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Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul / História – Debates e Tendências / 2019

A desmemoria

“O medo seca a boca, molha as mãos e mutila. O medo de saber nos condena à ignorância; o medo de fazer nos reduz à impotência. A ditadura militar, medo de escutar, medo de dizer, nos converteu em surdos e mudos. Agora a democracia, que tem medo de recordar, nos adoece de amnésia; mas não se necessita ser Sigmund Freud para saber que não existe tapete que possa ocultar a sujeira da memória”.

Eduardo Galeano.

Nas décadas de 1960 e 1970, uma série de golpes de Estado nos países do Cone Sul deu início ao ciclo de ditaduras militares – ou civil-militares – na região, atingindo países como Brasil, Uruguai, Chile e Argentina. Estas ditaduras se estruturaram a partir das diretrizes gerais da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), das orientações de estratégia da teoria da contrainsurgência norte-americana e da doutrina de guerra revolucionária francesa, instituindo, assim, a noção de “guerra interna”. Dessa forma, as Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul criaram o “inimigo interno” – chamado genericamente de “subversivo” – e adotaram amplamente uma política repressiva baseada no Terrorismo de Estado, que ultrapassou os limites da “repressão legal”, permitida pelo arcabouço jurídicoconstitucional, utilizando “métodos não convencionais” – tais como o sequestro, a detenção ilegal, a tortura, o assassinato e o desaparecimento de opositores e seus cadáveres – para aniquilar a oposição política e o protesto social, fossem estes armados ou não. Como pano de fundo, tais regimes constituíram pressuposto essencial para a readequação das respectivas economias nacionais aos novos ditames do capitalismo mundial.

O presente Dossiê “Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul”, publicado pela Revista História – Debates e Tendências, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo, visa a contribuir ao debate e à reflexão acerca das ditaduras latino-americanas vigentes nas décadas de 1960, 1970 e 1980, sobretudo a ditadura brasileira, que durou mais de duas décadas e ainda hoje é relativizada, invisibilizada, negada ou esvaziada de conteúdo.

No primeiro artigo do Dossiê, Usos y debates en la Argentina sobre la categoría del Estado terrorista, Débora Carina D’Antonio e Ariel Esteban Eidelman propõem a reflexão acerca do debate e do uso da categoria “Estado terrorista” na análise da última ditadura militar na Argentina (1976-1983). Marcos Vinicius Ribeiro é o autor de Anticomunismo e Inimigo Interno: uma avaliação da Doutrina de Segurança Nacional a partir de sujeitos e manuais da repressão durante as ditaduras do Conesul, onde analisa o anticomunismo e a construção do “inimigo interno” em manuais da repressão e documentos da Confederação Anticomunista Latino-Americana (CAL), demonstrando a sua utilização na perseguição a opositores no contexto das Ditaduras de Segurança Nacional. Em Do brain drain ao exílio: apontamentos sobre emigração e radicalização política na Argentina, de Onganía a Isabel, 1966-1976, Jorge Christian Fernández estuda a emigração e a radicalização política – processos independentes, porém inter-relacionados – na Argentina entre os anos de 1966 a 1976.

O quarto artigo, de autoria de Reginaldo Cerqueira Sousa, Ditadura Militar Brasileira: o aparelhamento do sistema repressivo e a fabricação do informante, analisa, no contexto da ditadura brasileira, a organização do aparelho repressivo do Estado e o papel do informante dentro da dinâmica da repressão. Na sequência, Pedro Henrique Pedreira Campos examina em Ditadura, política nuclear e grupos empresariais: o caso da participação da KWU / Siemens e da Odebrecht na construção das usinas de Angra dos Reis a relação entre a ditadura e grupos empresariais, focando, especificamente, os interesses do capital privado nacional e estrangeiro em torno da política nuclear brasileira e na viabilização da construção do complexo das usinas de Angra dos Reis. Mateus Gamba Torres é o autor do artigo O Ato Institucional nº 2: lutas judiciais, imprensa e divergências na ditadura civil-militar (1964-1965), através do qual aborda os debates realizados em diversos jornais, entre 1964 e 1965, acerca das propostas discutidas pela imprensa e por intelectuais, mas que acabaram sendo autoritariamente impostas à sociedade por meio do Ato Institucional nº 2 (AI-2), em outubro de 1965.

A violência estatal no Rio Grande do Sul contra os seguidores de Leonel Brizola, particularmente os dos Grupos dos Onze Companheiros é o eixo contemplado por Marli de Almeida em Terrorismo de Estado e os Grupos de Onze Companheiros no Rio Grande do Sul. A seguir, Carla Luciana Souza da Silva, autora de Vanguarda Popular Revolucionária: massas, foquismo e repressão avalia o investimento realizado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) no sentido de organizar ações de massas junto ao movimento operário em 1968, buscando demonstrar como esse grupo dedicou intenso debate sobre as possibilidades de luta naquele contexto. Finalmente, no último artigo do Dossiê,” Siete Instantes” (Diana Cardozo, 2008): a militância sob lentes intimistas, Mariana Martins Villaça analisa um documentário uruguaio-mexicano realizado a partir de entrevistas de exmilitantes políticos uruguaios, especialmente mulheres, que relatam suas experiências no contexto ditatorial daquele país.

Abrindo a seção de artigos livres, Adelar Heinsfeld em Argentina X Chile: fronteira e corrida armamentista no Cone Sul no final do século XIX, se debruça sobre a corrida armamentista protagonizada por Argentina e Chile no final do século XIX, motivada pela questão fronteiriça entre os dois países o que tensionou a paz da América do Sul. Bernardo Hollanda, a seguir, analisa em Sports journalism, culture and politics in Brazil: An analysis of the role of the press in the formation of Rio de Janeiro’s football supporters groups during the 1960s como associações de torcedores de clubes de futebol do Rio de Janeiro atenderam às demandas de participação e diferenciação das populações urbanas, especialmente dos jovens protagonistas, e ganhou forma em escala nacional e internacional entre 1960 e 1980.

Fechando a presente edição, em Dinâmicas contextuais oitocentistas das migrações internacionais em Santos / SP, Wellington Teixeira Lisboa verifica algumas dinâmicas que operaram como relevantes fatores de atração de fluxos de imigrantes ao litoral paulista a partir da segunda metade do século XIX e Carlos Eduardo da Costa Campos, autor de As Res Gestae Diui Augusti: perspectivas sobre a obra, problematiza a obra de autoria do imperador romano Otávio Augusto, avaliando sua tipologia documental e como foi utilizada para consolidar a imagem de Otávio Augusto como bom governante para as gerações posteriores e de regiões distantes do Império.

Agradecemos imensamente aos autores e autoras que contribuíram com artigos de grande qualidade para esta edição da Revista e desejamos a todos uma excelente leitura.

Alessandro Batistella – Professor Doutor. Universidade de Passo Fundo, Brasil.

Enrique Serra Padrós – Professor Doutor. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.


BATISTELLA, Alessandro; PADRÓS, Enrique Serra. Editorial. História – Debates e Tendências, Passo Fundo- RS, v. 19, n. 3, set / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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