El retrato en México: 1781-1867: héroes, ciudadanos y emperadores para una nueva nación | Inmaculada Rodríguez Moya
A obra de Inmaculada Rodríguez Moya, El retrato en México: 1781-1867: héroes, ciudadanos y emperadores para una nueva nación, foi publicada em 2006 pela Universidad de Sevilla2 . O retrato – entendido como um gênero artístico que busca imortalizar o indivíduo dentro da História – é o objeto de estudos da autora no contexto mexicano das reformas bourbônicas promovidas pela Espanha e, posteriormente, da construção do Estado Nacional. A diversidade racial do país, suas profundas desigualdades econômicas e sua mestiçagem cultural abordadas no livro resultam em uma análise complexa e profunda sobre a formação histórica da memória e identidade mexicana.
Os retratos constituem um suporte de comunicação que serve de testemunho aos historiadores na análise de determinada época e suas relações de poder.. Segundo Moya, esse gênero artístico contribuiu para a criação de um imaginário nacional, de um poder legítimo iconograficamente materializado e, inclusive, do autorreconhecimento de uma burguesia que floresceu nesse contexto.
O recorte temporal delimitado pela autora compreende a passagem do século XVIII para o XIX, período em que ocorreram as contestações ao Antigo Regime e o aparecimento de sistemas liberais burgueses. A divisão da obra leva em conta, ainda, o espaço temporal em que foram organizados os grêmios, as Academias e os centros de produção do retrato.
Inicialmente, a autora analisa a Academia de San Carlos, oriunda do projeto de reformas bourbônicas em formulação desde 1781, e criada em 1785 com o objetivo de controlar todas as produções das artes plásticas mexicanas. Segundo Moya, a pintura histórica acadêmica permitiu apenas o desenvolvimento de temas em que estavam implícitos valores morais como o heroísmo e o patriotismo, por meio da busca da perfeição pela imitação da natureza. Os métodos rígidos empregados não possibilitavam o desenvolvimento do estilo próprio dos artistas.
A produção acadêmica possui um grande espaço na argumentação, com uma longa descrição dos principais artistas e suas obras de sucesso. Contudo, a autora não amplia sua análise ao notar a ausência de realizações artísticas durante o período da guerra de independência, época em que o Estado insurgente impôs à Academia uma etapa de forte crise, que se traduziu em um período escasso em produções.
Para Moya, o objetivo central da Academia de San Carlos em unificar as artes nacionais e pregar a homogeneização cultural pode explicar esse vazio nas produções. Durante 1810 e 1821, enquanto o imaginário político estava em processo de transformação, a instituição permaneceu atrelada às formas e técnicas do Antigo Regime. A mudança no imaginário político do período da guerra pela independência pode ser exemplificada pela encomenda feita, em 1814, a Francisco Gordillo – acadêmico considerado um dos melhores gravadores de moeda do período – de uma moeda que contivesse a imagem de Fernando VII em um lado e, no verso, a de um guerreiro indígena.
Foram poucos os pintores que fizeram parte do movimento de independência. Os retratos dos heróis eram de anônimos e fugiam aos padrões impostos pela Academia. Para resgatar a memória histórica da formação da nação, os pintores se basearam em relatos e testemunhos da população. A figura do Padre Miguel Hidalgo, por exemplo, é entendida por Moya como uma das mais ambíguas. Os liberais federalistas fizeram uma representação romântica do precursor do movimento contra as tropas vice-reais. Em meados do século, sua imagem se transformou na de um legislador e ancião bondoso que protagonizou o retrato de Joaquín Ramirez, em 1865, como Padre de La Patria. No século XX, a Revolução Mexicana utilizou sua imagem como exemplo de luta social nos murais de Rivera, Orozco e O´Gorman.
A escassez de imagens sobre José María Morelos y Pavón é vista pela autora como uma opção dos liberais. Segundo ela, eles teriam preferido Hidalgo, que era menos “libertário”. José María Morelos foi o primeiro líder insurgente que tratou do movimento da Nova Espanha como um momento de ruptura com a metrópole. Em Sentimientos de la Nación, redigido em 1813, declarou “que la América es libre e independiente de España y de toda otra Nación, Gobierno o Monarquía, y que así se sancione dando al mundo las razones”. Anunciou, ainda, a liberdade e a igualdade de todos os cidadãos mexicanos perante a lei.
Entretanto, durante o movimento de independência, o único retrato de Morelos produzido foi José Maria Morelos y Pavón (1812), pintado por um índio oaxaqueño e considerado digno de destaque por suas formas e técnicas bem elaboradas. Essa obra torna claro que as mudanças nas produções artísticas acompanharam as transformações políticas da nação e evidenciaram suas contradições que, embora enunciadas no estudo, não são aprofundadas por Moya.
