Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro | Valdei Lopes de Araujo, Bruna Stutz Klem e Mateus Henrique de Faria Pereira
Do fake ao fato: Des(atualizando) Bolsonaro” foi pensado e organizado pelos professores doutores Valdei Lopes de Araujo, Mateus Henrique de Faria Pereira – ambos vinculados à Universidade Federal de Ouro Preto – e por Bruna Stutz Klem, mestra em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto.
Escrito para aqueles que desejam entender a política brasileira contemporânea, bem como até onde essa onda1 bolsonarista pode nos levar, “Do fake ao fato: Des(atualizando) Bolsonaro” é um livro instigante e esclarecedor. Composto por artigos bem fundamentados e de leitura leve, a obra traz à tona importantes debates políticos e sociais.
O livro surge em meio ao cenário das eleições de 2018 no Brasil com o choque causado pela vitória de Jair Bolsonaro e por tudo aquilo que ele representava ao país. “Como foi possível Bolsonaro ganhar as eleições? Seu projeto destrutivo será duradouro? Quais as alianças e bases sociais do Bolsonarismo? O Bolsonarismo é produto de qual experiência sócio-histórico-temporal?” – como o próprio resumo da obra já aborda, são algumas das questões que percorrem os textos, em uma tentativa de esclarecer as principais estruturas envolvidas neste fenômeno, como, por exemplo, a ascensão da extrema-direita, o movimento de pós-verdade e a recorrente utilização dos discursos de ódio.
O livro é embasado na ideia de atualismo, elaborada pelos autores Mateus Pereira e Valdei Araújo no livro “Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI”, a qual se refere ao processo de se estar sempre bem informado e modernizado, em que temos acesso e a capacidade de reagir aos acontecimentos históricos enquanto estes estão ocorrendo. Noção a qual se relaciona com a perspectiva histórico-temporal trabalhada por Koselleck (2006) de simultaneidade entre acontecimento e relato, pela qual o tempo é pensado como a relação entre passados e futuros, em que o homem não apenas está inserido, mas está experienciando, modificando e através do qual dá sentido às suas relações.
Nesse sentido, o que seria então essa (des)atualização do Bolsonaro? A ideia de atualizar e desatualizar Jair Bolsonaro é utilizada justamente pela hipótese dos organizadores de que Bolsonaro vive imerso no atualismo, em uma contínua atualização de suas redes sociais com notícias falsas e narrativas tendenciosas que só respeitam seus interesses políticos. Bolsonaro é colocado como, possivelmente, o primeiro grande fenômeno desse atualismo na política brasileira.
No livro é evidenciada a estratégia bolsonarista de produção incessante de notícias que não deixam qualquer margem para reflexões mais profundas, além de investigar a trajetória de Bolsonaro através da cortina de fumaça recorrente que ele produz para se amparar. A estrutura atualista se mostra presente também em seus discursos, em que, muitas vezes, ele retoma o passado como forma de se pensar o futuro, de acordo com as suas concepções. O livro nos mostra ainda como a direita brasileira explorou essa relação passado-presente-futuro de forma mais simples e direta 2, o que ganhou a simpatia de milhares de adeptos, fazendo com que o bolsonarismo se beneficiasse então deste atualismo.
Com artigos de diversos autores, a obra perpassa vários cenários da sociedade brasileira atual, tais como: as fake news, o espectro da ditadura militar, o negacionismo científico, a influência religiosa na política, em especial dos evangélicos; e até mesmo o “Olavismo” 3 e a ascensão do conservadorismo. Ao longo da obra conseguimos compreender como a propagação de fake news foi um dos propulsores da popularidade de Bolsonaro na política brasileira, a qual é abordada como um fato basilar da vida contemporânea.
As fake news são entendidas no livro como um problema ao historiador, uma vez que embora estas não condigam com os acontecimentos históricos, elas atingiram grande camada da população e foram usadas como ferramenta de ascensão do bolsonarismo. Tática que foi novamente empregada pela direita brasileira para disseminar a ideia de que o Brasil atravessava uma hegemonia política da esquerda e que, deste modo, o país precisava ser “salvo”. Segundo os organizadores, para que tal discurso fosse aceito pela população, foi necessário gerar uma nuvem de desconfiança em torno da História e dos historiadores.
