As mudanças sociais são elementos que afetam decisivamente a configuração política e econômica da contemporaneidade, em razão da frenética e conturbada transformação que a modernidade tem legado às relações sociais. Vários autores de diversificadas teorias sociológicas têm se debruçado sobre essa temática e recorrem a interpretações das mais variadas para entender “as consequências da modernidade”. Giddens, por exemplo, nos apresenta uma preocupação latente com a percepção dos indivíduos frente às mudanças que a modernidade incita, elencando categorias analíticas significativas, como estrutura da subjetividade e da objetividade. Esses elementos são importantes para pensar a conformidade dos agentes nos meios sociais, a centralidade do indivíduo em outros centros de atenção, como o mercado, o poder e o trabalho. Esse cenário nos parece convidativo para pensar as dinâmicas sociais e políticas dessas relações entre Estado e sociedade, focando a questão educacional no processo de mudanças sociais.
A Educação como elemento chave na estruturação dessas dinâmicas rebate o efeito das grandes mudanças e também alimenta necessidades prementes de transformações políticas nas suas configurações decisórias de construção de metas e políticas. Os artigos que compõem o dossiê se propõem a discutir tais questões nas suas mais diferentes dinâmicas pedagógicas: seja na prática, nos mecanismos de formação de professores ou nas implicações sociais que essas mudanças têm no quadro de conflitos, como a questão da violência.
Reconhece-se que a tônica que esse dossiê apresenta assume uma extensão de problemáticas, por si só estanques nas suas expressões, mas convergentes nas suas acepções comuns de reflexos de um quadro de configurações das mudanças sociais. Privilegiaram-se problemáticas que vêm assumindo reformulações desafiadoras dos profissionais da educação, intelectuais da área com relação aos temas da violência nas escolas, violência sexual, educação infantil, educação a distância, nesse caldeirão social da contemporaneidade educacional. Sabe-se que ficaram de fora outros tantos temas importantes e tão desafiadores quanto esses, mas que também têm ganhado outros espaços que garantem a cobertura do debate.
Oferecemos ao leitor uma mostra dessas discussões em três regiões do País: Nordeste, Sudeste e Centro Oeste, e na cidade de Rosário, na Argentina, com pesquisas e estudos que foram realizados em cidades dos grandes centros, e também retratam o contexto de cidades de médio porte nas suas regiões. São olhares e fazeres diferenciados a mostrar que a lógica da linearidade não dá conta de explicar e analisar o nosso cotidiano.
Com este número, procurou-se discutir o reflexo do processo de mudança social na educação, que imprime reformulações nas políticas públicas educacionais. Violência enquanto categoria que vem atravessando as categorias analíticas do estudo da arte da educação nas dimensões: planejamento e gestão; avaliação, formação de professores; financiamento; currículo. Esse quadro de violência experimentada nas escolas tem fomentando reformulações teóricas sobre essas dimensões que desafiam nossas formulações mais cristalizadas sobre o processo educativo. A questão do inquietante enfrentamento da violência nas escolas, em variadas regiões do País e na América Latina, como mostram alguns artigos aqui sistematizados, revelam que esse problema não é prerrogativa do Brasil. Adverte-nos para as novas configurações institucionais em jogo, apresentando um quadro complexo das responsabilidades na protagonização educativa.
O trabalho de Fernanda Campos Junqueira discute a violência na escola, bem como o processo de rotulação e estigmatização do corpo discente, tendo como base as percepções e proposições dos diversos atores da comunidade educacional, como professores, corpo técnico-pedagógico e funcionários. Sua análise utiliza as premissas do Interacionismo Simbólico, que evidencia a maneira pela qual os variados grupos significam e ressignificam os contextos, os indivíduos e as interações sociais.
O texto de Keila Canabrava Aleixo apresenta reflexões sobre a justiça restaurativa nas escolas que, partindo da perspectiva histórica, pretendem mostrar como o controle da infância foi estabelecido a partir da aliança entre a justiça e a assistência, e que, atualmente, “novas” alianças são estabelecidas, como a aliança entre a justiça e a educação com vistas a combater a violência escolar.
O artigo de Naylane Mendonça Pinto analisa a introdução da teoria do inimigo no direito penal, nas políticas penais brasileiras, destacando a substituição do direito penal que criminaliza a conduta ou o ato praticado, para um direito penal que criminaliza o autor. Traz para discussão algumas leis que foram promulgadas, nas últimas décadas, com a finalidade de aumentar a repressão penal sob o argumento do aumento da criminalidade violenta. O artigo atende a uma demanda crítica no campo educacional que, muitas vezes, em seus projetos de redução da violência, dirige-se a modelos classificatórios e estigmatizantes de seus alunos. Muitas vezes o tratamento se caracteriza, basicamente, por estruturas punitivas, corretivas, que enclausuram e são incriminatórias, como nos revela a discussão sobre a questão penal no Brasil.
