Dialogismo: teoria e(m) prática – BRAIT; MAGALHÃES (A-RL)

BRAIT, B .; MAGALHÃES, A. S. (org.). Dialogismo: teoria e (m) prática. São Paulo: Terracota, 2014. Série ADD, 322p. Resenha de: MARCHEZAN, Renata Coelho. Dialogismo em dezessete capítulos. Alfa – Revista de Linguística, São José Rio Preto, v.60 n.3, São Paulo set./ dez. 2016.

[…] De acordo com Bakhtin, […] o diálogo pode ser entendido como um modo que denota como a linguagem funciona, bem como um ponto de vista que estabelece um objeto de estudo. (BRAIT; MAGALHÃES, 2014).

Dialogismo: teoria e (in) prática, organizada por Beth Brait e Anderson Salvaterra Magalhães 1 , apresenta trabalhos de pesquisa sobre discurso, no marco bakhtiniano. Em seu prefácio, Carlos Alberto Faraco destaca sua importância e escreve sobre a contribuição de Beth Brait para a discussão das idéias do Círculo Bakhtin em vários momentos no Brasil. Além disso, ele aponta suas pesquisas mais recentes sobre o enunciado verbo-visual dentro de uma perspectiva dialógica 2 . Anderson Salvaterra Magalhães, orientado por Brait em seu doutorado, tem uma reputação reconhecida na mesma linha de pensamento.

Retiradas do texto introdutório de Brait e Magalhães, as palavras da epígrafe definem a teoria adotada e expõem a metodologia que norteia os capítulos. Ao reconhecer a natureza dialógica da linguagem, o pesquisador assume o papel de interlocutor em relação ao objeto de estudo. Assim, como os organizadores nos lembram, o objeto de estudo não é apenas caracterizado como cognoscível, mas também como cognoscitivo. Aí reside o desafio dos dezesseis capítulos que compõem o livro: a produção de conhecimento como resultado de uma interlocução teoricamente qualificada.

A coerência e a unidade do livro são reveladas nos títulos das partes em que estão organizados. Todos eles começam com a palavra “dialogismo” e são fundamentais para questionamentos específicos, centrais no Círculo de Bakhtin: dialogismo na produção do conhecimento, dialogismo na vida e dialogismo na arte. Seguindo essa organização, na primeira parte – Dialogismo: produção brasileira de conhecimento -, podemos encontrar três capítulos que tratam do gênero do discurso e outro que trata da tradução. No último, Sheila Vieira de Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova América, que estudam os trabalhos do Círculo Bakhtin e que traduziram três deles 3diretamente do russo para o português, exponha a relação desse conhecimento ao examinar a experiência de traduzir dentro do conceito bakhtiniano de enunciado. No caso analisado, é transmitido e recebido na esfera científica. Segundo os autores, o enunciado traduzido pressupõe tensão conceitual e estilística entre ser fiel ao texto original em russo e sua recepção em português; a relação com outros textos, que não são traduzidos diretamente do russo e estão disponíveis em português; e, o papel do contexto sócio-histórico e intelectual em que o texto original em russo foi produzido. Assim, o capítulo permite compor uma abordagem dialógica da obra traduzida, além de aprofundar a reflexão teórica,

Em um dos três capítulos já mencionados, que considera o conceito de gênero discursivo, Adail Sobral retoma suas reflexões anteriores e reforça uma proposta ampla e detalhada que permite que o conceito seja examinado. Antes de dar esse resultado, ele se preocupa com a distinção entre gêneros discursivos e textuais e, nesse sentido, desenvolve os conceitos de discurso e texto. O discurso é caracterizado como a articulação entre a materialidade definidora de texto e a situação de enunciação, entendida como posições sócio-históricas. Sobral destaca a “ênfase excessiva” do aspecto formal do gênero, lembrando que a abordagem dialógica a esse conceito pressupõe uma visão ideológica do mundo.

Uma preocupação semelhante com os procedimentos teóricos e metodológicos ao examinar os gêneros discursivos pode ser encontrada no capítulo de Anselmo Pereira de Lima, que, tendo esse objetivo em mente, tenta examinar um corpus muito original ,que exigia registros audiovisuais: eventos educacionais realizados em um centro de educação profissional com um professor, vários alunos e um assistente. A dinâmica de sua interação, a repetição e a recreação das atividades são o núcleo da análise realizada. Na pesquisa teórica em que se baseia seu estudo, Lima, assim como Sobral, sente a necessidade de distinguir texto e discurso. Baseado em LS Vygotsky, Lima define discurso como “processo”, cujo “produto” é o texto. Segundo esse entendimento, analisar o discurso exige a observação dos “aspectos mais importantes que constituem a história de seu desenvolvimento”. É uma análise explicativa da gênese do fenômeno, e não uma descrição de sua manifestação.

