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Diferentes olhares sobre a mudança linguística | LaborHistórico | 2019

É com grande honra que apresentamos, dentro do primeiro número do volume 5 da Revista LaborHistórico, o dossiê intitulado Diferentes olhares sobre a mudança linguística, tema de grande abrangência e que perpassa, de modo mais ou menos direto, o interesse de todos os que se aventuram a ter a língua como objeto de estudo. Os leitores encontrarão, ao longo dos trabalhos, subsídios importantes para enriquecer suas reflexões acerca da mudança linguística, deparando-se com o tratamento do tópico a partir de pressupostos teóricos distintos e verificando sua aplicabilidade na análise de fenômenos da língua portuguesa.

Um fato empírico conhecido a respeito de todas as línguas naturais é o de que elas mudam ao longo do tempo. Entender por que mudam e como essa mudança se dá reside na essência dos interesses de investigação de linguistas históricos, que assumem a árdua tarefa de descrever fenômenos e propor teorias de mudança, a partir de dados de diferentes línguas do mundo.

Para Campbell (1999, p. 4), “Linguística Histórica é às vezes chamada linguística diacrônica (do grego dia– “através” + chronos “tempo”), uma vez que linguistas históricos estão preocupados com as mudanças na língua ou línguas ao longo do tempo.”1 O autor recupera, assim, a dicotomia entre linguística diacrônica e sincrônica, a qual, por sua vez, lida com a língua em um dado período de tempo. Na esteira desses estudos, os artigos do presente dossiê debruçam-se sobre o fenômeno linguístico de uma perspectiva prioritariamente diacrônica e, para tal, lançam mão de diferentes aportes teórico-metodológicos. E essa parece ser mesmo uma característica do presente dossiê: a combinação de artigos de bases epistemológicas distintas contribuindo para as reflexões atuais acerca da mudança linguística.

De fato, o estudo da mudança linguística é um terreno fértil para qualquer pesquisador conhecer a própria natureza da linguagem humana, uma vez que subjazem à mudança fatores de ordem cultural, psicossocial e cognitiva e na medida em que a investigação tem reflexo na própria aquisição da linguagem. Ainda falando de mudança, ressalta-se que essa pode afetar as línguas em seus diferentes níveis – fonológico, morfológico, sintático e léxico-semântico – e pode ocorrer de forma abrupta ou gradual. Nesse sentido, os artigos do presente dossiê oferecem uma importante contribuição para o campo da linguística histórica, uma vez que conjugam fatores de diferentes naturezas para construir sua argumentação em torno dos fenômenos de mudança.

Para Mattos e Silva (2008) 2, a Linguística Histórica trata de interpretar mudanças ao longo do tempo histórico em que uma língua ou família de língua é utilizada por um dado grupo de falantes. A autora estabelece uma diferença entre a linguística histórica sócio-histórica – quando há a combinação de fatores extralinguísticos e intralinguísticos, caso, por exemplo, da teoria laboviana de variação e mudança – e a linguística diacrônica associal – a qual, por sua vez, considera apenas fatores intralinguísticos, caso dos estruturalismos diacrônicos e do gerativismo diacrônico, por exemplo.

O modelo da construcionalização e mudanças construcionais, presente em alguns dos artigos do dossiê, considera, primordialmente, fatores intralinguísticos em suas análises, no sentido de que a sua linha de investigação principal se dá na mudança que sequências sintagmáticas sofrem até que se forme uma nova construção. Entretanto, por ser uma teoria baseada no uso e que toma a variação e a competição das formas linguísticas como fatos que impactam diretamente o sistema da língua, dados extralinguísticos são naturalmente acomodáveis como fatores de análise.

O dossiê temático apresenta um grupo de oito artigos, cada qual apresentando o estudo de um fenômeno de mudança na língua portuguesa, e traz contribuições de pesquisadores de diferentes universidades, dentre as quais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da Universidade Federal do Goiás, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Federal da Bahia. Há ainda neste número da LaborHistórico mais dois artigos na seção Varia e três trabalhos sobre Fontes primárias.

No artigo que abre o dossiê, intitulado A mudança linguística sob a ótica da Linguística Funcional, Maria Angélica Furtado da Cunha e José Romerito Silva apresentam um breve histórico da mudança linguística no âmbito da teoria funcionalista de análise linguística, perpassando diferentes momentos como o viés clássico da mudança, com os estudos de gramaticalização, a expansão deste com a proposta da gramaticalização de construções e, por fim, o modelo da construcionalização e das mudanças construcionais, que representa mais fortemente o que atualmente se tem feito em termos de mudança linguística conjugada aos pressupostos funcionalistas.

Em seguida, encontra-se o artigo de Deise Cristina de Moraes Pinto e Ester Moraes Gonçalves, Um olhar sobre as construções adverbiais qualitativas e modalizadoras nos séculos XIX e XX, que objetiva descrever o comportamento de construções adverbiais qualitativas e modalizadoras do tipo Prep+SN, considerando, para tal, fatores formais e de cunho semântico-pragmático que o influenciam. As autoras pretendem, também, observar o comportamento dessas construções a partir da comparação de seus usos nos séculos XIX e XX.

O terceiro artigo do presente dossiê, de autoria de Monique Petin Kale dos Santos e Thiago dos Santos Silva, intitula-se Conectores advindos da construção [XQUE]conect no português: uma visão construcional de mudança. Neste texto, os autores analisam as microconstruções ainda que, mesmo que, assim que, uma vez que e já que entre os séculos XIII e XVIII, procurando demonstrar como a rede construcional desse grupo de construções sofre mudança ao longo do tempo, a partir das reformulações por que passa o sistema da língua.

