O tema dos comuns emergiu, nas últimas décadas, no debate político como uma parte das lutas de emancipação social. Diversos atores sociais como movimentos e comunidades do Sul Global ou da periferia do Norte vêm no comum – ou nos comuns – um caminho de lutas contra a prevalência agressiva do capitalismo, neoliberalismo e globalização.
Nas ciências humanas e sociais, diversos estudos têm sido realizados no sentido de conhecer o giro para o comum dos movimentos sociais e comunidades. Esses estudos procuram delimitar o conceito (comuns, comum) e trazer à tona a diversidade institucional a partir da qual o fenômeno concreto (comuns, comum) se manifesta na prática de diversos grupos em contextos e espaços sociais específicos.
Também tem considerável espaço nestes esforços de pesquisa a interação conflitiva entre as instituições do comum e o avanço de processos como a mercantilização dos recursos naturais e das relações sociais. Tais pesquisas colocam em evidência as lutas, ajustes e reinvenção das práticas sociais orientadas por esse universo de estratégias e práticas sociais constituídas em oposição (relativa ou absoluta) ao mercado, à propriedade privada e à mercadoria, todas elas captadas em alguma medida pelo conceito de comum.
Considerando a grande representatividade de questões desta natureza na Amazônia, a UFNT (Universidade Federal do Norte do Tocantins), a UFPA (Universidade Federal do Pará) e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) propuseram à CAPES o projeto Economia e cultura dos comuns: práticas e espaços de alternativas de desenvolvimento na região da Amazônia Oriental. Em consonância com o edital, o qual foi submetido e aprovado em 2018, o projeto tem como meta o aprimoramento acadêmico e institucional do PPGCult, particularmente de sua performance na avaliação dos PPG´s brasileiros.
A estratégia para isso é a criação de parcerias e colaboração institucional em rede. Essas têm como um de seus resultados a produção acadêmica voltada para os fenômenos do comum na Amazônia, a partir de uma metodologia integrativa e interdisciplinar. O dossiê que ora apresentamos ao público reúne trabalhos desenvolvidos dentro da rede constituída pelo projeto. O documento agrega principalmente trabalhos de pesquisadores e pesquisadoras vinculados ao PROCAD Economia e Cultura dos Comuns, mas são também trabalhos provenientes de outras experiências de pesquisa sobre o tema.
Em O agir comum no Quilombo Grotão, Felipe Eduardo Lopes Oliveira e Dernival Venâncio Ramos Júnior estudam, dentro da situação de conflito territorial pelo qual a comunidade passa, a estratégias políticas que passam pela articulação com outras instituições, bem como o fortalecimento do modo de vida, marcado pela coletividade e organização solidária entre as famílias que vão ao encontro do princípio político do comum.
Ainda no campo das luta sociais e das articulações institucionais, no artigo Igrejas, instituições religiosas e a economia do comum na Amazônia Juliana Oliveira e Harley Silva discutem a atuação da Igreja Católica Apostólica Romana em locais onde emergem relações sociais de produção e reprodução e gestão de recursos de modo comunitário na Amazônia, defendendo a centralidade da atuação de organizações como a Comissão Pastoral da Terra na construção, manutenção e fortalecimento de arranjos institucionais baseados no comum.
Milena Botelho Azevedo Lena em As lutas e conquistas das Quebradeiras de Coco do Bico do Papagaio em “Raimunda, A quebradeira” explora a relação entre sociedade-natureza a partir da constituição do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu e a luta pelo Babaçu Livre, focando de modo especial a trajetória de Dona Raimunda, a liderança mais conhecida do movimento.
Por outro lado, em Desestruturação de economias heterogêneas: ensaio de uma análise para a região do Cerrado piauiense, Francisco Eduardo de Oliveira Cunha e Luiz Gonzaga Feijão da Silva, estudam o processo, a partir da discussão do comum como processo político, as mudanças na ocupação e uso dos solos, a desestruturação da heterogeneidade produtiva, a transição do trabalhador camponês para o assalariado rural e a homogeneização da base monetária local. Em Diversidade de estratégias produtivas em economias privadas e coletivas na Amazônia Timni Vieira, Camila de Cássia do Socorro da Silva, Thayana Cristina de Andrade Rodrigues, Círia Cristiane da Rosa, Roberto Porro e Rodrigo Geroni Mendes Nascimento analisam, a partir de uma pesquisa com 345 entrevistados em 15 municípios do Estado do Pará, a diferença entre estratégias familiares do uso do solo nas diferentes formas de propriedade da terra na Amazônia.
Os trabalhos publicados representam um conjunto promissor de abordagens ao amplo campo de estudos sobre Economia e cultura dos comuns da Amazônia e Cerrado. Esperamos que eles possam estimular o aprofundamento das discussões e a produção de um maior conhecimento sobre o tema em nível regional.
Organizadores
Dernival Venâncio Ramos Junior – Doutorado em História pela Universidade de Brasília (2009). Pesquisador visitante no Tropical Conservation and Development da Universidade da Florida (2015) e Instituto de Migraciones (2019) da Universidade de Granada. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Goiás (2002), mestrado em História pela Universidade Federal de Goiás (2004) Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Tocantins, atuando na graduação em História, no Programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura e Território e Neuza-UF/Núcleo de Pesquisa e Extensão em Saberes e Práticas Agroecológicas. E-mail: dernivaljunior@gmail.com
Harley Silva – Doutor em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Docente da FACECONUFPA. PPGE-UFPA. E-mail: harleysilva@gmail.com
Referências desta apresentação
RAMOS JUNIOR, Dernival Venâncio; SILVA Harley. Apresentação. Escritas. Araguaína, v. 13, n. 2, p. 05-07, 2021. Acessar publicação original [DR]
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