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Digital humanities in Latin America | H. F. L’Hoeste, J. C. Rodríguez

Editado pela University of Florida Press e organizado por Héctor Fernández L’Hoeste e Juan Carlos Rodríguez, respectivamente, professores da Georgia State University e Georgia Institute of Technology, em Atlanta, nos Estados Unidos (EE.UU), Digital humanities in Latin America é uma coleção de ensaios produzidos com suporte no simpósio Latin/o American Media Studies in the Age of Digital Humanities, realizado em março de 2015 pelas instituições supracitadas. O livro traz críticas contingenciais correntes das humanidades digitais que atestam a produção de conhecimento como um processo neutro, enfatizando, em seus 15 capítulos, que o sujeito é moldado por forças políticas, econômicas e culturais, tese similar às compreensões latinas sobre “mediação” (mediation). Além de organizarem o livro, Héctor Fernández L’Hoeste e Juan Carlos Rodríguez assinam um capítulo cada um, além de participarem da última seção do livro como entrevistadores de Gimena del Río Riande, Ana Lígia Silva Medeiros e Isabel Galina Russell.

O título secundário da obra, Reframing media, technology, and culture in Latin/o America, semelha maior simetria com o conteúdo da obra, visto que prioriza temáticas audiovisual, musical e de desenho gráfico no cerne dos estudos culturalistas. Ilustra o debate de humanidades digitais (HD), apontando amplitude de corpora analítica: filme, televisão, digital, rádio, música, performance ao vivo, dança, quadrinho (banda desenhada), fotografia e publicidade. Não menciona as dicções midiatização (mediatization) ou “dadificação” (datafication), levando a crer em uma dicotomia de interesses acadêmicos em correntes francófonas e germanófonas versus interesses editoriais ianques sobre a temática que o volume tenciona debater.

Em seu resumo, a publicação salienta como as práticas culturais reformulam e reconfiguram os discursos sociais, econômicos e políticos, nos planos local, nacional e global. A digitalização em Cuba é intensivamente debatida, em contraposição às políticas nacionais de regulamentação e acesso à internet. Comunidades afro-latinas e os países México, Argentina e Brasil também constituem destaques por parte dos pesquisadores colaboradores. O livro não adentra, todavia, discussões metodológicas sobre humanidades digitais, por mais que as aborde singelamente na última seção de entrevistas com especialistas. Com exceção das pesquisadoras latinas Ana Lígia Silva Medeiros (Brasil), Isabel Galina Russell (México), Gimena del Río Riande (Argentina) e do escritor e artista Orlando Luis Pardo Lazo (Cuba), os nove colaboradores da obra são professores universitários de academias dos EE.UU: Paul Alonso, Morgan Ames, Eduard Arriaga, Anita Say Chan, Ricardo Domínguez, Jennifer Lozano, Angharad N. Valdivia, Anastasia Valecce e Cristina Venegas.

A introdução tecida pelos organizadores, pertinentemente, justifica os campos empíricos e teóricos das HD. Faz ver a acuidade das redes de pesquisa interdisciplinares como promotoras de novas sendas de pensamento, sutilmente, aludindo a uma seara de ideologia de resistência latinx. Aponta o pensamento “decolonial,” mesmo não citando a dicção, em catedráticos das ciências da comunicação, como Jesús Martín-Barbero (1937-2021). Esforça-se para definir as complexidades dos sentidos de HD, no entanto, prioriza a criticidade de amplas correntes da comunicação (especialmente pela ótica da cibercultura), estudos da mídia, estudos da linguagem, informática, artes e biblioteconomia. “Antes de se comprometer com uma agenda de humanidades digitais, notamos a necessidade da definição de múltiplas estruturas críticas que permitem a compreensão do digital em toda a sua complexidade e em seus contextos específicos” (L’Hoeste; Rodríguez, 2020, p. 18; tradução nossa).

A seção primeira, intitulada “Nações digitais”, é dividida em quatro capítulos e destina atenção a debates teóricos e entrevistas sobre a digitalização em Cuba e no Chile, consumo digital infantil no Paraguai e aspectos retrocitados sobre neoliberalismo e (des)identidades nacionais. O capítulo primeiro, escrito por Cristina Venegas, autora de Digital dilemmas (Rutgers, 2010), demarca as saliências que a obra atém para temáticas da arquivologia e historiografia, enfatizando que o digital expande, repetidamente, não só a quantidade de informação que chega aos nossos computadores, mas também o “potencial de preservação, circulação, documentação, e a expansão de noções anteriores de arquivos” (Venegas, 2020, p. 23). O primeiro, segundo e quarto capítulos da seção mencionada não fornecem tangenciais para análise de corpora de humanidades digitais, do modo como o terceiro procede no quesito coleta de dados – profícuo às temáticas a que essa revista se destina. A digitalização de Cuba e Paraguai – em dois segmentos – são escritos por Cristina Venegas, Anastasia Valecce e Morgan Ames.

