Compreender os regimes ditatoriais ao longo da história consiste em tarefa complexa e ampla. As ditaduras não seguem uma regra, não possuem em suas bases fundamentos universais, nem apresentam, ou podem ser representadas, por um modelo específico. Todavia, apesar das especificidades pertinentes de cada contexto histórico, as ditaduras expressam uma marca que as interliga: a repressão e, por conseguinte, seus movimentos de oposição. Dito isso, o presente dossiê tem por objetivo compreender os regimes ditatoriais a partir dos seus mais diversos Espaços de Repressão, suscitando, assim, contribuições para aprofundarmo-nos neste debate tão premente para a atualidade.
Foco e escopo da Revista, este dossiê, pois, toma o domínio espacial como princípio norteador das discussões levantadas. Tendo o espaço como campo privilegiado de análise, assume-se uma postura de verificação dos atos de repressão e de resistência ao regime autoritário sob uma ótica não tão comum, desta forma, visando suprir a necessidade de refletir sobre as experiências ditatoriais, tanto para o preenchimento das lacunas acadêmicas sobre o tema e o enfoque espacial, como para que as sociedades possam se apropriar do conhecimento sobre o passado e refutar práticas autoritárias nos dias de hoje.
A pertinência deste dossiê ainda é ressaltada pelo momento político atual no qual vivemos. Em tempos de relativismos e revisionismos históricos, descrença na ciência – sobretudo a ciência histórica – e desprezo à memória, versar sobre a repressão de regimes ditatoriais e suas profundas marcas na sociedade é fundamental. Deste modo, o liame formulado entre as propostas apresentadas pelos autores, nos leva a confrontar às estruturas autoritárias, percebendo como os valores que atribuímos ao passado podem e devem ser operacionalizados em favor das democracias.
Os textos dos pesquisadores e suas mais variadas metodologias, proposições teóricas, fontes e seus suportes contemplam um amplo debate, que aqui visa as especificidades de temas como a vida pública, censura, tortura, o aparato governamental, as resistências e subversões dentre outros tópicos.
A partir destas concepções, o trabalho “Rumores falam em luta armada: Fortaleza, 1968”, do doutor em História Social / Contemporânea II pela Universidade Federal Fluminense – UFF, e professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE), José Aírton de Farias, abre este dossiê. Tendo a cidade de Fortaleza- CE, como espaço de repercussões políticas no ano de 1968, pelas manifestações de agentes estudantis, elabora noções sobre a composição de guerrilha pelos militantes de esquerda, como forma de enfrentamento à ditadura, analisando a inserção de militantes na luta armada, que tão logo foi sufocada pela repressão militar.
Em seguida, realizando uma a análise da obra Situação T / T1, do artista Artur Barrio, apresentada no evento Do Corpo à Terra, em 1970, a autora Tainan Barbosa, mestranda em Estética e Estudos Artísticos, com especialização em Arte e Culturas Políticas, pela Universidade Nova de Lisboa desenvolve o artigo “Um tranca-rua – A guerrilha artística e a Situação T / T1”, com a finalidade de entender de que maneira o campo artístico do período ditatorial brasileiro conjugava a arte de guerrilha, ademais, ressalta o caráter da obra enquanto um ato de resistência, ressaltando esta característica da arte.
No artigo “Militantes e guerrilhas: As mulheres e a ditadura militar no Brasil”, Ana Maria Colling, doutora em História do Brasil pela PUCRS, especialista em história das mulheres e das relações de gênero e professora do PPG em História da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Ary Albuquerque Cavalcanti Junior, doutorando em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e professor de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, campus Coxim, discutem a participação feminina na história da ditadura militar brasileira, tomando como pressuposto a invisibilização das mulheres como sujeitos históricos desse processo, apesar de que lutaram como guerrilheiras, num espaço dominado pelos homens, como foi a Guerrilha do Araguaia.