A especificidade do quadro da violência sexual e as proporções alarmantes que vêm sendo registradas no cenário contemporâneo refletem também a necessidade de um debate mais profícuo em torno da sexualidade e da questão educacional, desmitificando a hipocrisia das discussões em torno desse tema. Os educadores mostram-se fragilizados, numa relação de atenção à violência no universo escolar, ainda mais quando esse quadro de violência é apenas o reflexo de uma vitimização de violência sexual sofrida por alunos. Seria um investimento, sobretudo, a exigir um tratamento emergencial.
O artigo de Rogéria da Silva Martins, Maria Elizabete Souza Couto e Paulo Cesar Pontes Fraga discute como o trabalho é realizado nos serviços de atendimento às crianças e adolescentes vítimas da violência sexual e à escola, na região Sul da Bahia, enfatizando que a proteção e a garantia dos direitos humanos foi uma conquista da sociedade e, no que se refere às crianças e adolescentes, o ECA / 90 visa ampliar e fortalecer a rede de proteção. Entretanto, parece que a estrutura não tem favorecido a denúncia e a mobilização, em razão dos limites colocados pelas políticas públicas frente ao atendimento e à rede de proteção.
O trabalho apresentado por Ceci Vilar Noronha e Andrija Almeida traz para discussão os aspectos psicossociais da pedofilia e da pornografia infantil como fenômenos interrelacionados que vitimizam um segmento social vulnerável, reiterando que os pedófilos aproximam-se das vítimas via novas tecnologias da informação, uma característica da sociedade pós-moderna. Observa, ainda, que o público-alvo da pedofilia sente-se particularmente atraído pelas ferramentas do mundo virtual que concorrem para fomentar narrativas da vida cotidiana e facilitar novos círculos de amizades.
A infância, parece, está sendo condenada a experiências reveladoras de um quadro nada animador das projeções educativas. As concepções pedagógicas para a educação infantil estão caracterizadas por um estágio ainda de recente conformação teórica, no que se refere às políticas públicas para a educação infantil. O debate aqui revela os limites dessas reflexões e a latente mudança social com a qual os educadores têm se deparado no processo de aprendizagem dessas crianças. Nesse caminho, pesquisadores têm contribuído com o debate, apresentando vivências dessas práticas em diferentes contextos educativos.
O artigo de Adilson De Angelo identifica e discute o processo de consolidação de propostas para a educação infantil no contexto dos movimentos sociais, partindo de uma incursão pela história, na tentativa de perceber como se consolidaram os programas educativos destinados às crianças pobres brasileiras e sua dimensão ideológica. Apresenta a participação dos movimentos sociais nas lutas pelo acesso à creche, e as propostas que foram sendo construídas como contribuição para que a educação infantil continuasse a ser pensada e concretizada como espaço que reconhece a dimensão de sujeito do direito, do desejo e do conhecimento, própria da criança.
O trabalho das autoras Giana Amaral Yamin, Débora de Barros Silveira e Almerinda Maria dos Reis Vieira Rodrigues problematiza aspectos da educação infantil oferecida às crianças menores de seis anos de idade, tendo como base a realidade de escolas localizadas em assentamentos rurais do Estado de Mato Grosso do Sul, revelando o cotidiano, as condições das instituições e ações pedagógicas que são oferecidas à criança pequena nas escolas do campo.
O texto de Eronilda Maria Góis de Carvalho apresenta um estudo realizado em classes de educação infantil, em escola pública, focalizando a organização do trabalho docente e analisando as questões ligadas ao cuidar / educar e às relações de gênero na educação infantil.
No caminho das mudanças sociais na educação, na caracterização do dossiê, não poderíamos deixar de resgatar o debate sobre a questão da educação à distância. Esse novo modelo educativo traz um desafio grande, e a relação entre professores e alunos virtuais define uma diferente configuração de novos atores envolvidos no processo educativo: o professor coletivo e o estudante autônomo (Belloni, 1999). A abertura no novo campo de possibilidades tem suscitado discussões interessantes, abrindo um universo de caminhos para o cotidiano do trabalho docente, tentando compreendê-las no curso da história, como sugere Lévy (1999), mas sem abrir mão da perspectiva humanista dentro do conteúdo técnico de um novo fazer pedagógico.
