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E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico | Marcelo Badaró Mattos

A formação da classe operária inglesa (The Making of the English Working Class) [1] é considerado, pela comunidade acadêmica, uma das mais importantes obras do século XX, inspirando diferentes gerações de historiadores e cientistas sociais. A obra de Edward Palmer Thompson atacaria “duas ortodoxias ao mesmo tempo, a história econômica quantitativa e a marxismo dogmático” [2] tão presentes na intelectualidade da época. Publicado há 50 anos, este clássico teve sua primeira edição em língua portuguesa somente em fins dos anos 1980, causando um grande impacto na historiografia brasileira (assim como nas demais ciências sociais) por suas novas propostas teórico-metodológicas e, principalmente, pela prática de historiador proposta e vivenciada por Thompson.

E justamente a influência da obra de Thompson na historiografia brasileira é um dos pontos altos do livro E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico. Marcelo Badaró Mattos – autor de livros sobre os sindicalismos e a formação da classe trabalhadora brasileira e fluminense, além de ter ministrado uma série de cursos na Universidade Federal Fluminense, onde atua como professor do departamento de história – apresenta não somente a obra do historiador inglês, mas aspectos importantes da tradição de crítica ativa proposta pelo materialismo histórico, tão presente nos escritos de Thompson, e problematiza a recepção e a influência da obra do intelectual britânico na historiografia brasileira.

O livro E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico é dividido em quatro capítulos, além de apresentação e epílogo. A proposta de Badaró é unir o resgate, a crítica e a interpretação na obra do autor inglês, através da sua trajetória. Nesse sentido Badaró recupera fatos da biografia de Thompson e a influência dos mesmos na sua produção, preocupando-se em deixar clara a ligação entre os escritos thompsonianos, sua trajetória e seu engajamento político-social.

O autor desvela as principais polêmicas em que o historiador inglês se envolveu, dentre elas o conhecido debate travado com Louis Althusser no livro A Miséria da Teoria [3], em que a posição de Thompson é de reafirmar a urgente necessidade da historiografia “romper em definitivo com o idealismo de um marxismo de cunho religioso” [4]. Ao utilizar um tom endurecido de discussão, Thompson acelera o rompimento entre os intelectuais da corrente “culturalista” – na qual se inseria ao lado de Raymond Williams, por exemplo – e os da corrente “estruturalista”, representada por Althusser e Perry Anderson.

No capítulo denominado “Classes sociais e lutas de classe”, Badaró recupera a tradição marxista dos conceitos e reafirma o papel de Edward Palmer Thompson nesse debate, assim como a sua contribuição, a partir de meados do século XX, na realidade vivenciada pelo grupo de historiadores do Partido Comunista Britânico. A preocupação clara do autor inglês era a ampliação da visão da história social, como refratária aos determinismos, considerando, além da dimensão econômica de classe, também outros níveis de análise: o político, o cultural e o social. Badaró defende a importância e atualidade do conceito “classe”[5], sobretudo, diante de alegações de alguns historiadores que tal conceito teria “caído em desuso” pela perda de sentido como categoria de explicação histórica, inserindo-se na defesa da centralidade dos conceitos que nomeiam o capítulo, assim como na importância da defesa da história.

Outro ponto chave na contribuição de Thompson para a historiografia – “A Cultura” – dá título ao terceiro capítulo, em que Badaró mantém o esquema de estabelecer linhas gerais sobre a tradição de debate em torno do conceito cultura. Indo de Marx a Benjamin, passando por Lênin e Trotski, de Gramsci à escola de Frankfurt, passando por Raymond Willians e voltando à obra de Thompson na tradição marxista, Marcelo Badaró relembra que, na produção historiográfica thompsoniana, o materialismo histórico e o determinismo econômico não são sinônimos. Ressalta ainda a importância do “estímulo” antropológico [6] na elaboração do pensamento teórico do historiador britânico e na sua consonância com a tradição de crítica ativa do materialismo histórico, assim como sua recusa à ideia de cultura como algo fora da vida social material ou “como um modo de vida”. Antes de tudo, para Thompson, cultura e experiência são indissociáveis.

Marcelo Badaró faz também um balanço da influência e presença da produção e pensamento de “E. P. Thompson no Brasil”. Essa certamente é uma das suas grandes contribuições para a historiografia brasileira. O autor ressalta a importância de Thompson não somente entre os historiadores, mas também entre estudiosos da área das ciências sociais. Particularmente diante da realidade encontrada no Brasil em fins dos anos 1970, da emergência dos novos movimentos sociais e do declínio da ditadura civil-militar, favorecendo o uso dos conceitos fundamentais de Thompson de forma generalizada e muitas vezes distanciada do materialismo histórico, reivindicado e visto como fonte fundamental pelo próprio historiador inglês.

Sem dúvidas E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico é uma importante forma de compreensão da obra de Thompson e de sua apropriação por importantes autores da historiografia brasileira. Badaró critica os usos e desvios fundamentais para a compreensão dos conceitos propostos pelo historiador inglês, especialmente (mas não exclusivamente) nos estudos relacionados à história social do trabalho. Os usos casados de autores de matrizes distintas, como, por exemplo, Thompson e Foucault, inviabilizaram a plena compreensão das ideias thompsonianas.

Badaró alerta os limites na aplicação dos principais conceitos propostos por Thompson, que sofreram muitas vezes uma “domesticação” de sua interpretação [7] e causaram a associação do intelectual britânico aos estudos culturalistas, tão criticados por ele. Tal domesticação, objetivando afastá-lo da matriz marxista, foi rechaçada com veemência pelo próprio Thompson, que inúmeras vezes reafirmou seu comprometimento com a teoria marxista e com o materialismo histórico.

Marcelo Badaró ao (re)inserir o debate de Thompson na tradição marxista resgata o significado de sua obra e ecoa o incômodo do intelectual inglês [8] diante das acusações de que seus estudos valoravam demasiadamente a dimensão cultural. O livro E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico nos ajuda a lançar luzes sobre a obra de um dos intelectuais que mais influenciam a produção historiográfica brasileira, especialmente em uma época em que as lutas por direitos e a (re)tomada das ruas pela “gente simples” tenciona a cena política e social do nosso país.

Notas

1. THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987-1988. 3v.

2. O espírito whig sem o elitismo: entrevista com E. P. Thompson. In: Pierre Bourdieu (e outros), Liber 1, São Paulo, Edusp, 1997, p.172.

3. THOMPSON, E. P. A Miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

4. MATTOS, Marcelo Badaró. E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2012, p.35.

5. ______________. E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico, pp. 98-111.

6. THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.

7. MATTOS, Marcelo Badaró. E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico, pp. 237-248.

8. Especialmente no artigo intitulado Folclore, antropologia e historia social. In: THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001, pp. 227 – 267.


Resenhista

Vitor Leandro de Souza – Mestrando em História Social – UFRJ. E-mail: vitorleandro@id.uff.br


Referências desta resenha

MATTOS, Marcelo Badaró. E. P. Thompson e a crítica ativa do materialismo histórico. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2012.Resenha de: SOUZA, Vitor Leandro de. E. P. Thompson: transformação e crítica ativa. Temporalidades. Belo Horizonte, v.5, n.2, p.181-184, maio/ago. 2013. Acessar publicação original [DR

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