Nos últimos anos, observamos uma série de políticas e ações em prol da diversidade cultural no Brasil e no restante do mundo. E os arquivos não estão indiferentes a esse contexto. Em 2010, a Declaração Universal sobre os Arquivos e o Conselho Internacional de Arquivos (ICA) reconheceram a importância da “diversidade dos arquivos ao registrarem todas as áreas da atividade humana” e, em 2017, o tema do encontro anual do ICA foi “Arquivos, cidadania e interculturalismo”.
No Brasil, destacam-se as iniciativas do Plano Setorial de Arquivos, aprovado pelo Colegiado Setorial de Arquivos, do Conselho Nacional de Política Cultural, vinculado ao Ministério da Cultura (MinC) e formado por representantes do governo federal e da sociedade civil. Entre suas ações estão que os arquivos devem custodiar e conservar documentos referentes aos povos e comunidades tradicionais e indígenas, grupos de cultura popular, LGBT e de pessoas com deficiência e se preparar para realizar ações de mediação cultural e apoiar pesquisas que contemplem essa diversidade, com o objetivo de popularizar os arquivos e torna-los espaços democráticos e equipamentos culturais ocupados por todos e todas até 2026.
Desse modo, não nos restam dúvidas da pluralidade cultural brasileira e, consequentemente, do dever do Estado em garantir direitos que protejam essa diversidade também nos arquivos, para que possa haver uma plena cidadania.
Contudo, promover e garantir a diversidade não é algo simples, pois não se resume apenas à representatividade de negros, indígenas, imigrantes e outros grupos minorizados, mas engloba o respeito e a tolerância às diferenças – a plena alteridade.
O tema do dossiê desta edição da Acervo, revista do Arquivo Nacional, auxilia, assim, o Estado no cumprimento dessa missão ao reunir artigos sobre diversidade e(m) arquivos, fomentando o debate e a reflexão. Cabe ressaltar que este dossiê é composto de artigos relacionados às ciências humanas e às ciências sociais aplicadas – que compõem o escopo da revista –, reunindo, portanto, trabalhos que utilizam fontes arquivísticas relacionadas a grupos minorizados e que envolvam ações de fomento à preservação da memória e ao acesso desses mesmos grupos em instituições arquivísticas.
A entrevista deste número foi realizada com o dr. James Green, professor titular de história do Brasil na Brown University, pesquisador em inúmeros arquivos brasileiros e autor dos livros Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX (Editora Unesp, 2000); Apesar de vocês: oposição à ditadura militar brasileira nos EUA (Companhia das Letras, 2009); Revolucionário e gay: a vida extraordinária de Herbert Daniel, que deve ser lançado ainda este ano pela editora Civilização Brasileira e do artigo já clássico “Abrindo os arquivos e os armários: pesquisando a homossexualidade no Arquivo do Estado de São Paulo” (Revista Histórica, São Paulo, 2001), em que se abordam as dificuldades de pesquisar a temática LGBT em arquivos.
O primeiro artigo da revista é “Acossados por toda parte como brutos selvagens”: os índios da Cachorra Morta na província do Ceará, de Eloi dos Santos Magalhães, que utiliza como fonte diversos documentos sobre indígenas durante o período imperial acerca da presença desse grupo étnico nesse estado nordestino.
O segundo artigo, intitulado As habilitações sacerdotais e os padres de cor na América portuguesa: potencialidades de um corpus documental, de Anderson José Machado de Oliveira, explora vasta documentação eclesiástica desvendando a trajetória de africanos e seus descendentes no Brasil, que, ao se tornarem sacerdotes, conseguiam certa mobilidade social em um país escravocrata até o final do século XIX.
Já o artigo Memória e loucura e as reflexões sobre a reforma psiquiátrica brasileira: o papel dos arquivos para a construção de políticas públicas na saúde mental, de Daniele Corrêa Ribeiro, Nayara Emerick Lamb e Wilma Fernandes Mascarenhas, aborda o Centro de Documentação e Memória do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira, cujo acervo remonta à trajetória intelectual e militante da psiquiatra Nise da Silveira, com seu esforço em revolucionar o tratamento médico e transformar o imaginário social a respeito das pessoas com deficiência mental. Cabe lembrar o reconhecimento internacional do acervo pessoal de Nise da Silveira como Memória do Mundo em 2017.