A educação e seus processos políticos e sociais permeiam os trabalhos já apresentados, mas vale lembrar que estão no auge das discussões as políticas públicas de formação de professores, tendo como pano de fundo as mudanças na sociedade no seu sentido macro. Por isso, apresentaremos o trabalho de Esther Hermes Lück que inicialmente recorre à produção teórica para sustentar questionamentos acerca das críticas atualmente formuladas à Educação a Distância, que vão do otimismo exacerbado ao questionamento radical e, nesse sentido, indicam os aspectos político-ideológicos que subjazem aos posicionamentos críticos, tais como a formação docente e o uso reflexivo e pedagógico das tecnologias como fatores prioritários para a criação de processos capazes de responder às necessidades e aos desafios que se impõem à sociedade do conhecimento.
Em seguida, Beatriz Basto Teixeira analisa a experiência do Curso de Pedagogia da Universidade Aberta do Brasil, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UABUFJF), apresentando o perfil dos alunos do curso com o objetivo de justificar a sua caracterização como política e social, em função da oportunidade de acesso ao ensino superior. Enfatiza a formação de professores por meio da Educação a Distância como uma política social de relevância, tendo fator de impacto sobre a qualidade da educação, e oportunidade de realização de direitos para quem só por meio da educação a distância pode ampliar sua escolarização e formação.
Na seção artigos, Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas são destacados dois artigos de pesquisadores no campo da cultura: Gilberto Salgado, apresentando um erudito artigo sobre a discussão no campo da Sociologia da Cultura, em que convida o leitor a pensar em uma nova conceitualização de desigualdade e cultura. O autor realiza uma análise social da articulação entre indústria cultural e o novo conceito de desigualdade cultural, no Brasil, e inclui uma reflexão sobre questões teóricas e metodológicas da Sociologia da Cultura. Mônica Dias que apresenta um rico trabalho antropológico sobre a condição de status do acarajé da Bahia, a partir do tombamento do mesmo pelo patrimônio histórico. Esse artigo apresenta considerações a respeito das representações que produziram o acarajé como ‘comida típica’ de um grupo religioso (o candomblé) e de uma localidade (a Bahia). Tais representações são foco de disputa religiosa – evangélica e afro-brasileira -, aquecendo o mercado e buscando a legitimidade a partir da tradição, trazendo para a cena vários atores que defendem o processo do tombamento do quitute como ‘patrimônio cultural’, incrementando as vendas e o turismo cultural, com a ‘grife’ made in África ou made in Bahia.
Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas nesse número apresenta, ainda, na seção tradução, o texto “Polifonia e metamorfoses da noção de identidade”, de Claude Dubar, importante intelectual francês da contemporaneidade, defendendo seus estudos sobre a socialização da construção da identidade, numa latente contribuição de parte de sua obra ofertada ao público acadêmico brasileiro. A tradução é precedida da apresentação da professora Vanilda Paiva, que revela a importância da oportunidade de Especiaria trazer um trabalho de Dubar, uma vez que a tradução de seus trabalhos ainda é limitada no campo editorial brasileiro. Observa que esse intelectual tem contribuído muito, com suas análises teóricas, com a Sociologia e a Educação, trazendo uma nova versão do conceito de socialização, revelando trajetórias teóricas significativas para a explicação da construção da identidade. Em seu artigo, busca distinguir e definir quatro usos do conceito de identidade, noção eminentemente polissêmica e que mobiliza a noção de formas identitárias, plurais e contingentes, em lugar de apenas uma noção de identidade, marcada pela confusão dos usos essencialistas e empiristas precedentes. As formas de designação da mobilidade e do pertencimento são ditas identitárias porque estão fortemente ancoradas nas subjetividades e nas características do advento da segunda modernidade. E, em decorrência da morte de Lévi-Strauss, Dubar ainda nos oferece a oportunidade da publicação de uma homenagem a esse autor, por sua notória contribuição intelectual às ciências sociais.
Ainda nessa divisão, está a tradução do artigo de Marité Colovini e Jorge Kohen, que sustenta a ideia de que o fenômeno da violência social deixou de ser um elemento que constituía o contexto no qual se desenvolviam os processos educativos e de trabalho docente, para penetrar as paredes da escola e instalar-se, na atualidade, na própria trama do trabalho docente e da ação educativa. Traz para discussão questionamentos como: O que é a escola hoje? O que é um docente hoje? Como podemos cumprir a tarefa de ensinar nas condições atuais da sociabilidade? Além disso, a violência afeta o processo de ensino-aprendizagem e também o modo de viver das crianças, jovens e adultos (professores)?
Por fim, a apresentação da resenha de Leylane Cabral sobre o livro Juventude em conflito com a Lei, organizado por Vanilda Paiva e João Trajano de Lima Sento-Sé, mais uma vez traz para a pauta de discussões a concepção de julgar, o conceito de desvios de conduta, liberdade e as medidas socioeducativas que não estão contribuindo para (re)significar ou socializar os sujeitos considerados “fora” da lei .
Paulo Cesar Pontes Fraga – Editor.
Maria Elizabete Souza Couto
Rogéria Martins.
(Organizadoras)
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