Direitos LGBT: a LGBTfobia estrutural e a diversidade sexual e de gênero no direito brasileiro | Caio Benevides Pedra

Caio Benevides Pedra
Caio Benevides Pedra | Imagem: DIVERSO/UFMG

O livro Direitos LGBT: a LGBTfobia estrutural e a diversidade sexual e de gênero no direito brasileiro (2019) é resultado da dissertação de mestrado em direito, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais, por Caio Benevides Pedra, professor, advogado, ativista em direitos humanos e pesquisador de questões relacionadas à cidadania da população LGBT.

A partir da análise da atuação do Estado e do Direito na garantia de direitos a essa população, o volume objetiva facilitar a compreensão de quatro conceitos introdutórios e fundamentais para os debates atuais sobre gênero e diversidade: identidade de gênero, expressão de gênero, orientação sexual e sexo biológico, pois, diante das divergências que se apresentam na sociedade e no mundo jurídico, a compreensão desses conceitos possibilita uma atuação mais adequada dos operadores do Direito, no Brasil.

Na introdução, Caio Benevides Pedra (2019) destaca que exclusões e discriminações sofridas pela população LGBT em nosso país decorrem de uma LGBTfobia estrutural e que os direitos assegurados a esses grupos ao longo do tempo não se originaram do Legislativo, mas do Executivo e, majoritariamente, do Judiciário, apesar das dificuldades. Considerando essa realidade, o estudioso organiza a discussão em três capítulos além das considerações finais.

No primeiro capítulo – “A LGBTfobia estrutural no Brasil” -, se ocupa em demonstrar a existência da LGBTfobia e, para tanto, chama a atenção para o fato de que padrões sociais separam pessoas em dois grupos: os que são aceitos e os demais. Esses últimos sofrem práticas discriminatórias que lhes negam acesso aos direitos fundamentais positivados na Constituição Federal de 1988. Entre essas práticas estão as violências físicas, verbais, morais e psicológicas que são praticadas por indivíduos, grupos ou instituições, e os discursos de ódio que violam princípios como igualdade, liberdade e dignidade humana da população LGBT. A naturalização dessas discriminações é que lhes dá o caráter estrutural.

No Brasil, as medidas de combate à exclusão social decorrente da LGBTfobia estrutural têm sido muito mais relacionadas à sociedade civil do que ao Estado, o qual vem atuando por meio de medidas paliativas e, tão somente, em resposta aos movimentos sociais, cabendo ao Judiciário ocupar o papel central nas discussões. Nesse sentido, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça decidem sobre temas relevantes que se traduzem em direitos da população LGBT, como adoção homoparental, reconhecimento e equiparação da união estável com o casamento civil, entre outros. Entretanto, para facilitar o entendimento e a formulação de medidas efetivamente inclusivas é preciso mais. É necessário fortalecimento da “igualdade relacional” (PEDRA, 2019, p. 48) e aprimoramento do diálogo entre ideias discriminatórias e cidadania, que, por sua vez, deve ser entendida, também, como o direito de “desenvolver um senso de pertencimento social” (PEDRA, 2019, p. 50).

No segundo capítulo – “Corpo, gênero e direito” – Pedra (2019) diferencia identidade de gênero de orientação sexual. A “orientação sexual diz respeito à forma como as pessoas se relacionam e a identidade de gênero, à forma como elas se enxergam” (PEDRA, 2019, p. 55). Diante disso, observa: “A orientação sexual é decorrente do gênero, não do sexo biológico. Por isso, mulheres trans e travestis que se atraem por homens são heterossexuais, assim como homens trans que se atraem por mulheres” (PEDRA, 2019, p. 55). Porém, a depender dessa atração, podem ser também homo ou bissexuais.

Na sequência, ressalta a importância de conceituar expressão de gênero, por ser ela a primeira informação transmitida pelas identidades sexuais aos outros. Trata-se da “forma como cada pessoa se apresenta para o mundo, e isso é o resultado da combinação de vários aspectos, como suas roupas, seu comportamento, seu corte de cabelo, seu corpo, seu nome, sua voz” (PEDRA, 2019, p. 65).

Apesar da atuação contramajoritária das Cortes do País, o autor demonstra a dificuldade também do direito no tratamento das pautas LGBT que acabaram reproduzindo e legitimando discriminações, como aconteceu na ação penal sofrida pelo cirurgião Roberto Farina, na década de 1970, onde, por ter realizado operação de transgenitalização em uma mulher transexual, foi condenado em primeira instância e absolvido em segunda, haja vista a primeira decisão ter confundido os conceitos de transexualidade e homossexualidade.

Ao final, pontua o conceito de sexo biológico, destacando que a sociedade divide as pessoas em “fêmea/mulher” e “macho/homem”, partindo da análise de suas genitálias no nascimento, enquadrando-as em padrões binários e desconsiderando aquelas pessoas que nascem fora desses padrões. Ao ordenamento jurídico cabe considerar essas singularidades para “proteger o sujeito de direitos em sua autonomia e liberdade” (PEDRA, 2019, p. 114).

O terceiro capítulo – “Sexualidade e direito” – destina-se a analisar em detalhes o conceito de orientação sexual, que indica o gênero a que cada pessoa “direciona o seu interesse sexual, afetivo e psicológico” (PEDRA, 2019, p. 129). Seu uso, sobretudo a partir da década de 1980, e as discussões inerentes ao conceito representaram “uma conquista política na luta pela despatologização da homossexualidade” (PEDRA, 2019, p. 130).

