Do nacional-desenvolvimentismo à internacionalização no Brasil subnacional: o caso do Ceará | José Nelson Bessa e Déborah Barros Leal Farias
Eis uma obra plasmada pela oportunidade e inventividade dos seus autores. Do nacional-desenvolvimentismo à internacionalização no Brasil subnacional: o caso do Ceará demonstra a renovação que vem se impondo, com grande naturalidade, na reformulação nos cânones da pesquisa e do ensino das Relações Internacionais no Brasil. Claro, sucinto e bem escrito, o livro tem duas claras contribuições. Por um lado, escrutina aspecto extremamente relevante para as sociedades democráticas modernas: o limites da high politics ante a necessidade imperativa do avanço da low politics. Embrenham-se os autores no esforço de demonstração da capacidade dos entes subnacionais na conformação da política externa do Estado nacional. Evidencia-se, na leitura da obra, o quanto o Brasil está atrasado na matéria e o quanto está para ser feito.
Por outro lado, de forma surpreendente, evidenciam os autores as forças pulsantes na base da federação brasileira. Demonstram, com maestria, como Estados periféricos da federação souberam e continuam cultivando as brechas abertas para avançar sua ação externa. O caso tratado, do Ceará, é emblemático. Mas não circunscrevem os autores suas análises ao caso. A visão de conjunto, da transição dramática do modelo do nacional-desenvolvimentismo para o liberalismo dos anos 90, está articulada ao caso tratado. Aquele estado da federação, na visão dos autores, superou os limites impostos pela dramaticidade da transição. É interessante ver o que poderia ter acontecido em outras unidades da federação brasileira. Estariam eles se adaptando às mudanças de paradigmas da inserção internacional do Brasil? Quais suas relações com o poder central, o Estado nacional e a tradição corporativa da diplomacia brasileira? Essas questões sugerem estudos comparados que ainda carecemos.
A obra está, portanto, plenamente adaptada aos interesses tanto dos modernos estudiosos das Relações Internacionais quanto aos movimentos práticos dos gestores públicos e privados interessados em compreender como se desenvolve a expansão das ações externas de um ente subnacional da federação brasileira. Elaborado por José Nelson Bessa e Déborah Barros Leal Farias, o livro é sinônimo de bem-vinda iniciativa de sinalização no árduo caminho de elaboração de literatura especializada nas Relações Internacionais do Brasil. Bessa, mestre em economia e gestor competente dos negócios externos do governo do Ceará há mais de dez anos une-se ao talento de Farias, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professora em várias instituições em Fortaleza.
Estávamos acostumados, até poucos anos atrás, a importar textos de Relações Internacionais – disciplina recente no país – para nossos cursos acadêmicos. Produzidos por meio de prismas estranhos aos nossos objetivos e interesses nacionais, carecia essa literatura de um ângulo nacional, ainda que voltado para a visão cosmopolita e aberta às mudanças em curso na vida internacional. Os autores cumprem perfeitamente a missão de articular o sistema internacional às visões brasileiras acerca do seu lugar. Desenvolvem, particularmente nos capítulos 2 e 3, dedicados a relação entre a inserção internacional do Brasil e a força da diplomacia federativa, ângulos próprios e caminhos bastante inovadores na pesquisa acerca dos entes subnacionais em países de federalismo inconcluso como o nosso.
Algo se fez nos últimos anos no sentido de avançar os estudos dos entes federativos e suas participações na formação dos interesses e valores externos do Estado nacional, conforme já se pode perceber nas listas bibliográficas disponíveis aos estudiosos das Relações Internacionais no Brasil. Em artigo por mim publicado na Revista Brasileira de Relações Internacionais (RBPI), chamei a atenção para o fato de que as diplomacias dos governos dos Estados federais necessitariam operar em maior consonância e maior apoio da diplomacia do Estado central e vice-versa. Área sensível, foco de crises permanentes do federalismo inconcluso no Brasil, esse é um campo que necessita maior coordenação política e mais estudo de possibilidades.
A leitura da obra de Bessa e Farias nos leva a pensar que uma medida imediata na conformação da boa articulação do subnacional com o nacional seria a incorporação, no processo negociador externo do Estado nacional, de representantes dos entes federativos. Por múltiplas razões, geográficas inclusive, alguns estados da federação estão mais envolvidos em temas internacionais que lhes são mais atinentes, mas não são sempre convidados a opinar na construção de políticas públicas com impacto na sua territorialidade. Esse é um defeito da federação brasileira no campo das relações externas do Estado nacional.
Uma palavra final a respeito do que muito se aprende na obra que apresento. O Ceará é um exemplo, entre outros possíveis, de um entre federativo em ação, em meio a inseguranças provenientes da transição paradigmática do modelo do nacional-desenvolvimentismo para a internacionalização sem estratégia que o Brasil empreendeu na década de 1990 e ainda parte da atual, que soube construir seu próprio caminho de relativo êxito. Aqui está um exemplo de boa solução aos constrangimentos de transição de modelos econômicos e de inserção internacional do país. Os dados apresentados pelos autores falam por si. A pertinente análise que os acompanha reforça a idéia de que as Relações Internacionais no Brasil, em sua dimensão heurística, estão dando passos mais céleres do que imaginávamos há uma década.
Resenhista
José Flávio Sombra Saraiva – Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília – UnB e diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI.E-mail: fsaraiva@unb.br
Referências desta Resenha
MAIA, José Nelson Bessa; FARIAS, Déborah Barros Leal. Do nacional-desenvolvimentismo à internacionalização no Brasil subnacional: o caso do Ceará. Fortaleza: IBRI; Livro Técnico, 2005. Resenha de: SARAIVA, José Flávio Sombra. Revista Brasileira de Política Internacional, v.49, n.2, 2006. Acessar publicação original [DR]