GEN. Dicionário Nietzsche. São Paulo: Edições Loyola, 2016. Resenha de: GRAGNOLINI, Mônica. Cadernos Nietzsche, São Paulo, v.38 n.3 set./dez. 2017.
Celebramos o aparecimento do primeiro dicionário sul-americano da obra de Nietzsche. A particularidade desse dicionário é que remete principalmente às interpretações sobre Nietzsche que tem sido feitas no Brasil, e mais especificamente no âmbito do Grupo de Estudos Nietzsche, criado e dirigido por Scarlett Marton. Com isso, o dicionário é também, ao mesmo tempo, um registro dos modos como tem sido recepcionado Nietzsche em uma parte do âmbito acadêmico brasileiro.
É necessário indicar que no Brasil pululam os nietzschianos, há diferentes grupos de pesquisa e interpretação em distintas universidades, com perspectivas diversas e às vezes antagônicas. A interpretação de Nietzsche, no país irmão, é apaixonante também para estudar o perspectivismo nietzschiano nas formas pelas quais sua obra tem sido recepcionada, o que dá conta do caráter plural de sua filosofia nos modos como é recepcionada. Há muitos “Nietzsches” no Brasil: aqui nos encontramos, nesse dicionário, com um Nietzsche que surge a partir do trabalho de pesquisa iniciado por Scarlett Marton, uma das reconhecidas referências internacionais da obra do pensador, membro do Groupe International de Recherches sur Nietzsche (GIRN). Em 1996 Marton funda “oficialmente” o GEN, e a revista Cadernos Nietzsche. Quem escreve nesse Dicionário as diferentes entradas são seus discípulos e pesquisadores, e, como assinalei antes, as vozes remetem às interpretações nascidas no seio desse grupo de trabalho, que edita sua primeira obra coletiva, afirmando desde o início que um grupo é mais que uma soma de individualidades.
Qual é a peculiaridade do GEN no âmbito dos estudos nietzschianos no Brasil? A introdução ao dicionário se encarrega de indicar o rigor investigativo do grupo: criado em 1989, e oficializado em 1996, o grupo dedicou-se desde o início à leitura das obras de Nietzsche de maneira sistemática e rigorosa. Como se aponta na introdução, Scarlett Marton iniciou o grupo no final dos anos 80, realizando uma série de seminários sobre Assim falava Zaratustra, que se estenderam por cinco anos, dedicados cada um deles, de maneira minuciosa, às partes da obra (incluindo o Prólogo). A partir daquele momento, o grupo começou a trabalhar a obra de Nietzsche com seriedade metodológica, em um Brasil em que, como em outras partes do mundo, Nietzsche não era bem recebido na academia. Era necessário, portanto, criar o “objeto de conhecimento Nietzsche” (p. 19), e estudá-lo de maneira rigorosa, para diferenciar o trabalho de investigação de outras aproximações à sua obra, e “romper com o diletantismo que caracteriza muitas interpretações de Nietzsche” (p. 19). Além disso, o GEN organiza semestralmente os Encontros Nietzsche, nos quais se discutem os trabalhos do grupo.
Os vocábulos estão indicados no original em alemão, e, além disso, estabelecem uma série de reenvios e correlações de um artigo a outro. As entradas são 156, e há 13 outras para a apresentação das obras de Nietzsche. Como se assinala na introdução, existem no Brasil muitas traduções diferentes da obra (não se realizou, como recentemente na Espanha, uma tradução completa da Kritische Studienausgabe), por isso o GEN pretende também oferecer um canon preciso para a tradução dos conceitos. Cada entrada implica uma abordagem genética e conceitual do termo na obra nietzschiana, e uma referência aos diversos modos como o termo é utilizado na obra de Nietzsche. O Dicionário se inicia com algumas páginas dedicadas à vida de Nietzsche, escritas por Scarlett Marton, e na sequência se apresentam as treze entradas dos livros. Marton destaca que Nietzsche não queria ser confundido, e assinala de que maneira diferentes ideologias se apropriaram de seu pensamento (do socialismo ao antissemitismo), fazendo recortes arbitrários de sua obra. Com relação às entradas das obras, assim como ocorre com os conceitos, são escritas por diferentes membros do GEN, e o característico dessas entradas é que a bibliografia indicada só remete às obras do autor do vocábulo, e a outros membros do GEN. Isso responde a essa ideia de rigor antes enunciada, e por isso só especialistas de um tema escrevem sobre esse tema, e remetem ao âmbito de discussão coletiva do GEN.
Como é a estrutura de cada entrada? Por exemplo, Scarlett Marton escreve a entrada “Vontade de potência” [Wille zur Macht] e assinala a primeira aparição do conceito em Assim falava Zaratustra, e a identificação do termo com a ideia de vida nesse momento. Nesse sentido, se vincula com “vontade orgânica”, e é própria de todo ser vivo. Marton assinala sua forma de proceder a partir da resistência a obstáculos, e indica como a Nietzsche interessava, no contexto das ideias científicas da época, tratar de descrever a passagem do inerte ao vital. Assinala, também, como logo após Assim falava Zaratustra começa a elaborar sua teoria das forças, e o conceito se amplia em relação a tudo o que existe, e não apenas ao orgânico. Analisa também como deve ser entendido na expressão o termo “Wille” e como deve compreender-se “Macht”. Assim, interpreta o conceito como tendência de toda força a efetivar-se, criando novas configurações. Indicam-se os textos de Nietzsche nos quais se pode encontrar referências ao tema, direcionando o leitor a outros vocábulos da obra, como “substância”, “hierarquia”, “força” etc., fazendo uma indicação bibliográfica apenas dos textos da própria Marton. Ou seja, as entradas são delimitadas, específicas, e contextualizadoras, e evitam a dispersão em uma bibliografia secundária volumosa, preferindo a especificidade no trabalho com os conceitos.
André Luis Mota Itaparica, Clademir Araldi, Eder Corbanezi, Eduardo Nasser, Emmanuel Salanskis, Fernando de Moraes Barros, Ivo Da Silva Jr., João Evangelista Tude de Melo Neto, Luís Rubira, Márcio José Silveira Lima, Scarlett Marton, Vania Dutra de Azeredo e Wilson Frezzatti Jr. são os autores das entradas do dicionário. Todos são do Brasil, com exceção de Emmanuel Salanskis, da França. O Dicionário Nietzsche pretende dar conta do trabalho de muitos anos do GEN, e do trabalho pioneiro e formador de sua criadora, Scarlett Marton. De alguma maneira, seus discípulos rendem homenagem a sua mestra, tornando patente o trabalho rigoroso de muitos anos em torno da obra de Nietzsche, bem como as impressões da maneira pela qual Scarlett Marton ensinou a ler Nietzsche a distintas gerações de estudantes, tanto no Brasil, como fora do Brasil.
*Resenha [também] publicada na Revista Instantes y Azares, Año XVI, Nros. 17-18, Otoño-Primavera de 2016, Buenos Aires, Argentina, pp. 288-290. Tradução de Márcio José Silveira Lima
Mónica B. Cragnolini – Professora da Universidade de Buenos Aires, Argentina. Correio eletrônico: mcragnolini@gmail.com.
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