O quarto artigo, de Vânia Cristina Casseb-Galvão e Michele Denise da Silva, com o título Um belo dia resolvi mudar: uma análise dos usos da microconstrução um belo dia no português brasileiro, sob o aporte teórico da Linguística Funcional Centrada no Uso, defende que a sequência sintagmática um belo dia se configura como uma microconstrução do português brasileiro. Ainda, propõe que essa microconstrução vem passando por um processo de mudança que vai de usos que expressam um conceito mais concreto relativo à organização da sentença a um mais abstrato, que atua no nível textual.

O quinto artigo, O hibridismo de ser e a distinção ser/estar em português do séc. XIII, de Maria Ribeiro, tem como objetivo principal estabelecer uma relação entreo hibridismo de ser e a sobreposição parcial de sentidos associados aos verbos ser e estar, na história da língua portuguesa. Neste texto, a autora defende a hipótese de que, dado o fato de que o paradigma do verbo ser advém da fusão dos verbos latinos sedere (estar sentado) e esse (ser), as formas derivadas de sedere estariam mais associadas a propriedades transitórias e as formas derivadas de esse estariam mais associadas a propriedades permanentes, em função da persistência dos sentidos dos verbos latinos originais.

No sexto texto do dossiê, Um monte de mudanças nessa construção: sintaxe e semântica do quantificador um monte de no português, Karen Sampaio Braga Alonso e Nuciene Caroline Amphilophio Fumaux descrevem o processo de mudança que levou a sequência sintagmática um monte de seguido de um SN a se construcionalizar no português como uma construção quantificadora. O artigo apresenta, portanto, o processo gradual de mudança que a estrutura sofreu, ao longo dos séculos, até se tornar um novo nó na rede linguística.

O penúltimo artigo do presente dossiê, de Silvia Regina de Oliveira Cavalcante, Diana Silva Thomaz e Leandro Candido Rocha, intitula-se A implementação da próclise na escrita de missivas brasileiros nascidos entre os séculos XIX e XX. No texto, os autores apresentam um estudo da ordem dos clíticos em cartas pessoais trocadas entre membros das famílias Pedreira Ferraz e missivas de diferentes regiões do Brasil, assumindo como objetivo de análise a implementação da próclise na escrita de brasileiros em formas verbais simples ao longo do tempo, bem como testar a hipótese da competição de gramáticas no contexto de próclise com XV.

Finalizando o dossiê, encontra-se o artigo Mudança linguística e gramática gerativa: uma perspectiva de aquisição da linguagem, de Eloísa Maiane Barbosa Lopes e Danniel da Silva Carvalho, que traz o fenômeno da mudança sob o viés formalista, demostrando que a mudança linguística pode ser explicada, à luz da Gramática Gerativa, a partir do processo de aquisição da linguagem. Para tanto, os autores apresentam um panorama geral do tratamento da mudança, levando em conta as noções de input, experiência, parâmetros e Gramática Universal.

Além do dossiê temático, este número da revista LaborHistórico também traz dois textos em sua seção Varia. No texto Toponímia galega e brasileira. Similitudes e diferenças históricas à luz do conflito linguístico, Guillermo Vidal Fonseca analisa, através de documentos distintos, aspectos da toponímia da Galiza e do Brasil, com foco nas semelhanças e diferenças sociolinguísticas provocadas por situações de conflito linguístico. Em Os pronomes clíticos nos testemunhos da “Crónica do Xarife Mulei Mahamet e del-Rey D. Sebastião” – Um estudo comparativo, Elena Lombardo apresenta os resultados de um estudo comparativo da colocação dos pronomes clíticos presentes nos testemunhos de uma crónica quinhentista sobre D. Sebastião – a Crónica do Xarife Mulei Mahamet e del-Rey D. Sebastião – com vista a compreender melhor as vicissitudes da sua transmissão manuscrita.

Na seção Fontes primárias, são reunidos três trabalhos de edição e popularização de documentos manuscritos. Kathlin Carla Morais nos apresenta a edição de dois fólios das Atas de Jundiaí de 1663 a 1669, documento depositado no Centro de Memória de Jundiaí. Por meio de um trabalho em coautoria, Christiane Benones Oliveira e Soélis Teixeira do Prado Mendes apresentam a edição diplomática dos doze fólios do Testamento do Rei Dom Pedro II (1704). Segundo as autoras, esse documento faz parte do rico e extenso acervo da Torre do Tombo e está disponível para consulta online. Por fim, tem-se o texto de Marcus Vinícius Pereira das Dores. Em seu trabalho, o filólogo disponibiliza a edição da Relação dos trastes de prata e ornamentos da extinta capela de Santo Antônio (1856), documento anexo ao Livro de Inventários da Catedral de Mariana (1749-1904), o qual é reconhecido como Memória do Mundo pela UNESCO. Todos esses três trabalhos correspondem ao labor que esses pesquisadores tiveram com as fontes documentais ora mencionadas. Não haveria oportunidade melhor para lançar essa nova seção da Revista LaborHistórico que um número temático sobre mudança linguística. As documentações aqui apresentadas dão testemunhos dos registros de língua dos séculos XVII, XVIII e XIX, respectivamente, e permitem que sejam estudados fenômenos línguísticos, em diferentes níveis, desses períodos passados.

Notas

1 CAMPBELL, Lyle. Historical Linguistics – an Introduction. Cambridge, Massachussets: The MIT Press, 1998.

2 MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Caminhos da Linguística Histórica – ‘ouvir o inaudível’. São Paulo: Parábola Editorial, 2008


Organizadores

Karen Sampaio Braga Alonso – UFRJ.

Priscilla Mouta Marques – UFRJ.


Referências desta apresentação

ALONSO, Karen Sampaio Braga; MARQUES, Priscilla Mouta. Apresentação. LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.5, n.1, p. 10-14, jan./jun. 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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