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Ditadura militar na Bahia – ZACHARIADHES (EH)

ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro (org.). Ditadura militar na Bahia: Novos olhares, novos objetos, novos horizontes. Salvador: UFBA, 2009. Resenha de: FERREIRA, Jorge. A ditadura militar na Bahia. Estudos Históricos, v.23 n.46 Rio de Janeiro July/Dec. 2010.

Em 1985, a ditadura instaurada no Brasil com o golpe de Estado que depôs o presidente João Goulart chegou ao fim. Trata-se, em termos históricos, de evento bastante próximo. Superando o preconceito de que não poderiam estudar acontecimentos muito recentes, diversos historiadores dedicaram-se a estudar o regime militar imposto em 1964. A ditadura tornou-se objeto de pesquisa dos historiadores brasileiros com resultados muito instigantes.

É nesse contexto que vem a público o livro organizado por Grimaldo Carneiro Zachariadhes, intitulado Ditadura militar na Bahia. Novos olhares, novos objetos, novos horizontes (UFBA, 2009). O livro, resultado de pesquisas originais desenvolvidas por pesquisadores que integram o Núcleo de Estudos sobre o Regime Militar (NERM), aborda diversos temas relativos ao regime militar no estado. Não é difícil perceber, nos vários capítulos da obra, como os historiadores brasileiros, sem abrir mão do rigor metodológico e do trabalho de pesquisa documental, têm apresentado resultados de grande qualidade voltados para o público interessado em conhecer seu próprio passado.

Inicialmente, um problema apresentado à sociedade brasileira e que muitos ainda têm resistências em admitir: o apoio encontrado pela ditadura em diversos segmentos da sociedade brasileira. Ediana Lopes de Santana, por exemplo, abre o livro apontando para o processo de radicalização entre os movimentos que lutavam pelas Reformas de Base durante o governo Jango e os conservadores que resistiam em abrir mão de seus privilégios. Muitos movimentos de mulheres, segundo a autora, surgiram na época, mobilizados contra o governo Goulart. A mais conhecida dessas organizações foi a Campanha da Mulher pela Democracia. Embora defenda que por detrás dessas manifestações femininas estivessem os homens do IPES e do IBAD, especificamente na Bahia isso não ocorreu. No estado, existiam diversas organizações femininas, mas não houve movimentos organizados de mulheres de oposição ao governo Goulart. Foi somente após a consolidação do golpe, em 6 de abril de 1964, que as mulheres baianas de classe média se organizaram e foram às ruas apoiar o novo regime.

Outro setor a apoiar a ditadura foi o protestantismo histórico. Elizete da Silva, em instigante pesquisa, demonstra o apoio de lideranças batistas e presbiterianas ao regime militar. Assustados com o crescimento das esquerdas durante o governo Goulart, os religiosos, com medo do comunismo, apoiaram o golpe e produziram discursos legitimadores do governo autoritário. Alguns, inclusive, colaboraram com as forças de repressão delatando seus próprios irmãos de fé. A proximidade entre os protestantes com a ditadura culminou com a nomeação de um político batista para a prefeitura de Salvador. Por esse motivo que, com razão, muitos qualificam o regime de “ditadura civil-militar”. Afinal, é muito difícil os militares se afirmarem no poder sem o apoio dos civis.

Mas não foram apenas mulheres e religiosos de classe média que legitimaram a ditadura. Segundo pesquisa de Alex de Souza Ivo, sindicalistas também o fizeram. Durante o golpe militar, as unidades da Petrobrás na Bahia, em particular a refinaria de Mataripe, sofreram fortíssima repressão, com prisões e demissões. As lideranças dos sindicatos petroleiros haviam se engajado no movimento pelas reformas de base e tiveram importante atuação no Comando Geral dos Trabalhadores. Os golpistas civis e militares os conheciam, daí a repressão que, rapidamente, desarticulou qualquer resistência. Mas a intervenção do Ministério do Trabalho nos sindicatos dos petroleiros chamou a atenção de dois dirigentes sindicais que haviam sido afastados do Sindipetro/Refino, em janeiro de 1963. Em carta aos diretores da refinaria de Mataripe, eles apresentaram-se como participantes da “Revolução” e atacaram, segundo suas próprias palavras, os colegas integrantes do “comuno-peleguismo”. Eles também formularam sugestões para o regime conseguir o apoio dos operários. Enquanto muitos sindicalistas eram presos e operários perseguidos abandonavam os empregos, alguns procuravam tirar proveito da situação.