Traçando um paralelo entre avanços e retrocessos decorrentes, ora do preconceito, ora da falta de domínio dos conceitos, o autor analisa, entre outras, as decisões emblemáticas proferidas pelas Cortes Superiores do Brasil, como: a que autorizou a adoção em relações homoparentais, a que reconheceu as uniões estáveis homoafetivas e a que autorizou sua conversão em casamento civil. Ao encerrar a seção, frisa a inércia decorrente do conservadorismo do Poder Legislativo em assegurar direitos à população LGBT.

Nas considerações finais, Pedra reafirma a LGBTfobia estrutural existente e o domínio dos conceitos trabalhados como indispensáveis aos operadores do direito, no combate às injustiças dela decorrentes. Ao passo que vivemos em uma época em que organismos internacionais, como Organização das Nações Unidas e Organização dos Estados Americanos, incentivam países a adotarem medidas contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, ainda assim emergem e proliferam discursos de ódio contra minorias. Exemplo disso vem ocorrendo no Brasil, tendo em vista o momento político atual de fortalecimento da extrema direita, no qual se retoma o conservadorismo pelo discurso de valores morais, de restauração do papel da família e dos costumes tradicionais, fato que torna urgente a operação de mecanismos que combatam o retrocesso. Assim, como propõe o autor já na introdução, o tema vem ao encontro das necessidades atuais do mundo jurídico brasileiro, pois aborda conceitos cujas apreensões de significados são de extrema importância para o operador do direito refinar sua atuação no combate a esse retrocesso. Infelizmente, em questões atinentes ao grupo LGBT, a maioria não consegue, ainda, atuar com a desenvoltura necessária para conferir efetividade à justiça, dado que a formação é calcada em preceitos de um sistema que toma como possíveis apenas a heterossexualidade e a cisgeneridade. Esse fato e o atual discurso de direita fortalecem ainda mais a LGBTfobia estrutural, contribuindo para que se acumulem fatores de opressões que atravessam corpos gays, lésbicos, transgêneros, bissexuais e intersexuais, que devem e precisam ser combatidos pelo direito. Para tanto, é premente a ampliação do conhecimento para além da doutrina acadêmica tradicional, para que o mundo jurídico e seus operadores apreendam as especificidades, nuances, significados e alcances de cada um dos conceitos trazidos na obra. Somente assim será possível assegurar o respeito aos princípios fundamentais e à cidadania, também dos grupos minoritários, configurando-se prestação de tutela jurisdicional efetiva, igualitária e para todos, sem qualquer distinção, como quer a Constituição Federal.

Nesse sentido, o livro é útil para incentivar e iniciar a capacitação de estudantes de direito, advogados, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, magistrados e assessores jurídicos, em geral, interessados, de fato, em assegurar a liberdade, a igualdade e a dignidade dos que representam minorias neste País. Como observa Marcelo Maciel Ramos (2019, p. 13) no prefácio, a obra representa uma excelente introdução para estudantes das Ciências Políticas e Sociais como um todo, bem como a qualquer outro que intente se inteirar de seus direitos. Em suma, embora o próprio autor, face às complexidades que lhes são inerentes, chame a atenção à simplicidade com que os conceitos foram abordados no livro, ele consegue “vencer as barreiras da academia para fazê-los chegar a quem precisa ou se dispõe a aprender” (PEDRA, 2019, p. 183-184). O livro também constitui boa fonte de pesquisa para quem intenta conhecer as decisões judiciais mais importantes que garantiram direitos à população LGBT proferidas entre 2015 e 2018. Outro aspecto relevante é o fato de Pedra ter relacionado a atuação do Judiciário à inércia do Legislativo e não ao mero ativismo judicial, como poderiam querer acusar alguns. Para estimular a reflexão, por ser o autor um ativista em direitos humanos e pesquisador da cidadania LGBT, para além do destaque à indiscutível inércia do Legislativo, da consequente atuação do Poder Judiciário e da chamada para que a existência da estrutura opressora seja reconhecida, penso que seriam bem-vindas sugestões sobre possíveis estratégias de políticas públicas capazes de se contraporem, desestabilizarem e revolucionarem o binarismo de gênero que impera no Brasil, promovendo o respeito à dignidade humana, reconhecendo a diversidade e facilitando a inclusão social. Ideais que se apresentam ainda tão escassos, apesar da organização das minorias e de sua luta diuturna.

Referências

PEDRA, Caio Benevides. Direitos LGBT: a LGBTfobia estrutural e a diversidade sexual e de gênero no direito brasileiro Curitiba: Appris, 2019.

RAMOS, Marcelo Maciel. “Prefácio”. In: PEDRA, Caio Benevides. Direitos LGBT: a LGBTfobia estrutural e a diversidade sexual e de gênero no direito brasileiro Curitiba: Appris, 2019. p. 11-14.


Resenhista

Júlia Maria Milanese Buffara – Doutoranda no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Desenvolvimento Comunitário, da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO. Mestra em Direito pela PUC/PR. Professora do Curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, com tempo integral e dedicação exclusiva. Professora Supervisora do NUMAPE/UEPG. Pesquisadora em processo civil, direitos humanos, gênero, Estado e políticas públicas. E-mail: milanesebuffara@gmail.com


Referências desta Resenha

PEDRA, Caio Benevides. Direitos LGBT: a LGBTfobia estrutural e a diversidade sexual e de gênero no direito brasileiro. Curitiba: Appris, 2019. Resenha de: BUFFARA, Júlia Maria Milanese. Conceitos sobre gênero e diversidade: um desafio para a sociedade e o direito. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, v. 30, n.1, 2022. Acessar publicação original [DR]

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