Dinheiro, Deuses e Poder. 2.500 anos de lendas, mitos, símbolos, fatos e História Política das moedas – SPINOLA (RMA)
SPINOLA, Noenio. Dinheiro, Deuses e Poder. 2.500 anos de lendas, mitos, símbolos, fatos e História Política das moedas. São Paulo: Civilização Brasileira, 2011. Resenha de: CARLAN, Claudio Umpierre. Revista Mundo Antigo, ano III, v. 3, n 05, jul., 2014.
Termo bárbaro, de uma maneira em geral foi utilizado para definir os povos germânicos, eslavos e tártaros-mongóis, que invadiram Mundo Romano, a partir do século III da era Cristã. A tradução tradicional, idealizada por gregos e, mais tarde, romanos, eram povos que não falavam latim ou grego, usavam calças compridas.
Essa construção, do século XIX, contou com apoio do historiador alemão Leopold Von Ranke (1795 – 1886), quando afirmou que a História não nasceu ciência, mas foi transformada em uma disciplina científica. Ranke defendia o uso apenas de fontes escritas, baseadas no rigor científico newtoniano. Arqueologia, cultura material, iconografia não eram consideradas documentos ou fontes históricas.
O jornalista Noenio Dantas Le Spinola, membro da Sociedade Numismática Brasileira, American Numismatic Society e da Sociedade Numismática de Israel, sempre esteve à frente de várias e importantes funções na organização governamental brasileira, tanto em território nacional, quanto no exterior. Como profundo conhecedor e colecionador, dedicou anos de trabalho para elaboração do livro: Dinheiro, Deuses e Poder, utilizando exemplares da sua respeitável coleção, no catálogo adicionado ao livro. Spinola teve a preocupação de indexar resumos dos dados numismáticos em português e inglês, ajudando na divulgação e para fins educacionais.
O autor destaca várias construções simbólicas, incluídas na iconografia monetária. O touro, por exemplo, guardião do eixo da terra no culto de Mitra, divindade solar, é representado nas primeiras cunhagens, segundo historiador grego Heródoto, no ano de 561 a.C, na Lígia. Passando pelo mundo romano, medieval, moderno e contemporâneo, não esquecendo do império português e espanhol, das revoltas coloniais. Na página 341, Noenio Spinola descreve uma passagem do filme Spartacvs, de Stanley Kubrick (1964), no qual senador romano, interpretado por Charles Laughton (1899- 1962), paga ao lanista (treinador, dono da escola dos gladiadores), Sir Peter Ustinov (1921-2004), a quantia de 2 milhões de sestércios, moeda romana que circulou até século III d.C. Batiatus, personagem de Ustinov, teria colocado saco de moedas nas costas e saído. Algum impossível, pois segundo o autor, dois milhões de sestércios pesaria em torno de uma tonelada.
No prefácio do livro, escrito pelo sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fica claro o objetivo da obra; “ As moedas que falam”. Durante muito tempo, a moeda tem sido estudada pelos historiadores sob o prisma de mercadoria, objeto de troca. Procurou-se ligá-la com a História Social, ou seja, com os reflexos que a mutação monetária produzia na sociedade à nível de salários, custo de vida e os consequentes comportamentos coletivos perante estes.
O estudioso da moeda se tem preocupado mais com o corpo econômico e social que ela servia do que com o metal que a produzia e a informava. Estruturalmente este ultrapassava os limites geográficos do poder que a emitia e definia ideologicamente não só um povo, mas também a civilização a qual pertencia.
A nossa sociedade, dificilmente pode ligar a moeda a um meio de comunicação entre povos distantes. Ao possuidor, independente do período histórico, de uma determinada espécie monetária estranha, esta falava-lhe pelo metal nobre ou não em que era cunhada, pelo tipo e pela legenda.