Embora tenha sido, desde o início, um regime conhecido pelas práticas repressivas e autoritárias, a ditadura encontrou apoio social. José Alves Dias apresenta os resultados de sua pesquisa sobre a repressão na cidade de Vitória da Conquista, demonstrando que os estudos locais podem oferecer novas e diferentes percepções de um mesmo processo ocorrido nos grandes centros. Antonio Mauricio Freitas Brito, por sua vez, preocupa-se com o movimento estudantil em Salvador no ano de 1968. Tratou-se de um movimento bastante mobilizado. Milhares de estudantes foram às ruas protestar pela falta de vagas nas Universidades. Também realizaram greves de protesto pelo assassinato do estudante Edson Luís no Rio de Janeiro, contra o corte de verbas para o ensino superior e o acordo MEC-USAID. Conflitos com a polícia, passeatas, panfletagens e pichações foram ações muitos comuns. Com o AI-5, diversos estudantes foram obrigados a abandonar a universidade, e a recorrer ao exílio político ou à clandestinidade.

As organizações armadas revolucionárias também fizeram parte das preocupações dos pesquisadores que participam do livro. Sandra Regina Barbosa da Silva Souza realizou importante pesquisa sobre a atuação da Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário e do Movimento Revolucionário Oito de Outubro. Recorrendo aos métodos da História Oral, a autora demonstra a interiorização dessas organizações e sua atuação em diversos municípios da Bahia. A pesquisa questiona as teses que consideram a Bahia como um estado em que não teria havido oposição armada ao regime, sendo Salvador apenas uma “área de recuo”. Cristiane Soares de Santana, também recorrendo à História Oral, preocupou-se especificamente com outra importante organização revolucionária que também atuou na Bahia, a Ação Popular. No texto, conhecemos as vivências e experiências dos revolucionários apistas no estado, particularmente durante o processo conhecido por “inserção na produção”, quando muitos deles trabalharam em fábricas e nas plantações de cacau e mamona.

Ao lado da oposição armada à ditadura, encontramos no livro a atuação de setores moderados. A pesquisa do organizador da coletânea, Grimaldo Zachariadhes, resgata o papel do cardeal Dom Avelar Brandão Vilela na arquidiocese de Salvador. Ele tinha no diálogo sua maior arma. Seja com políticos de esquerda, com militares de direita, com membros do clero conservador ou dos adeptos da Teologia da Libertação, Dom Avelar marcou presença na política da Bahia durante a ditadura. Sua moderação política e sua insistência no diálogo permitiram que ele protegesse religiosos das perseguições militares e intercedesse a favor dos presos políticos. Margarete Pereira da Silva também se preocupa com a atuação da Igreja Católica, mas com os adeptos da Teologia da Libertação na cidade de Juazeiro. Esse setor do clero, insatisfeito com a penetração predatória do capitalismo no campo e a miséria daí resultante, publicou, em 1973, importante documento intitulado Eu ouvi os clamores do meu povo, com contundentes denúncias sobre os baixíssimos índices sociais no Nordeste brasileiro. O texto provocou grande mal-estar nas relações entre Igreja e governo militar. A autora nos leva a conhecer as atividades do clero católico diante da construção da barragem de Sobradinho, particularmente da diocese de Juazeiro e da Comissão Pastoral da Terra na defesa das populações que deveriam ser retirada das áreas alagadas pela barragem. Mesmo sob grande pressão dos militares, o bispo de Juazeiro, Dom José Rodrigues de Souza, não recuou na luta em defesa dos pobres que perderiam o pouco que tinham com o lago que se formaria.