Sobre o período do Império de Iturbide, a autora expõe o esforço desse imperador em resgatar as formas de representação do Antigo Regime para impor a sua legitimidade durante seu mandato. Sua iconografia foi influenciada pelo modelo de Napoleão Bonaparte, e as novas técnicas artísticas passaram a ser desenvolvidas nos grêmios locais sob inspiração das novas ondas de modernidade e do modelo europeu. A Academia não teve destaque nesse período, uma vez que o governo a acusava de abrigar espanhóis.
A busca por um paradigma artístico nesse período se apresenta ambígua ao leitor, o que pode ser explicado pela própria descrição da instabilidade do Império. Segundo Moya, ao procurar sua afirmação dentro da modernidade, Iturbide contou com um amálgama de referências que, muitas vezes, eram opostas. A representação clássica de um imperador burguês por meio de técnicas pobres foi traduzida em retratos considerados ridículos.
Moya relata que a Academia ganhou um novo impulso apenas a partir de 1843, quando o então Ministro da Fazenda e da Justiça e da Educação, Javier Echeverría, decretou a reorganização da instituição para que ela pudesse recuperar seu prestígio e influência. Em meados do século XIX, os retratos mais premiados eram referentes aos heróis da independência, concebidos como monumentos públicos.
Em 1863, com o Imperador Maximiliano, as homenagens a Hidalgo, Morelos e Iturbide continuaram. O projeto La galeria de héroes do governo de Maximiliano pretendia que o movimento de independência fosse lembrado como um acontecimento coeso, com a continuidade e linearidade de propostas políticas. Para isso, o imperador encomendou retratos dos principais expoentes do movimento a fim de conceder à história do México a unidade necessária para explicar e legitimar sua posição política.
Os heróis construídos durante a organização da nação eram modelos de cidadãos a serem seguidos, pois continham as virtudes morais próprias da identidade mexicana em formação. O destaque era para as atitudes e gestos individuais, o que reafirmou o retrato como a forma artística de representação do imaginário político da burguesia incipiente, que assumiu para si o papel do mecenato.
No âmbito dos retratos regionais e dos retratos anônimos, as representações diretamente políticas foram mais escassas. Nessas modalidades, houve a valorização do homem como cidadão, sem considerarsua procedência social ou seu ofício. No século XIX, foi produzida uma série de retratos com indivíduos representados em formato de bustos, em obras de pequeno tamanho, que revelavam apenas seu rosto, com a intenção de refletir a sua personalidade.
Dentro da construção regional da identidade mexicana, o contato entre o cliente e o público era direto. Os grêmios eram obrigados a subordinar sua produção à exigência da clientela. As obras eram muitas vezes de caráter religioso, naturalista, com críticas sociais. As técnicas empregadas não eram as mesmas da Academia, mas sim variadas, como a pintura em tons pastel e a valorização de elementos da natureza.
José Maria Estrada, que para a autora foi o pintor mais relevante de Jalisco, criou um estilo próprio e independente das técnicas padronizadas. Ao pintar um retrato da aristocracia mexicana, não ressaltou os símbolos que determinaram o status desse grupo. Para Moya, as técnicas de Estrada constituem um estilo tão particular que é difícil afirmar se era a demanda da sociedade de Guadalajara ou uma nova interpretação das normas acadêmicas do retrato.
Embora a técnica e motivação do retrato regional fossem diferentes do acadêmico, podemos notar que ambos faziam parte do mesmo imaginário políticosocial emergente na conjuntura estudada pela autora. Enquanto a Academia se esforçava em impor um estilo que homogeneizasse a cultura nacional e estabelecesse unidade política, em outros espaços buscavam-se as muitas identidades do cidadão e do indivíduo mexicano. A contraposição de ambos fornece ao leitor os elementos necessários para compreender a configuração artística e política do México durante a formação nacional.
Nota
2 A obra ganhou o prêmio Nuestra América promovido pela Universidad de Sevilla em 2005.
Resenhista
Laís Olivato – Mestranda do Programa de História Social da Universidade de São Paulo. Desenvolve o projeto Insurreição e religião: uma análise do periodismo no movimento de independência mexicano sob a orientação da Professora Doutora Gabriela Pellegrino Soares. E-mail: laisolivato@yahoo.com.br
Referências desta Resenha
MOYA, Inmaculada Rodríguez. El retrato en México: 1781-1867: héroes, ciudadanos y emperadores para una nueva nación. Sevilla: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2006. Resenha de: OLIVATO, Laís. As dimensões históricas do gênero artístico retrato na consolidação da nação mexicana. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 8, 2009. Acessar publicação original [DR]