Economia Contemporânea em Moçambique: sociedade linhageira, colonialismo, socialismo, liberalismo | Beluce Belucci
O livro, elaborado por um pesquisador que trabalhou por mais de uma década com projetos de desenvolvimento em Moçambique, apresenta um panorama da formação da economia contemporânea do país, cuja inserção na divisão internacional do trabalho, desde a exploração colonial portuguesa, até a guerra de libertação do regime salazarista, passando pela experiência socialista do governo da Frelimo, hoje encontra-se frente ao impasse das exigências de uma “globalização” que possui todas as características de mais uma rodada espoliativa dos países centrais junto à periferia e índices de desenvolvimento humano que revelam que a opção pela liberalização da economia, feita sob a chantagem do Banco Mundial e do F.M.I. na década de 1980, deu-se muito mais como opção política ― inclusive da classe dirigente de Moçambique ― do que uma questão de julgar-se a eficiência ou viabilidade da economia planificada socialista.
O capitalismo colonial do Estado salazarista constituiu – especialmente a partir das décadas de 1930 e 1940 – alguma infraestrutura de aproveitamento de fontes de energia e recursos naturais, que, associado a uma política de migração e qualificação de mão-de-obra, permitiu o advento de um potencial industrial à colônia essencialmente primário-exportadora. As dificuldades de gestão do Estado salazarista, e as condições de acumulação de capital usufruídas pela classe dominante metropolitana na colônia, entretanto, inviabilizaram a transformação dos resultados desta acumulação em estoques crescentes de capital para o desenvolvimento futuro. Tal diagnóstico, feito de maneira precisa pela geração dos libertadores de Moçambique da espoliação colonial, permitiria uma tentativa efetiva de reorientação dessas forças produtivas a partir de sua independência, sob o governo de Samora Machel. O uso amplo de fontes primárias ― prerrogativa de quem a elas teve acesso durante anos ― documenta o painel apresentado por Belluci. A ele também cabe o reconhecimento de que, ainda que sofrendo majoritariamente a sabotagem, e o boicote em diferentes níveis, desde os antigos colonizadores racistas até os países beneficiários da ordem capitalista mundial, a Frelimo não conseguiu superar o desafio do crescimento econômico sem a exploração dos trabalhadores. A organização sistemática deu espaço à burocracia e à corrupção; à elite colonial outrora imposta pelo Estado racista português, sobrepôs-se uma elite burocrática do Estado moçambicano, a qual deixou progressivamente de ver na sabotagem e boicote reacionários – em nível interno pelos apartheid-boys da Renamo e em nível externo pelos órgãos internacionais de finanças – a face do inimigo, substituindo-a pela mão da cumplicidade. Não é à toa que – como acontece em todos os países que abandonaram o socialismo na década de 1980 – os novos proprietários dos meios produtivos – em sociedade com o capital externo, evidentemente – são, muitas vezes, antigos funcionários da burocracia do então extinto governo socialista. Mas, se de um lado, a história do socialismo em Moçambique é a história de uma interrupção, ela também mostra uma possibilidade para o futuro. Moçambique fica como exemplo para a história. Afinal, “a história não acabou e a luta continua. Mais cedo que tarde, outro horizonte aportará em uma nova sociedade com novos valores, em que a produção baseada em tecnologias domesticadas servirá para atender às necessidades materiais e culturais dos seres humanos. Estes não mais separados por nacionalidades ou classes, nem organizados em Estados, mas agrupados em associações fundadas na liberdade, na igualdade e na solidariedade.”
Resenhista
Luiz Eduardo Simões de Souza – Mestre e Doutorando em História Econômica pela USP.
Referências desta Resenha
BELUCCI, Beluce. Economia Contemporânea em Moçambique: sociedade linhageira, colonialismo, socialismo, liberalismo. Rio de Janeiro: Educam, 2007. Resenha de: SOUZA, Luiz. Eduardo Simões de Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 04, n. 08, p. 114-115, julho, 2007. Acessar publicação original [DR]