Em Busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935) | Vanderlei Sebastião de Souza
Lançado no Rio de Janeiro em dezembro de 2017 numa parceria editorial entre a FGV Editora e a Editora Fiocruz, Em Busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935) trata-se de uma obra extensa, instigante e rica em análises e detalhes. Escrita pelo historiador Vanderlei Sebastião de Souza, Em Busca do Brasil é o resultado de sua tese de doutorado em História das Ciências, premiada em 2012 pelo Prêmio Anpuh de Teses. O livro em questão é composto de cinco capítulos nos quais a trajetória de Edgard Roquette-Pinto enquanto antropólogo físico se mistura à projetos políticos e intelectuais, às discussões entorno da miscigenação racial, identidade nacional, eugenia e com os rumos da civilização brasileira. Embora o personagem principal da obra tenha vivido na fronteira entre vários campos de atuação, Souza busca focar as suas investigações no Edgard Roquette-Pinto antropólogo físico, e nas relações entre antropologia, nação e política nas primeiras décadas do século XX.
Assim, traçando uma linha que tem como início a infância de Roquette-Pinto na fazenda “Bela Fama”, como meio a formação de Edgard na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e como fim a sua atuação como antropólogo físico no Museu Nacional, o autor apresenta detalhadamente não apenas parte do percurso intelectual e profissional de Roquette-Pinto, mas sobretudo como tal trajetória se consolidou em relação à outros atores tais como João Baptista de Lacerda e como faz parte da história da antropologia – física – no Brasil. Impressionando a quem lê, devido aos detalhes propiciados pela rica documentação utilizada por Souza em seu trabalho – contemplando documentos de natureza oficial, notas de jornal, escritos autobiográficos e mais uma série de tipologias documentais -, a obra em questão é um exemplo de como relacionar trajetórias sociais com grandes temas e problemas macrossociológicos.
Avesso ao tradicional modelo de produção científica que predominava no Brasil desde pelo menos o século XIX – de caráter bacharelesco e puramente teórico e enciclopédico -, Roquette-Pinto, tendo a ciência como profissão, viaja para a Europa e para o sertão do Brasil, contornos de uma trajetória delineada por uma profunda missão social, e percorrida pelos olhos atentos do autor. Durante a sua vida, Edgard deu rumo a uma atividade científica e a uma atuação pública de fôlego, constituindo assim os papéis de tutelar, reformar e civilizar destinados aos homens de ciência do período, e seguidos rigorosamente por esse personagem.
Interessado pela antropologia física, Roquette-Pinto – médico de formação – possuía certa ânsia em descobrir os defeitos sociais que tivessem ligação com a miscigenação racial no Brasil. Entretanto, busca destacar ao longo de sua obra a perfectibilidade biológica dos brasileiros, e, diferente do discurso eugênico em ascensão que reduzia tudo à esfera da degeneração biológica, atribuía os problemas do Brasil às questões de ordem política, social e cultural.
Assim, Vanderlei Sebastião de Souza, que em sua dissertação de mestrado (SOUZA, 2006) perseguiu alguns dos passos de Renato Kehl, personagem icônico na história da eugenia no Brasil, levanta uma questão interessante para se pensar a atuação de Edgard Roquette-Pinto, na qual a busca pela resposta compreende parte significativa da obra em questão:
Como esse intelectual construiu a defesa da miscigenação racial e dos mestiços do Brasil empregando as ferramentas científicas que, até então, eram utilizadas justamente para estigmatizar a população brasileira como inferior e degenerada, sobretudo, por sua origem mestiça? (SOUZA, 2017, p.26)
Tratando não apenas das viagens à campo de Roquette-Pinto em seus aspectos políticos e subjetivos, Souza analisa também os aspectos internos de suas pesquisas, ou seja, o empenho de classificação dos tipos antropológicos existentes em território brasileiro, em suas dimensões anatômicas, fisiológicas e psicológicas. Deste modo, o autor apresenta as relações existentes entre a produção científica de Roquette-Pinto, seu intuito de negar à etiologia biológica para os problemas do país e os métodos e técnicas da escola antropológica alemã do século XIX e início do XX. Ainda assim, é preciso destacar que embora haja uma certa defesa da miscigenação na obra de Roquette-Pinto, o autor deixa claro que a mesma possui ideias e noções que não apenas reafirmavam a tese do branqueamento como hierarquizavam os tipos raciais brasileiros.
Para dissecar o que parece contraditório e ambíguo no pensamento de Roquette-Pinto, Souza busca estabelecer um diálogo com as ideias que circulavam no período acerca da miscigenação racial, como àquelas produzidas por antropólogos, médicos, naturalistas, historiadores e sociólogos norte-americanos, alemães e brasileiros. Além disso, situa Roquette-Pinto em relação às ideias eugênicas que, no seguinte contexto, não só reverberavam no campo científico como também no político e social, perpassando discussões que envolviam o conceito de raça, o tema das populações e da imigração.
Em suma, o livro em questão não apenas apresenta um estudo acerca da trajetória de um intelectual que produziu ciência e atuou ativamente em várias instâncias nos primeiros quartéis do século XX, como também demonstra como a ciência antropológica esteve alinhada ao pensamento social brasileiro, à um projeto político-intelectual de sociedade e à busca pelo Brasil e sua face. A publicação deste livro, além de preencher algumas lacunas acerca da vida e obra de Edgard Roquette-Pinto e da antropologia física no Brasil, oferece contribuições significativas aos debates dos vários campos historiográficos que dialogam com a história das ciências.
Referências
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto: a “Eugenia Negativa” e a construção da nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1932) – Mestrado em História das Ciências da Saúde – Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 2006.
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Em Busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935). Rio de Janeiro: FGV Editora e Editora Fiocruz, 2017.
Resenhista
Jorge Tibilletti de Lara – Mestrando em História das Ciências e da Saúde – Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde – Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ/PPGHCS – RJ – Brasil. Bolsista CAPES. E-mail: jorge.tibilletti@gmail.com
Referências desta Resenha
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Em Busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935). Rio de Janeiro: FGV Editora; Editora Fiocruz, 2017. Resenha de: LARA, Jorge Tibilletti de. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 12, n. 23, p.384-387, jan./jun. 2018. Acessar publicação original [DR]