O primeiro informava-o a riqueza de uma civilização e os outros dois elementos diziam-lhes algo sobre a arte, ou seja, o maior ou menor aperfeiçoamento técnico usado no fabrico do numerário circulante, sobre o poder emissor e, sobretudo, sobre a ideologia político-religiosa que lhe dava o corpo. É dentro deste último aspecto que numismática ganhou um novo impulso a partir da década de 1980. Cardoso define como essas amoedações expressam símbolos e formas sociais de relacionamento.
Historiador inglês, Michael Grant, destaca a importância da numismática durante Antiguidade Tardia, momento delicado no Império Romano, no qual governante precisa legitimar seu poder a qualquer preço.
“Estes usurpadores são o paraíso dos numismatas modernos, que floresceram como fontes de informações modernas. Com efeito, logo que um homem se declarava imperador, lançava de imediato o dinheiro necessário para garantir a lealdade dos seus soldados – dinheiro esse que servia ao mesmo tempo o propósito de difundir por toda a parte o seu nome e a sua imagem. Chegaram até nós e podem ser hoje apreciados exemplares destas moedas, que vão desde dezenas de milhares, em alguns casos, até um único exemplar, noutros.” (GRANT: 2009, 41).
Noenio Spinola não fica preso à crítica, sim analisa de forma imparcial os pontos positivos e negativos das cunhagens monetárias tanto na economia, quanto na política.
Além de se tratar de um livro original, de alta qualidade acadêmica, também configura uma decidida visão da numismática, sua influência na cultura e sociedade ocidental, participação decisiva na configuração do Mediterrâneo atual.
Assim sendo, mundo mediterrâneo encontrou uma linguagem comum, rica e aberta para uma rica variedade de debates, questões e problemas.
Como definiu Duby: “…Quando pensamos em Veneza, Istambul, Alexandria, Roma ou em Atenas, quer estejamos em Cleveland ou em Estocolmo, em Cracóvia ou em Kiev, o desejo que nos assalta é, sem dúvida, o de nos evadirmos, de partirmos em direção às praias cheias de sol de um mar feliz. Talvez seja nosso desejo, consciente ou inconsciente, de por momentos voltarmos a essa origem…como sabemos desde a infância, semideuses levavam um existência menos baça e menos grosseira…Quando sonhamos com a realização humana…nosso olhar volta-se para o Mediterrâneo.” (DUBY: 1987, 139).
Tanto o estudo, quanto a publicação sobre numismática, são pouco comuns no meio acadêmico e no mercado editorial brasileiro. O uso de material numismático, como documentação básica para uma pesquisa na área de História, é raríssimo, principalmente aqui no Brasil, onde uma parcela de historiadores opta por trabalhar com fontes escritas, de preferência aquelas que estejam já impressas em papel e guardadas em arquivos e bibliotecas. As moedas, entretanto, podem fornecer dados históricos importantes, como documentos, cujas informações são apresentadas, em sua maior parte, na forma de imagens. Pode realizar-se, assim, uma análise dos aspectos políticos e ideológicos iluminados pelas moedas tomadas como documentos, mediante a aplicação de uma série de métodos para identificação e decodificação das imagens contidas nos tesouros numismáticos, brasileiros ou não (CARLAN. FUNARI: 2012, 29).
Portanto, trata-se de uma leitura obrigatória para todos que buscam interpretações bem ancoradas nas documentações originais, escritas, arqueológicas, nos recentes debates acerca do campo da História, Cultura Material e Economia.
Referências
CARLAN, Cláudio Umpierre. FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Moedas: a numismática e o estudo da História. São Paulo: Annablume, 2012.
DUBY, Georges. A Herança. IN: BRAUDEL, Fernand (direção). O Mediterrâneo, os homens e a herança. Tradução de Teresa Meneses. Lisboa: Teorema, 1987.
GRANT, Michael. Roma: a queda do Império. Tradução de Maria José Figueiredo. 1ª edição. Lisboa: Editorial Presença, 2009.
Claudio Umpierre Carlan – Professor Adj. de História Antiga e do PPGHI / UNIFAL-MG.
[MLPDB]