Também neste dossiê, Selly Laryssa da Fonsêca Lins, mestranda do Programa de Pós-Graduação em História – UFRN, em seu texto “Espaços de repressão: O uso da maternidade e do feminino enquanto instrumentos de tortura no DOPS – SP, OBAN e Presídio Tiradentes (1969 – 1974)”, aponta as práticas de tortura e mortificações, realizadas nos anos da ditadura, especificamente contra mulheres, na Operação Bandeirantes (OBAN), DOPS – SP e no Presídio Tiradentes, que tinham como objetivo exercer formas de controle e sujeição, por meio de fatores sociais e biológicos da condição feminina, citada como exemplo, a maternidade.
Por conseguinte, Renan Nascimento Reis contribui para este dossiê trazendo à tona um debate sobre os tempos de ditadura na Universidade Federal do Pará. Em seu artigo, “A Universidade Federal do pará em tempos de ditadura: Memórias da criação, modernização e resistência (1957-1973)”, o doutorando em História Social da Amazônia, aborda as experiências vivenciadas nos primeiros dezesseis anos da UFPA (1957-1973), de modo que, através da História Oral, o artigo discute como a comunidade acadêmica vivenciou esse momento e, consequentemente, como a visão dos sujeitos históricos relacionada ao período está, diretamente, vinculada à posição de cada ator envolvido, resultando em memórias conflitantes sobre o mesmo contexto histórico.
Pensando na problemática das violações sistemáticas dos direitos humanos, com foco nas ações exercidas contra a classe dos agentes sociais e estudantes de Serviço Social, durante a ditadura militar no Brasil, executa-se a análise de Betânia Maria Ramos da Silva, mestranda em Serviço Social pela PUC-Rio e Inez Stampa, doutora em Serviço Social e professora associada da Universidade já citada, no artigo “O serviço social na luta contra a ditadura militar (1964-1985)”. Além disso, analisam os aspectos da repressão, a participação de profissionais de Serviço Social na luta contra a ditadura e o papel dos movimentos sociais, sejam artísticos, sindicais, estudantis, religiosos e trabalhadores, no combate ao regime.
No artigo, “Similaridades que perpassam o tempo nas representações ditatoriais”, a doutoranda em Literatura pela Universidade de Brasília – UnB, Andressa Estrela Lima, discute a partir das obras Sombras de reis barbudos (1975) de José J. Veiga e K.: Relato de uma busca (2014) de Bernardo Kucinski, os diálogos entre história, ficção e memória no contexto ditatorial brasileiro, a fim de perceber cenas tanto da vida pública como privada, entendidas pela autora como representações simbólicas do real na literatura.
Em sequência, Juliana Cristina Ferreira, doutoranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) traz à tona a discussão acerca das perdas territoriais e da pobreza sofridas pelas personagens rurais, no contexto do Golpe de 1964 no Brasil, através do artigo “Pobreza e perdas territoriais na obra Machombongo, de Euclides da Cunha”. Tomando a fazenda como espacialidade central onde os trabalhadores sofriam com a miséria, a autora visa se aproximar das relações de poder entre o fazendeiro e os agregados para compreender o processo de desterritorialização que os trabalhadores rurais sofriam.
Finalizando o dossiê temático do atual volume, “Dignidad: A colônia alemã a serviço da repressão chilena (1973-1977)”, escrito por Renata dos Santos de Mattos, mestranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), abordará a comunidade alemã Colonia Dignidad, liderada por Paul Schäfer no Chile. A partir da análise de documentos desclassificados dos EUA, a autora explora a Colonia enquanto espaço de repressão utilizado pelo principal órgão do aparato repressivo chilheno, a Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), sob o regime ditatorial de Augusto Pinochet.