No engajamento político contra a ditadura, outras opções surgiram à luta armada. Maria Victoria Espiñeira revela a participação de muitas pessoas que atuaram na cidade de Salvador em duas frentes contra o regime militar. Uma delas, composta majoritariamente por militantes do Partido Comunista Brasileiro, formou a Ala Jovem do Movimento Democrático Brasileiro, único partido de oposição. A outra atuou no chamado Trabalho Conjunto da Cidade de Salvador, agrupando associações profissionais, políticos, estudantes e representantes de associações de bairros. Muitos eram católicos adeptos da Teologia da Libertação. A Igreja progressista e o PC do B controlavam a direção da organização. A Ala Jovem e o Trabalho Conjunto atuaram diante de grandes adversidades. Os jovens comunistas que atuavam dentro do MDB, por exemplo, participaram de um partido político que, embora formalmente de oposição, era dirigido por “adesistas” à ditadura. Mais tarde, sofreram perseguição dos militares. Ora aliados, ora adversários, a Ala Jovem e o Trabalho Conjunto criaram formas de luta contra o autoritarismo do regime.

Outros três trabalhos igualmente contribuem para compreender os tempos difíceis da ditadura e os personagens que se engajaram na luta contra o poder civil-militar na Bahia. Sílvio César Oliveira Benevides reconstitui a greve de secundaristas no Colégio Estadual da Bahia, conhecido como Central, em 1966 e Izabel de Fátima Cruz Melo apresenta as Jornadas de Cinema na Bahia entre 1972 e 1978. O livro se encerra com o trabalho de Joviniano de Carvalho Neto, analisando o II Congresso da Anistia ocorrido em Salvador em novembro de 1979. Trata-se de trabalho que mostra as diversas propostas de anistia e a que foi implementada pela ditadura. O artigo é instigante, sobretudo quando a “anistia recíproca”, aquela que beneficiou os torturadores, retorna ao debate público. O artigo de Joviniano contribui, sobretudo, para a preservação da memória da luta pela anistia no Brasil durante a ditadura militar.

Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetos e novos horizontes é resultado de esforço coletivo de historiadores interessados no estudo de um período especialmente difícil no Brasil: a ditadura civil-militar. Atualmente, em diversas universidades, o tema da ditadura tem atraído a atenção de muitos historiadores.

São vários os motivos que instigam a curiosidade sobre uma época tão retrógrada na vida política do país. Quero chamar a atenção para dois deles. O primeiro é o interesse do historiador por personagens e atores sociais que atuaram naqueles tempos de autoritarismo. No caso do livro, encontramos sindicalistas e cineastas, estudantes universitárias e secundaristas; bispos progressistas e católicos marxistas; jovens que optaram por pegar em armas e outros que preferiram a luta institucional, todos vivendo em um tempo muito diferente do nosso. Conhecer tais vivências e experiências, saber como homens e mulheres inventaram a participação política em um regime autoritário, é um bom motivo para voltar-se para a época da ditadura militar.

O segundo estímulo provém do fato de que estudar a ditadura é conhecer um período em que não havia as prerrogativas do regime democrático, período em que os direitos civis foram suspensos, os direitos políticos cerceados e as reivindicações por direitos sociais consideradas “subversivas”. Quando estudamos a ditadura, no mesmo movimento, valorizamos a democracia. Ressaltamos a importância dos direitos de cidadania dentro do regime democrático. Mostramos, para as novas gerações, como é ruim viver sem o direito de expressar livremente o pensamento, de ser preso sem processo formado, de ter a casa invadida sem ordem judicial, de não ter o direito de eleger os governantes, de ser vigiado em sala de aula e de correr o risco de morrer devido a bárbaras torturas, para citar algumas situações do passado.

A leitura de Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetos e novos horizontes nos leva a esse salutar e instigante “estranhamento” do nosso tempo com o tempo da ditadura. Os estudos sobre a ditadura militar, inevitavelmente, nos levam a valorizar o regime democrático.

Jorge Ferreira – Professor titular de História do Brasil do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil (jorge-fer@uol.com.br).

Itamar Freitas

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