Educação camponesa na América Latina: Práticas formativas, experiências pedagógicas e multisseriação/Abatirá – Revista de Ciências Humanas e Linguagens/2022
Apresentamos neste Dossiê um conjunto de textos cujas temáticas buscam aproximar o diálogo, a troca de experiências e reflexões sobre as diversas formas de como se tem materializado a educação para as populações camponeses no contexto da América Latina, buscando evidenciar políticas, projetos e experiências educacionais neste contexto. As discussões aqui apresentadas fortalecem a consolidação de uma pedagogia camponesa e subsidiam pesquisadores e educadores comprometidos com a educação das populações do campo.
O primeiro artigo apresenta como título “Caracterización de las escuelas multigrado de México”, de autoria de Luis Jair Trejo Alonso e Diego Juárez Bolaños. Nele encontramos dados qualitativos de uma pesquisa que destaca as principais características das escolas multisseriadas nos níveis pré-escolas, primário e secundário do México. A pesquisa demonstra o grau de isolamento como variável por determinar os elementos constitutivos das escolas multisseriadas.
Na sequência temos o artigo de Lia Pinheiro Barbosa, “Integração pedagógica da educação camponesa na América Latina: Concepções, experiências e sujeitos no enfrentamento do ontocídio e do epistemicídio”, o qual apresenta uma reflexão acerca do papel cultural e político que tem desempenhado a educação camponesa para a problematização do ontocídio e do epistemicídio, a partir de concepções educativas, experiências pedagógicas e sujeitos histórico-políticos que primam por reestabelecer os vínculos onto-epistêmicos com os territórios no campo da luta agrária. Foram apresentadas experiências educativo-pedagógicas, com princípios filosóficos e pedagógicos e sujeitos, erigidas pelas organizações que compõem a Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo (CLOC), organização membro da Via Campesina Internacional. A autora demonstra que um argumento central é que estas experiências revelam um processo de integração pedagógica da educação camponesa nos sentidos atribuídos por Paulo Freire (2018), ao tempo que buscam reestabelecer a conexão com um paradigma ontológico e epistêmico na defensa do território.
O terceiro texto traz como título, “A atuação dos movimentos sindicais rurais no enfretamento ao fechamento das escolas do campo no Território Entre Rios: Entre suturas e silenciamentos, uma voz de resistência”, cujos autores são Eliana de Oliveira Silva, Raimunda Alves Melo, Francisco Renato Lima. O estudo apresenta dados e reflexões acerca da luta dos movimentos sindicais rurais contra o fechamento das escolas do campo no Território Entre Rios, situado na região centro-norte do Piauí. Os dados são fruto de pesquisa quanti-qualitativa, cujo instrumento de coleta de dados foi um questionário respondido por 18 dirigentes de sindicatos dos trabalhadores rurais do Território Entre Rios; bem como, conversas informais com os mesmos sujeitos, em suas idas à Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores (as) Familiares do estado do Piauí (FETAG), no segundo semestre de 2021. De acordo com os autores, os resultados apontam que, nos últimos dez anos, 25.023 escolas foram fechadas no Brasil, sendo 2.315 localizadas no Piauí. Especificamente no Território Entre Rios foram fechadas 336 escolas no período de 2010 a 2020, ou seja 48,63% em dez anos. Apesar de todas as lutas realizadas pelos movimentos sindicais, o fechamento indiscriminado de escolas do campo ainda permanece como um grande desafio, um movimento de sutura e silenciamento às necessidades das populações do campo.
O próximo texto, “A educação escolar pública para as populações campesinas no município de Vitória da Conquista/Ba: Aspectos históricos e políticas públicas desde os primórdios do século XIX aos dias atuais”, de autoria de Giane Souza dos Santos, Shirley Mabel Franco da Silva Lauria e Arlete Ramos dos Santos, apresenta os elementos constitutivos que marcaram a história e o atendimento da escolarização nas comunidades campesinas do município de Vitória da Conquista/Ba, verificando como foram e estão sendo atendidas as demandas educativas dessas populações por meio das políticas públicas implantadas pelos sistemas de ensino na atual conjuntura. O foco principal foi a escolarização das comunidades campesinas no município lócus de investigação.
“Diálogos entre a Educação do Campo e o desenvolvimento local e sustentável” é o artigo seguinte que tem a autoria de Gláucia Maria Costa Trinchão, Danyelle Moura dos Santos e Nataly Ferreira Costa dos Santos. Neste encontramos considerações sobre a Educação do Campo e o desenvolvimento local e sustentável, uma parceria essencial para que os povos do campo possam pensar acerca das potencialidades locais como condição para seu desenvolvimento socioeconômico. Traz uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico, cujos resultados demonstraram que a Educação do Campo, voltada para o desenvolvimento local e sustentável, contribui para a formação de sujeitos reflexivos e conscientes nessa sociedade tão plural.