Versando sobre a história do Moçambique, Celestino Taperero Fernando, doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), abre a sessão livre desta edição, objetivando em seu artigo “Operação produção: As estratégias de inserir os chamados improdutivos, parasitas e inimigos da revolução no governo de transição em Moçambique entre 1975 a 1992”, se aproximar das intenções do programa operação produção e as ideias do homem novo, relacionadas ao processo político, econômico e administrativo da revolução socialista em Moçambique pós-independência (1975-1992), com o intuito de discutir sobre os impactos da implementação do programa pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
Também compondo este volume o artigo dos autores Beatriz Rodrigues e Abner Neemias da Cruz, doutorandos no Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – campus Franca), versa sobre uma temática premente para novas perspectivas historiográficas: os estudos pós-coloniais. Para tanto, os autores no texto “Perspectivas historiográficas: Minorias e identidades nacionais pelo enfoque dos estudos subalternos e pós-coloniais”, traçam um panorama acerca dos percursos da produção do saber engendrados pelos estudos subalternos e pós-coloniais, enfatizando a historiografia sobre as minorias, bem como discussões acerca de identidades políticas nacionais ou locais. O artigo conta com um debate introdutório sobre os estudos subalternos; análise da produção de autores importantes para a temática; e, por fim, destaca os aspectos teórico-metodológicos dos estudos subalternos e pós-coloniais para a historiografia contemporânea.
Encerrando a sessão livre, temos a problematização da relação entre a tradição crítica revolucionária e o colonialismo, elaborada por Pablo Almada, pós- doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – Universidade Estadual Paulista (UNESP), em seu artigo “Uma transição pós-colonial? Aproximações do discurso do Movimento das Forças Armadas (MFA) de Portugal aos movimentos de libertação colonial”, desenvolve uma leitura da influência dos movimentos de libertação colonial na África no discurso político da Revolução do 25 de Abril (1974). Percebendo no argumento principal um reposicionamento da participação dos agentes na derrocada do colonialismo salazarista, neste artigo, o autor busca compreender como as dinâmicas políticas pós-coloniais estiveram associadas à abertura democrática portuguesa.
Também compõe o presente volume a resenha “Considerações sobre a necropolítica em Achielle Mbembe”, escrita por Maciana de Freitas e Souza, Bacharela em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e pós-graduada em Saúde Pública pela Faculdade Vale do Jaguaribe. Neste ensaio, intitulado como “Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte”, a autora nos mostra como Achille Mbembe, professor de História e Ciência Política na Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo e Duke University nos Estados Unidos, reflete acerca do conceito de “necropolítica”, de modo que o compreende como o poder estatal sobre o direito, ou não, à vida. A resenha versa, portanto, sobre o tema relacionado à violência ligada à estrutura que organiza as relações sociais, reproduzindo-se no cotidiano dos diversos grupos, sobretudo, no cotidiano da população negra. A discussão sobre temas históricos como colonialismo e escravidão também se faz presente para endossar o debate.
Na sessão “Entrevista”, recebemos com grande estima a colaboração do professor doutor Rodrigo Patto Sá Motta. Professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do CNPq, tendo atuado principalmente no campo da História Política, suas pesquisas com maior destaque discutem o golpe de 1964 e o regime militar, focando na repressão política, anticomunismo, política universitária, memória e atuação da esquerda. Nesta entrevista, Rodrigo Patto discorre sobre as complexas relações entre as universidades brasileiras e o regime militar, a ligação entre a imprensa e a ditadura, e ainda avalia o fenômeno atual do antipetismo.
Finalizando este volume da Revista Espacialidades, trazemos fontes catalogadas pelo Programa de Educação Tutorial em História da Universidade Federal do Ceará – UFC. O corpo documental se refere a história da escravidão no Ceará e auxiliam no mapeamento da compra e venda de escravos ao longo do século XIX, entre 1843 a 1879. A ação faz parte do Projeto Fundo Documental e Guia de Fontes para a História da Escravidão no Ceará, tendo sido realizados entre 2007 e 2012, resultando no mapeamento do corpo documental e catalogação destes, no qual resultou em fichas / resumo e sistematização desses documentos. Tendo catalogado 12 livros, oriundos do Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC). Nesse sentido, a Revista Espacialidades apresenta este material e agradece ao Programa de Educação Tutorial, à Kênia Rios, Viviane Nunes e Tayná Moreira, coordenadoras do projeto.
Equipe editorial. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.15, n. 01, 2019. Acessar publicação original [DR]
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