O artigo seguinte se intitula Trajetórias de um tururi Ticuna: de itens de comércio a dispositivos de memória e identidade étnicas, de autoria de Rita de Cássia Melo Santos e Bianca Luiza Freire de Castro França, que analisam, a partir da coleção feita pelo Museu Nacional, no Rio de Janeiro, sobre os índios Ticuna da Amazônia, os sentidos dos objetos depositados, acompanhando uma dinâmica que associa processos comerciais, produção científica, construção de patrimônios nacionais e memórias étnicas, envolvendo memórias herdadas e regimes de memória.
O quinto artigo, Da doação à adoção: arquivos, memórias e cidadania indígena em contextos de apropriações diferenciadas, de Flávio Leal da Silva, mostra as possíveis razões que levaram o povo índígena Parintintin a aceitar a “doação” de documentos digitalizados pelo Museu do Índio. Além disso, contextualiza a valorização desses documentos pelos Parintintin a partir da luta pelas terras que tradicionalmente ocupam, sugerindo a ampliação da noção de documento e a preocupação de reestruturação do Museu do Índio em um cenário possibilitado pela Constituição de 1988.
O artigo A destruição de documentos como objeto estratégico e indicador de desempenho: o caso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), de Rita Colaço, questiona a forma como vem sendo realizada a gestão de documentos no Poder Judiciário brasileiro, sem critério transparente e parecendo não se preocupar com a preservação e a acessibilidade, principalmente de processos de grupos comumente estigmatizados como LGBTs, negros e ciganos. O TJRJ foi utilizado como estudo de caso.
E o último artigo deste dossiê, intitulado Diversidade na instituição arquivística: práticas com públicos especiais no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Apees), de Taiguara Villela Aldabalde, apresenta uma temática fundamental, mas ainda pouco debatida pelos arquivos: a mediação cultural. A partir de iniciativas do Apees, voltadas para públicos ciganos, pomeranos, LGBTs e indígenas, o autor mostra como essa instituição conseguiu aproximar e atingir esses grupos.
A resenha sobre o livro Acessibilidade cultural no Brasil: narrativas e vivências em ambientes sociais aborda um tema bastante negligenciado no Brasil: a acessibilidade. Marina Helena Chaves Silva analisa essa coletânea de textos sobre acessibilidade cultural com inovadoras perspectivas de democratização da cultura e inclusão social da pessoa com deficiência. Sem dúvida alguma, trata-se de um tema importante e de uma obra que merece ser lida, inclusive considerando que o mercado editorial carece de produções similares.
Por fim, na seção Documento, Fragmentos da dor: violência racial e étnica no cinema brasileiro no crepúsculo da ditadura civil-militar (1979-1985), de Pedro Vinicius Asterito Lapera, analisa algumas marcas de violência racial nos filmes O homem que virou suco, Mato eles? e O dia em que Dorival encarou a guarda, produzidos no final da ditadura e censurados por esse regime. Os registros da censura compõem o acervo da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), formado pelo arquivo permanente desse órgão extinto com a Constituição de 1988, que encontra-se sob a guarda do Arquivo Nacional, em Brasília.
Dessa forma, esperamos que este dossiê venha contribuir com um debate atual na arquivologia e nas ciências humanas; fomentar as diversidades nessas instituições e em seus acervos; e difundir a noção de que instituições arquivísticas também são (ou deveriam ser) equipamentos culturais – responsáveis pela produção de conhecimento, pela promoção de uma plena cidadania e, sim, abertos a todos e todas.
Organizadores
Diego Barbosa da Silva
Leonardo Augusto Silva Fontes
Referências desta apresentação
SILVA Diego Barbosa da; FONTES, Leonardo Augusto Silva. Apresentação. Acervo. Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 8-10, jan./abr. 2018. Acessar publicação original [DR/JF]
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