O sexto artigo, “Educação em território rural: Projeto político-pedagógico, currículo e práticas pedagógicas”, traz como autores Antonio Robson Rodrigues dos Santos e Jane Cristina Beltramini Berto. Trata-se de um estudo tem como objetivo analisar as relações estabelecidas entre o currículo e o projeto político pedagógico da escola municipal Milton Pessoa, localizada em Triunfo, estado do Pernambuco no sertão pernambucano. Quanto à metodologia, o trabalho adota a pesquisa documental e bibliográfica aliada à pesquisa qualitativa, com nuances etnográficas. Para a coleta de dados, o trabalho utiliza instrumentos variados, tais como: o diário de campo; questionário aplicado aos docentes; relato de vivências e a observação para fins analíticos. Os resultados apontam para um projeto político pedagógico integrado às aspirações da comunidade rural atendida, voltado à formação de sujeitos conscientes, críticos e participativos, reiterado pela organização pedagógica, docentes e de gestão, compromissados com uma formação humana, igualitária, ética e cidadã.
O sétimo texto, intitulado “Educação do Campo no contexto da América Latina e Escola com Turmas Multisseriadas: Reflexões outras a partir dos Estudos Pós-Coloniais” é de autoria de Isaias da Silva e Janssen Felipe da Silva. Apresenta os resultados de uma pesquisa de mestrado que buscou compreender as expectativas da comunidade campesina sobre a escola com turmas multisseriadas do campo. Tem como centralidade a compreensão sobre os sentidos da Educação do Campo no contexto da América Latina e as concepções que alicerçam a construção de Escola, Escola do Campo e Escola com turmas multisseriadas do campo. As reflexões tomaram como lente teórico-metodológica os Estudos Pós-Coloniais, visando possibilitar problematizar os processos de inferiorização e silenciamento impostos aos povos campesinos, a seus territórios e os seus processos de escolarização. Os resultados evidenciaram que a Educação do Campo no cenário da América Latina necessita ser compreendida como uma possibilidade outra de romper as heranças coloniais impostas pela lógica eurocêntrica e urbanocêntrica.
Já o oitavo texto, “Educação do campo e políticas públicas educacionais no município de Tabatinga, Amazonas”, tem como autores Elenilson Silva de Oliveira Ramofly Bicalho, aborda as políticas públicas voltadas às populações do campo, contemplando programas desenvolvidos pelo IFAM – Instituto Federal do Amazonas / Campus Tabatinga. O objetivo é compreender a educação do campo em Tabatinga e sua possível articulação com as lutas dos movimentos sociais, no desenvolvimento das políticas públicas. Foram consultados documentos produzidos pelo IFAM, movimentos sociais, sindicatos e secretarias municipais de educação. A pesquisa demonstrou que a escola do campo na comunidade pode fortalecer as famílias camponesas e a realidade do entorno, garantindo a qualidade da educação, direitos, especificidades, histórias de vida, memórias e valorização cultural.
O texto seguinte é “La voz de docentes indígenas en escuelas rurales de organización multigrado: Identificación de prácticas culturales y elementos centrales para la enseñanza de una lengua originaria” de autoria de Tania Santos Cano. A autora destaca a língua originária dos indígenas nas escolas rurais mexicanas. Os dados obtidos levam em consideração a existência de três núcleos de informação que envolvem a história de vida e a relação que se tem com a língua originária, entrecruzados com o ensino e a aprendizagem.
O décimo texto, “Juventudes rurais do Território do Sisal: Por uma educação de autogestão pautada nas especificidades locais”, tem como autores Hadson Bertoldo Sales Lima e Darluce Andrade de Queiroz Muniz. Os autores discutem acerca da compreensão da categoria juventude a partir das redes de relações tecidas entre esta e os contextos socioculturais pelos quais transita. Salientam que isso contribui para reivindicar políticas, ações e uma educação pautada nas especificidades locais. O Território do Sisal é aprsentado como um espaço marcado pelas desigualdades e pela desescolarização forçada, se faz necessário pensar nesses jovens como atores/atrizes do desenvolvimento de suas áreas de pertença, e da educação autogestionária pautada em políticas focalizadas como possibilidade de superação dessas mazelas.