O estudo de Rodolfo Vianna também elege, como foco principal, o conceito de gênero discursivo para analisar o gênero jornalístico informativo. Como ele está interessado nas macro-características que são relativamente estáveis ​​no gênero, e não em seus detalhes e elementos variáveis, Vianna organiza sua reflexão em torno da polarização entre o gênero jornalístico informativo e opinativo. Nesse percurso, e levando em consideração a história constitucional e as transformações da esfera jornalística, analisa como o gênero é composto, tendo como referência principal o Guia de Estilo 4 do jornal Folha de São Paulo . Através do corpu analisados, Vianna registra a importância do efeito da objetividade, o posicionamento ideológico do veículo de comunicação e o funcionamento da esfera de atividade na construção do gênero jornalístico informativo. Todos os itens acima configuram um critério de objetividade relativo.

A segunda parte do livro – Dialogismo na vida – compreende sete capítulos dedicados a vários objetos. A reflexão de Anderson Salvaterra Magalhães, cujos objetivos estão relacionados ao processo de objetivação no jornalismo e aos atuais desafios da imprensa, permite uma interlocução produtiva com o capítulo de Vianna. Em vez de polarizar, Magalhães prefere examinar a articulação dos processos de objetivação e subjetivação na atividade jornalística. O desenvolvimento das análises do corpus, artigos premiados do jornal O Dia do Rio de Janeiro e as conclusões são norteadas pela inclusão de um componente ético. Na linha de Bakhtinian, Magalhães vê a objetificação como um exercício intersubjetivo, regido pela responsabilidade ética.

O estudo de Beth Brait e Bruna Lopes-Dugnani examina a linguagem das ruas. Analisa as manifestações de junho de 2013 no Brasil – momento de interlocução especial, que não poderia ser deixada de fora da perspectiva bakhtiniana – com o objetivo de compreender os discursos que expressam reivindicações, bem como os sujeitos que os enunciam e suas formas de enunciação. Baseada principalmente no conceito de enunciado verbo-visual, desenvolvido anteriormente por Brait, a análise concentra-se principalmente em dois tipos de enunciado, o pôster e a máscara, arma e escudo, que compreendem o jogo de contar, ao mesmo tempo, seriedade e seriedade. brincalhão. A reflexão descreve a multidão, encontrando “versões do mesmo”, vozes coletivas e reiterações de discurso. Desse modo, ele descobre a “gênese do discurso”, incorporando discursos consolidados do local de trabalho, de violência e até de nacionalismo. O artigo também apresenta outra perspectiva e, olhando atentamente para os participantes, é capaz de identificar, entre os traços coletivos, individuais, principalmente na caligrafia e nos gestos.

Ainda focada em enunciados verbo-visuais, Miriam Bauab Puzzo seleciona três capas da Revista Veja que apresentam o ex-presidente Lula, em diferentes momentos históricos. Ela os analisa admiravelmente, caracterizando a interlocução jornalística e histórica sendo promovida; descrever sua forma arquitetônica, constituída na articulação da linguagem verbal e visual; e examinando seu tom avaliativo que muda de acordo com o momento histórico.

Baseado no pensamento bakhtiniano e colocado em um diálogo teórico com a retórica e a nova retórica, o capítulo de Maria Helena Cruz Pistori examina a repercussão de um crime ocorrido em 1997 e seu julgamento nas páginas dos jornais Folha de São Paulo e Correio Brasiliense . No estudo desse objeto, que visa captar a relação entre discursos jurídicos e jornalísticos, são revelados os valores, especificidades e coerções dessas esferas. As caracterizações não são atemporais; eles não representam a esfera jurídica e jornalística de nenhum período, pois lidam com a imprensa e o sistema jurídico contemporâneos. O corpus perspicaz A análise leva à seguinte conclusão: “[…] independência e autonomia do sistema jurídico, próximas à liberdade de expressão da imprensa […] não são valores contraditórios democráticos, mas estão mutuamente abertos à influência em diferentes níveis em nosso mercado liberal economia.”

Numa proposta original, Vinícius Nascimento recorre ao dialogismo para avaliar sua contribuição para a formação de tradutores / intérpretes de língua de sinais e português. Com esse objetivo, ele explora conceitos pertinentes do arcabouço bakhtiniano para estabelecer as bases para a interlocução entre tradutores / intérpretes e surdos, podendo extrair uma proposta para a formação desses profissionais.

