Ditaduras e Democracias (décadas de1960-1980) / Tempo e Argumento / 2013
Em poucos meses fará 50 anos da deposição do presidente João Goulart e do início de um período que marcou a história do tempo presente no Brasil. Esta data suscitará uma nova rodada de discussões a esse respeito: novos estudos serão divulgados e novas memórias entrarão no campo de disputas. Os debates em torno dos trabalhos da Comissão da Verdade e da exumação do corpo do presidente deposto são sinal de um passado ainda presente e aberto a múltiplas interpretações. A Revista Tempo & Argumento espera, com a publicação do dossiê Ditaduras e Democracias (1960-1980), trazer novos elementos para o debate sobre este conturbado momento da nossa história.
O dossiê inicia com o artigo Ditaduras Civil-Militares no Cone Sul e a Doutrina de Segurança Nacional – algumas considerações sobre a Historiografia, de autoria do professor Dr. Ricardo Antonio Souza Mendes. Neste artigo, são analisadas as primeiras obras sobre a Doutrina de Segurança Nacional, elaboradas entre os anos de 1979 e 1982, e que são um primeiro esforço no sentindo de entender o conjunto de ideias que norteou os governos autoritários que tomaram o poder na Argentina, no Brasil, no Chile e no Uruguai. O artigo Ditadura, Democracia e Esquecimento: 1964 – o acontecimento recalcado e a ascensão da Folha como canal da democracia, de autoria da professora Dr.a Sônia Maria Meneses, investiga como o jornal Folha de São Paulo conseguiu construir sua identidade vinculada às expectativas de democracia e ao mesmo tempo formulou um bem sucedido projeto de “reconstrução” da memória sobre os governos militares. A sua análise enfatiza como o golpe de 1964 é narrado pelo jornal entre 1978 e 1980, período de abertura política, e como se constitui o processo de lembrar e esquecer na construção de uma nova identidade política. Utilizando também como documento de análise o jornal Folha de São Paulo, o professor Dr. Reinaldo Lindolfo Lohn, no artigo Um longo presente: o papel da imprensa no processo de redemocratização – a Folha de São Paulo em 1974, discute como foi construída pela grande imprensa uma narrativa política no qual se estabeleceu a proeminência de setores e agentes políticos e sociais e o papel das eleições no processo de democratização brasileira a partir de 1974. No artigo O direito à memória: a história oral de mulheres que lutaram contra a ditadura militar (1964-84), a doutoranda Marta Gouveia de Oliveira Rovai analisa os relatos de mulheres que lutaram contra a ditadura militar brasileira a fim de identificar as múltiplas formas de ações na luta contra o autoritarismo. O artigo “Somos guardiões da memória…”: uma coleção homenageia os “vitoriosos” de 31 de março de 1964, do doutorando Eduardo dos Santos Chaves (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), analisará a coleção “1964 – 31 de março: o movimento revolucionário e sua história”. Esta coleção comporta um conjunto de entrevistas de membros das Forças Armadas brasileiras sobre a tomada do poder pelos militares. O autor examina o significado dessa coleção de entrevistas como resultado da disputa pela memória sobre a ditadura brasileira, bem como uma homenagem do Exército àqueles que eles consideram “salvadores da pátria”. O artigo A internet, um novo espaço de disputa pela memória da Ditadura Militar no Brasil, escrito pela doutora Maria Gabriela da Silva Martins da Cunha Marinho e pela mestranda Sonale Diane Pastro de Oliveira, a partir da análise de dois sítios eletrônicos, discute as disputas pela memória sobre o período da Ditadura Militar no Brasil e como a Internet se tem transformado em espaço de divulgação de distintas posições políticas. O artigo Civismo e cidadania num regime de exceção: as políticas de formação do cidadão na ditadura civil-militar, de autoria da doutora Tatyana de Amaral Maia, é dedicado a analisar a atuação do Conselho Federal de Cultura no Ministério da Educação e Cultura durante a ditadura civil-militar (1964-1985) e as políticas culturais e educacionais que foram postos em prática a fim de formar um cidadão considerado ideal. Para este estudo, a autora analisou os Cadernos de Estudos Brasileiros, o Atlas Cultural do Brasil e a obra O cidadão e o civismo: educação moral e cívica, suas finalidades. No artigo “En todas las dictaduras siempre hay espacios de resistencia frente a la opresión”: A atuação dos movimentos pela anistia e o controle e vigilância do regime civil-militar (1975-1983), a mestranda Pâmela Almeida Resende analisa, a partir do estudo do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA) e do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), como se dava a vigilância e o controle de parte da comunidade de informações e segurança aos movimentos que lutavam pela anistia e pela redemocratização. Para este estudo foram utilizados os documentos produzidos pelo do DEOPS / SP e SNI.
