Elites e instituições no Brasil Império | Escrita da História | 2016

No primeiro semestre de 2016 a Revista Escrita da História – REH publicou o dossiê intitulado “Elites e Instituições no Brasil Colonial”. Nesta nova edição, de número seis, damos sequência à discussão anterior, avançando sobre o período Imperial. Reunimos diferentes trabalhos que abordam, à sua maneira, os problemas envolvidos na organização institucional e na atuação política das elites imperiais no Brasil. Temos um fio aglutinador que perpassa os trabalhos que integram o dossiê. Trata-se da construção do Estado nacional no Brasil, problema que demanda respostas de diferentes níveis, tal como a diversidade de abordagens dos textos que compõem a presente edição.

José Augusto dos Santos Alves, doutor em História e Teoria das Ideias pela Universidade Nova de Lisboa (UNL), analisa no artigo que abre o dossiê um documento pouco citado pela historiografia brasileira: as Cartas políticas de Americus. O autor aborda uma série de problemas propostos e discutidos nas Cartas políticas, avançando sobre temas de enorme relevância no início do XIX: opinião pública, constituição, delimitação dos poderes, publicidade, modernidade e/ou antigo regime, legitimidade, leis, liberdade de imprensa, em suma, o exercício do poder em toda sua complexidade. Segundo o próprio autor da carta, sua “teoria de governo”. Dessa forma, José Augusto permite ingressarmos no tema do dossiê por meio das discussões conceituais envoltas nos projetos políticos presentes na primeira metade do XIX no Brasil, projetos que de uma forma ou de outra afetavam as práticas e a organização institucional do país.

Também Carlos Henrique Gileno, doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professor na Universidade Estadual Paulista (UNESP), investiga a organização da estrutura do poder institucional do Brasil. Por sua vez, parte da Carta Constitucional de 1824, tratando especialmente da trajetória da implantação do Poder Moderador no Primeiro Reinado. Discute, dessa forma, a influência da teoria do “poder neutro” de Benjamin Constant no processo de estruturação do Poder Moderador no Brasil. Segundo argumento do autor, a reflexão de Benjamin Constant sobre o poder neutro transplantada para a Carta Constitucional não firmava o poder pessoal de D. Pedro I. A separação entre poder executivo e poder moderador não teria ocorrido no Primeiro Reinado, uma vez que o Imperador arrefecia a monarquia constitucional e representativa através de sua ação política, como no julgamento dos insurrectos da Confederação do Equador.

Tomando como palco a província do Maranhão, marcada pela alcunha de “separatista”, Raissa Gabrielle Vieira Cirino, doutoranda em História na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), apresenta os principais representantes dos grupos que se digladiaram durante a guerra de Independência e que acabaram se reencontrando em uma das principais instituições provinciais em funcionamento durante o Primeiro Reinado: o Conselho de Presidência. O perfil coletivo desses conselheiros desvela as interações entre militares, lavradores, negociantes, doutores em leis e magistrados e como estes se organizaram para garantir seus interesses e projetos próprios e apaziguar as instabilidades sociais que persistiam, ao mesmo tempo em que trabalharam com o objetivo de certificar ao Imperador de que sua província estava pronta para compor o nascente Império brasileiro.

Por fim, o dossiê se encerra com o texto de Jerlyane Dayse Monteiro dos Santos, mestre em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no qual procura demonstrar as articulações políticas dos representantes paraibanos na Câmara dos Deputados no período Regencial. Lida, nesse sentido, com o debate historiográfico atual acerca da relação entre as dimensões do poder – nacional, regional e local – no processo de construção do Estado nacional. Assim como faz Raissa Cirino no texto anterior, a autora contribui para renovar nossas persepctivas do século XIX ao se posicionar contra a metanarrativa dominante do nacional, tomada como referência a partir do sudeste e, mais especificamente, do Rio de Janeiro, prevalecente durante muito tempo na historiografia brasileira e que obscureceu sobremaneira as particularidades regionais no processo de construção do Estado nacional no Brasil. Assim, demonstra a autora como os deputados paraibanos, enquanto representantes provinciais, atuaram e contribuiram nas discussões do estado nacional e na formação do Estado Imperial brasileiro.

Para além do dossiê, contamos com mais cinco artigos que integram a seção de artigos livres. O primeiro, de Juliette Dumont, maître de conference – Paris 3, analisa como a Argentina, o Brasil e o Chile se inseriram na Sociedade das Nações – criada em 1919 – buscando ingressar no concerto das nações até então dominadas pela Europa e no contexto de emergência do multilateralismo. A partir da perspectiva das representações a autora pretende responder às perguntas: “Como os países desse continente percebem o novo organismo e o papel que podem aí representar? Que imagem tem eles e que imagem representam eles de sua posição no cenário internacional?”.

Na sequência passamos para o artigo de Leonara Lacerda Delfino, doutora em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), cujo objetivo é perceber através das políticas de obtenção de aliados (distribuição das mercês) a forma como se davam as diferentes alianças entre os confrades (cativos, libertos e pardos livres) do Rosário dos Pretos em São João Del Rei, nos anos de 1782 até 1850.

Já Daniel Dutra Coelho Braga, doutorando em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisa as representações realizadas por oficiais da marinha francesa (Louis de Freycinet, Louis Isidore Duperrey e Hyacinthe de Bougainville) no início do século XIX acerca das regiões tropicais (com destaque para Brasil, Ilha Bourbon, ilha de França e ilha Timor). Conforme aborda em seu texto, apesar de não haver uma visão consensual acerca da tropicalidade, eram recorrentes representações utilitaristas que unissem suas reflexões sobre as regiões tropicais com as diretrizes da cultura colonial do Estado francês.

O artigo de Márcio Jesus Ferreira Sônego, mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), investiga os tipos de alforrias pagas na cidade de Alegrete entre os anos de 1832 e 1886, bem como as estratégias utilizadas pelos escravos para conseguir os recursos necessários para obter a liberdade. Analisa, assim, 12 manumissões adquiridas através do pecúlio, contribuindo também para a compreensão da especificidade das relações escravistas nas diferentes regiões do Brasil.

A seção se encerra com o artigo de Eulália Fabiano, doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), que busca refletir acerca dos desafios para a proteção e o reconhecimento da cidadania das crianças e adolescentes brasileiros, principalmente através da dificuldade dos agentes públicos que integram o Sistema de Defesa e Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente de discursarem, ou mesmo apresentarem propostas, que contribuam para a superação das vulnerabilidades históricas (desigualdade socioeconômica ou naturalização da violência) ainda muito presentes em nosso país.

Desejamos a todos uma boa leitura! Renato de Ulhoa Canto Reis


Organizador

Renato de Ulhoa Canto Reis


Referências desta apresentação

REIS, Renato de Ulhoa Canto. Apresentação. Escrita da História, v.3, n.6, p.10-13, jul./dez. 2016. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.