O capítulo terceiro da primeira seção é escrito por Héctor Fernández L’Hoeste, que, no lugar de exibir detalhes sobre cálculos automatizados, o que é comum no imaginário quantitativista de HD, malsina campanhas da gestão de marca dos Estados nações, feita por monopólios internacionais de agências de publicidade, dirigindo um tom crucial aos estudos de HD. Explica, brevemente, técnicas de mineração de dados e critica as políticas neoliberais do general e ex-presidente chileno Augusto Pinochet (1915-2006), reproduções, segundo ele, das frentes da direita liberal dos “Garotos de Chicago”, permutadas em retratos de “políticas tecnológicas” nacionais. Adverte para o fato de que a internalização do mindset de Estado neoliberal por uma nova racionalização política, apoiada na ideologia de materialização em argumentos estatísticos, encontrou respaldo nas mecânicas dos agentes do mercado e da academia, a exemplo das intervenções de cientistas das atuariais, economistas, estatísticos, tecnicistas e gestores de negócios. Defende o argumento de lançar luz sobre o conduto da identidade latina em face da promoção de novos enfoques do nacionalismo e das apropriações de tecnologias nessas regiões, débeis em vários aspectos.

L’Hoeste apoia seus argumentos no entendimento de identidade nacional ante a implementação neoliberal em três dimensões: i) redefinição pelo Estado de Bem-Estar Social; ii) papel do Estado; e iii) atribuições dos especialistas e técnicos. Ratifica a bancarrota dos estudos de identidades nacionais por antropólogos, artistas, linguistas, sociólogos, entre outros especialistas, criticando a gestão de marcas dos Estados nações, legado saxão da gestão Margaret Thatcher (1925-2013). Denuncia as campanhas de nation-brading, desenvolvidas por gestores políticos e marqueteiros com os mesmos tons que em uma campanha de marketing, incluindo seus estádios de planejamento, execução e mensuração de ações de um suposto branding nacional. Mesmo que nenhum país na América Latina tenha sido citado no Country Brand Index – criado pela McCann-Erickson por meio da sua empresa de branding, o estúdio internacional Future Brand –, Fernández L’Hoeste faz crer nos esforços gestionados, para uma comparência digital em redes sociais, por países como o Peru e agências de promoção ao turismo na Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, México, Panamá, Uruguai e Porto Rico. Oferece comparativos de curtidas, por país, aferidos nos veículos de mídia como Facebook e Twitter por meio de técnicas de mineração de dados.

A segunda seção compila quatro capítulos que versam sobre a temática “Redes transacionais”. Eduard Arriaga, no capítulo sete, associa, em um debate teórico, HD e redes afro-latinas, mostrando casos dos projetos Afrolatin@ Project e AfroCROWD. Expressa que o digital é visto como um espaço de que os grupos e comunidades de minorias devem se apropriar para rezingar direitos e suas representações simbólicas históricas. Redes de resistência e temáticas sobre a apropriação tecnológica para cidadania digital e resistência são reclamadas na mencionada seção. Práticas e estéticas digitais, in alia manusão tematizadas na seção terceira, composta por quatro capítulos, que mostram entrevistas qualitativas e estudos de caso, bem como o estado d’arte de HD, sobre: instrumentos pedagógicos digitais em Cuba, carnaval e humor, conceitos de blogosfera e questões de segurança digital depois dos atentados às torres gêmeas, pela Al Q’Aeda, em 11 de setembro de 2001, nos EE.UU.

A mais singela colaboração da obra para os estudos de arquivologia e historiografia está contida no capítulo nono, em que se explica, no caso das imagens de banco de dados de agentes revolucionários de Cuba, como as conquistas das campanhas de alfabetização de 1961 podem servir aos estudos de humanidades digitais em perspectivas históricas.

O leitor notará o modo como a história nacional materializa a corporeidade dos legados culturais à “virtualidade” dos arquivos digitais. Na seção de entrevistas, Ana Lígia Silva Medeiros, pesquisadora brasileira, Héctor Fernández L’Hoeste e Juan Carlos Rodríguez tematizam essa matéria.

A quarta e última seção compila entrevistas com especialistas na Argentina, México e Brasil. O capítulo 14 demonstra um enfoque no Brasil pela entrevista com Ana Lígia Silva Medeiros, que reserva espaço para versar detalhadamente sobre os trabalhos em HD de Ricardo Medeiros Pimenta, Aquiles Ratti Alencar Brayner, Jair Martins de Miranda, José Eduardo Santarém Segundo, Luís Antônio Coelho Ferla e Claudio José Ribeiro. O livro carece de apoio em técnicas metodológicas em HD, mas abre searas sobre laminações de resistência e direitos sobre cidadania digital e de dados, especialmente no que tange a novos métodos de arquivologia em face do paradigma da midiatização, como o recente uso de diários de mídia (Cavalcante, 2020).


Referências

CAVALCANTE, F. L. N. Diário de mídia: retrato, autorretrato e status. Texto digital, v. 16, n. 2, p. 240-272, 2020.

L’HOESTE, H. F.; RODRÍGUEZ, J. C. Digital humanities in Latin America. [s.l.] University Press of Florida, 2020.

VENEGAS, C. Tech disruption as knowledge production: Cuba and the digital humanities. In: RODRÍGUEZ, J. C. e FERNÁNDEZ L’HOESTE, H. D. (ed.). Digital humanities in Latin America. Gainesville: University of Florida Press, 2020.


Resenhista

Fernando Nobre Cavalcante – Doutor em Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pesquisador colaborador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil. E-mail: fnobre@unicamp.br


Referências desta Resenha

L’HOESTE, H. F.; RODRÍGUEZ, J. C. (Orgs.). Digital humanities in Latin America. [s.l.] University Press of Florida, 2020. Resenha de: CAVALCANTE, Fernando Nobre. Humanidades digitais na América Latina. Acervo. Rio de Janeiro, v. 35, n. 1, p. 1-5, jan./abr. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

Itamar Freitas

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