solução de problemas relacionados ao diálogo intergeracional, presente nas mais diversas áreas da sociedade. Que o digam os professores, os alunos, os demais membros da escola e os pais! Os preocupados com esses problemas podem e devem lançar mão das explicações e propostas da obra resenhada.

Isso porque a obra se refere à concretização do diálogo autêntico, presente nos relacionamentos reais, pautados nos compromissos assumidos pelos indivíduos entre si, por isso mesmo capaz de tornar mais humano o convívio no líquido cenário da vida moderna (cf. Bauman). Esse diálogo, presente no centro das reflexões promovidas pela obra, é relação, é testemunho, do qual se origina e no qual finaliza a existência humana – relação com o significado weberiano de comportamento reciprocamente referido quanto aos sentidos construídos por dois ou mais agentes.

Esse significado está presente também nos ensinamentos freireanos. Não se baseia Freire noutras noções, senão nessas, para postular que o ato de ensinar exige do educador, dentre outros desafios, a abertura para o diálogo. Uma abertura aos outros e ao mundo, gerada durante a inserção do educador nos contornos geográfico e social dos educandos, gerada quando o educador auxilia os educandos na aprendizagem para transformar ele mesmo e o mundo.

Ivar César Oliveira de Vasconcelos – Doutor em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor na Universidade Paulista, campus Brasília (Unip). Pesquisador da Cátedra Unesco de Juventude, Educação e Sociedade na UCB. E-mail: ivcov@hotmail.com.

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Itamar Freitas

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