“Literatura Infantil em Classe Multisseriada: Alfabetização e diversidade étnicoracial” é o próximo texto escrito por Jacilene Costa Gomes da Silva e Maria Zenaide Alves. As autoras destacam que a educação literária possibilita, de forma prazerosa, o enriquecimento do repertório, o imaginário e o conhecimento dos leitores. Apresenta práticas pedagógicas através da narração de história desenvolvidas de maneira lúdica com o intuito de despertar o gosto pela leitura e a aprendizagem, como também o respeito à diversidade na questão étnico- racial numa composição plural e humana de respeito às diferenças. Nesse sentido, a história narrada foi “Menina Bonita do Laço de Fita” (2016) de Ana Maria Machado, levando em consideração que a história nomeia de forma divertida o respeito às diferenças em prol da construção de uma sociedade em que as pluralidades sejam valorizadas. O estudo foi desenvolvido em Classe Multisseriada do 1º/2º Ano do Ensino Fundamental Anos Iniciais em uma escola do campo do município de Corrente- PI, em uma sequência de dois dias (2) de aula, tendo como objetivo geral, analisar a formação leitora e escrita, pontuando questões sobre a história narrada destacando a valorização e o respeito quanto à diversidade humana.
Por fim, o último texto, de José Lucas Campos Antunes dos Santos, tem como título “Ser professor quilombola: Uma experiência político-pedagógica na Educação do/no Campo em Maiquinique-Bahia”. Apresenta uma experiência político-pedagógica na Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Rural Municipal Tinga e seu impacto na (re)construção da identidade docente da autora. Descreve as práticas e reflexões de ensino em diálogo com a memória cultural da Comunidade Tradicional do Tinga, assim como evidencia o Racismo Institucional que obstrui a emancipação política, linguística e econômica do Tinga. Desse modo, a autora discorre sobre os percalços para implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica no âmbito municipal e escolar, bem como as estratégias político-pedagógicas adotadas por ela para promoção da cidadania linguística e (re)construção de identidades quilombola em sala de aula através do programa Formação de Professores do Campo (Formacampo). Como conclusão salienta que ser professor quilombola constitui uma prática de ensino articulada ao projeto decolonial de repatriação linguística, cultural, social e econômica da África e sua diáspora, o que implica para a Educação do Campo um projeto educacional centrado no ponto de vista da comunidade/grupo da qual é beneficiária.
Os textos trazem uma rica contribuição para conhecermos experiências importantes sobre a diversidade educacional e cultural que acontecem nas escolas do campo latinoamericas em diversos espaços, no âmbito das políticas e práticas. Esperamos que a leitura atenta dos artigos possa provocar reflexões importantes observando os diversos pontos de vista que nos levam a conhecer epistemologias defendidas pelos camponeses como protagonistas da história.
Boa leitura!!!!
Organizadores
Arlete Ramos dos Santos – Pós-doutorado em Educação e movimentos sociais; doutorado e mestrado em Educação pela UFMG; profa. Titular da UESB; Professora do Programa de Pós graduação em Educação da UESB e da UESC; coordenadora da Rede Latino-americana de Educação do Campo e Movimentos sociais (Rede PECC-MS); coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Movimentos sociais e Educação do Campo e Cidade – Gepemdecc. Coordenadora do Programa de Formação de Educadores do Campo (Formacampo). E-mail: arlerp@hotmail.com https://orcid.org/0000-0003-0217-3805
Terciana Vidal Moura – Doutora em Ciências da Educação pela Universidade do Minho, Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Especialista em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação pela UNEB, Mestre em Educação e Contemporaneidade pela UNEB. Membro da Rede Latino-americana de Educação do Campo e Movimentos sociais (Rede PECC-MS). Membro do Grupo de Pesquisa Observale. E-mail: tercianavidal@ufrb.edu.br https://orcid.org/0000-0003-3772-7724
Diego Juárez Bolaños – Doctor en Ciencias Sociales en el Área de Estudios Rurales por El Colegio de Michoacán. Académico del Instituto de Investigaciones para el Desarrollo de la Educación (INIDE) de la Universidad Iberoamericana Ciudad de México. Responsable de la Red Temática de Investigación de Educación Rural (RIER). Sus temas de estudio son las acciones públicas que inciden en la educación rural y el multigrado. Correo electrónico: diego.juarez@ibero.mx https://orcid.org/0000-0003- 4221-0885
Referências desta apresentação
SANTOS, Arlete Ramos dos; MOURA, Terciana Vidal; BOLAÑOS, Diego Juárez. Apresentação. Abatirá – Revista de Ciências Humanas e Linguagens. Eunápolis, v.3, n.5, p. 4-9, jan./jun. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]