Na sequência do dossiê encontram-se quatro artigos que se debruçam sobre universidades brasileiras durante o período dos governos militares no Brasil. O artigo Os movimentos docentes brasileiro e português na virada dos anos 1970-80, da doutora Libania Nacif Xavier, analisa as ações e manifestações docentes ocorridas no Brasil e em Portugal, nos anos 1970-80, período marcado pelo declínio dos regimes autoritários e pela ascensão de movimentos de contestação política aos poderes constituídos. O artigo A UFPA e os Anos de Chumbo: A administração do reitor Silveira Neto em tempo de ditadura (1960-1969), de autoria da doutora Joana Fontes Oliveira (Universidade Federal do Pará), analisa os impactos do AI-5 e da repressão a estudantes, professores e servidores públicos durante o mandato do reitor José da Silveira Neto. O doutor Pedro Ernesto Fagundes apresenta, no artigo Universidade e repressão política: o acesso aos documentos da Assessoria Especial de Segurança e Informação da Universidade Federal do Espírito Santo (AESI / UFES), os problemas de acesso aos documentos produzidos pela Assessoria Especial de Segurança e Informação da Universidade Federal do Espírito Santo, que era vinculada ao Ministério da Educação e coordenado pelo Serviço Nacional de Informação (SNI), e que entre os anos de 1971 e 1983 tinha como função monitorar as atividades da comunidade universitária. No artigo intitulado A constituição da Faculdade de Educação / UFRGS em tempos de ditadura civil-militar (1970-1985), a doutora Doris Bittencourt Almeida procura compreender como, no presente, os sujeitos professores rememoram o tempo vivido naquela instituição, mais especificamente sobre as implicações da ditadura civil-militar na constituição e no cotidiano da Faculdade da Educação, nos anos 1970 e início dos anos 1980. Para fechar este dossiê, temos o artigo Estudantes no Pontal Mineiro e ditadura militar na década de 1960, do doutor Sauloéber Tarsio de Souza e da mestranda Isaura Melo Franco, os quais, a partir de quatro coleções de jornais do município de Ituiutaba, que circularam na década de 1960, e de entrevistas a ex-líderes estudantis, analisam as ações e as práticas do movimento estudantil no Pontal do Triângulo Mineiro durante a ditadura militar.
A sessão de artigos da Revista Tempo & Argumento conta com três artigos que versam sobre diferentes temas. O artigo da doutoranda Amanda Palomo Alves, intitulado Angola: musicalidade, política e anticolonialismo (1950-1980), analisa como a música popular urbana auxiliou na construção de uma consciência nacionalista, contribuindo para a resistência e a luta anticolonial. O artigo As divisões políticas da primeira elite castrense da ditadura chilena (1973-1978): grupos políticos, alternativas institucionais e formação profissional, do doutorando Tiago Francisco Monteiro, discute a composição, a atuação política e os anseios institucionais dos grupos de militares que ocuparam os principais cargos da ditadura chilena, imposta ao país após o golpe militar de 11 / 09 / 1973, com enfoque na formação profissional dos oficiais que denominados de “primeira elite castrense”, e enfatizando as suas relações com grupos civis e com as escolas militares estadunidenses. A mestranda Ana Karine Braggio e o doutor Alexandre Felipe Fiuza, no artigo Acervo da DOPS / PR: uma possibilidade de fonte diferenciada para a história da educação, propõem um novo olhar para os acervos das extintas Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS), com vistas ao estudo da História da Educação.
Este volume também traz duas resenhas. A resenha Por uma história da loucura no sul do país, da acadêmica do curso de história da UDESC, Tassila Sant’Anna Espindola, analisa o livro Loucos nem sempre mansos, de autoria da professora Dr.a Viviane Borges. Resultado da dissertação de mestrado que descortina o mundo da Colônia Itapuã, centro agrícola de reabilitação localizado no município de Viamão, no estado do Rio Grande do Sul. Silvania Rubert, no texto que intitula Para além da “guerra suja”, resenha o livro Memórias de uma Guerra Suja, que traz os depoimentos de Cláudio Guerra, o qual atuou no DOI-CODI (órgão de inteligência e repressão subordinado ao Exército brasileiro durante o regime militar), aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros.
Para finalizar este volume da revista, trazemos a entrevista com o Dr. Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na entrevista, feita em 2013 durante a Anpuh, em Natal, pelos professores do PPGH / UDESC, Rafael Hagemayer, Reinaldo Lindolfo Lohn e Silvia Maria de Fávero Arend, são discutidos temas como suas pesquisas sobre a ditadura militar no Brasil, a atuação da Comissão da Verdade e as possibilidades de pesquisa sobre o período a partir de novas questões que se colocam no tempo presente.
Luciana Rossato
Maria Teresa Santos Cunha
Editoras- Chefe
CUNHA, Maria Teresa Santos; ROSSATO, Luciana. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.5, n.10, 2013. Acessar publicação original [DR]