De modo geral, no livro é trazida a ideia de que o Brasil se encontra em uma “Fake História”, a qual é base do bolsonarismo e em que o historiador é colocado como alvo constante de ataques. Tal hipótese se mostra presente, sobretudo, na ideia difundida de que no Brasil não houve uma ditadura ou que esta não fora tão dura quanto afirmam os especialistas, apesar das inúmeras provas documentais. Esse negacionismo disseminado na sociedade brasileira é algo comum entre os grupos bolsonaristas, os quais atacam e geram um descrédito em torno da História para que assim possam disseminar todo tipo de discurso que, mesmo não condizentes com a veracidade dos fatos, com o apoio popular, ganham força e continuam a servir de apoio a Bolsonaro.
Assim como descrito pelos autores, o bolsonarismo é um fenômeno que perdurará além do mandato de Jair Messias Bolsonaro na política brasileira. Tal fenômeno foi um propulsor de um conservadorismo que, atualmente, se enraizou na sociedade e na política do país e, de tal modo, não se erradicará a curto prazo. Por conseguinte, para que possamos “desatualizar” Bolsonaro é necessário que analisemos minuciosamente suas ações e discursos para então desmistificar sua ideia de passado, a qual baseia seu pensamento e que ele utiliza para projetar suas ações futuras. É necessário, desse modo, romper com sua técnica de interpretação tendenciosa e indevida de determinados passados através de fake news e de sua recorrente invocação de inimigos inexistentes.
Em última instância, o livro mostra como o bolsonarismo deve ser levado a sério, uma vez que demonstrou possuir grande influência sobre grande parte da camada social brasileira e, consequentemente, sob o modo de se fazer política no Brasil. “Do Fake ao Fato” se mostra, nessa conjuntura, uma importante obra para se pensar os principais aspectos da ascensão do bolsonarismo, além de mostrar o longo caminho a ser percorrido no combate às fake news e seus desdobramentos.
Assim, o atualismo nos oferece boas ferramentas para que possamos analisar os acontecimentos recentes da nossa sociedade, pois, ao fazer uma história do tempo presente do Brasil, nos possibilita aprofundar e compreender os principais aspectos da política brasileira, bem como da nossa relação com o tempo histórico.
Notas
1 Metáfora utilizada pelos organizadores do livro para descrever as nuances deste movimento que ganhou força e se espalhou em grande quantidade pela política brasileira. Onda refere-se aqui como uma agitação que movimenta as massas.
2 Em que lê-se em tais narrativas, o passado retratado como uma “ditadura” comunista que assombrava o Brasil, o presente como uma luta contra a corrupção e o futuro como a construção – autoritária – de uma nação livre do comunismo e que defenderia os valores da família tradicional brasileira.
3 Que se relaciona às ideias de Olavo de Carvalho. Teoria política que mistura elementos do conservadorismo com o liberalismo.
Referências
ARAUJO, Valdei Lopes de, PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Actualismo y presente amplio: breve análisis de las temporalidades contemporáneas. Desacatos [online]. 2017, n.55, pp.12-27. ISSN 2448-5144.
RAUJO, Valdei Lopes de, PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Atualismo 1.0 – Como a ideia de atualização mudou o século XXI. 1. ed. Ouro Preto: SBTHH, 2018.
ARAUJO, Valdei Lopes de; KLEM, Bruna Stutz; PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro. Vitória: Milfontes, 2020.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira. Revisão da tradução de César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUCRio, 2006.
Resenhista.
Mariana Cunha Fontes – Mestranda em História Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). E-mail: mariana.fontes1@aluno.ufop.edu.br
Referências desta Resenha
ARAUJO, Valdei Lopes de; KLEM, Bruna Stutz; PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. (Orgs). Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro. Vitória: Milfontes, 2020. Resenha de: FONTES, Mariana Cunha. Temporalidades. Belo Horizonte, v. 13, n. 2, p.816-820, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]