Ainda na segunda parte do livro, dois capítulos examinam os livros didáticos. Cláudia Garcia Cavalcante e Regina Braz Rocha escrevem sobre a prática de texto para alunos 5 de CA Faraco e C. Tezza e aulas de redação 6por B. Brait, JLCA Negrini e NRP Lourenço, respectivamente. O primeiro artigo enfoca a interação entre autor e aluno / leitor promovida pelo livro didático e como ele orienta as atividades na sala de aula. As análises, principalmente na seção Prática do Texto, identificam os pontos de vista enunciativos do autor e os dados aos alunos / leitores, além de qualificar a relação estabelecida entre eles. O segundo artigo aborda a gramática e a alfabetização verbo-visual, e nos faz pensar: “Que contribuições o ensino de gramática oferece para desenvolver a alfabetização verbo-visual aos alunos do ensino médio?”. O artigo examina o livro selecionado e prova como ele responde concretamente a essa pergunta, examinando as atividades propostas que tratam de enunciados verbo-visuais.

Na terceira e última parte do livro – Dialogismo na arte -, a literatura não pode ser deixada de fora, mas há capítulos que exploram uma exposição de arte, Jorge Amado e Universal 7 ,e textos publicitários de uma peça de teatro. Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva apresenta uma análise sensível da exposição de arte, adequada ao objeto artístico, e é meritória ao mostrar como abordar um objeto múltiplo, fundamentada em uma teoria que foi originalmente concebida para analisar textos verbais. Familiarizada com a obra de Jorge Amado, a pesquisadora, sem perder seu rigor, parece percorrer a exposição, ouvindo e possibilitando ouvir a voz da autora, que às vezes é o narrador, e a das personagens, possibilitando ver o que ela vê. Ela também é conduzida pela voz do curador, suas enunciações que, segundo a análise, refletem e refratam a poética de Amado.

Jean Carlos Gonçalves leva o teatro à terceira parte do livro. Numa ampla reflexão sobre o teatro, que leva em conta não apenas o espetáculo, mas também as fases da peça escrita, construção e recepção cênica, ensaios, conversas com o público, críticas especializadas etc., Gonçalves examina dois enunciados verbo-visuais selecionados que anunciam o espetáculo Black Circus 8 . Ele analisa e contextualiza o espetáculo, a empresa e caracteriza seu estatuto de marketing de maneira dialógica, sua forma de convite , que ecoa Picasso, o universo circense e os símbolos teatrais.

Elaine Hernandez de Souza nos traz fábulas e faz uma análise cuidadosa, com uma metodologia explícita, das diferenças encontradas em The Ant e the Grasshopper por Aesop, La Fontaine e Lobato; levando em conta as ilustrações, ela também descreve a relação não convergente entre o texto verbal e os desenhos. Souza, portanto, considera as enunciações verbo-visuais das fábulas e caracteriza as relações dialógicas estabelecidas entre as fábulas, entre a materialidade linguística e imaginária, entre cada fábula e seu contexto sócio-histórico, bem como entre a vida cotidiana e a arte encontradas nos textos.

Os dois últimos capítulos analisam Barren Lives 9 e The Devil to Pay in the Backlands 10 . Maria Celina Novaes Marinho coloca Vidas estéreis em foco dialógico e caracteriza a articulação de vozes, que constrói a arquitetura do texto. Marinho reconhece os personagens como “seres que falam, não apenas sendo mencionados pelo autor”. Ela sinaliza grupos de identidade que são definidos em sua luta um contra o outro e examina a representação das diferentes vozes, formas de citação, tons agradecidos, a relação entre o mundo interno e o externo. Lá encontramos uma teoria precisa, análise fina e equilíbrio entre os dois.

No último capítulo, Sandra Mara Moraes Lima quer ouvir a voz materna, que ecoa em O diabo a pagar no sertão.Ela afirma que seu objetivo não é analisar todo o trabalho, mas pretende “promover uma reflexão sobre a linguagem e o homem, seu ser / fazer no mundo”. Primeiramente, procura o papel do discurso da mãe na aquisição e construção da linguagem infantil na teoria de Bakhtin; então, a autora se dedica ao reconhecimento, nas palavras de Riobaldo, da ressonância da voz da mãe, uma voz que ele tem sempre “reverenciado”. Seguindo esse caminho, e aceitando a proposição da analogia que considera o trabalho de Guimarães Rosa “um retrato do Brasil”, o capítulo examina como esse texto literário refrata o papel das mulheres na sociedade, bem como o papel das mestiças na construção da identidade do país .

Dialogismo: teoria e (in) prática é um estudo amplo e denso que permite a compreensão das idéias de Bakhtin, a promoção de seu debate e desenvolvimento. Como tentamos mostrar, o livro insiste principalmente em um ou outro conceito, sobre o qual mais é escrito, trazendo luz à sua atualidade e produtividade. Ao mostrar a contribuição das idéias de Bakhtin que operam nos domínios atuais dos estudos do discurso, o livro orienta o leitor a reconhecer a articulação de vozes que preside e esclarece os mais variados corpora analisados. Assim, são coletadas contribuições teóricas e resultados de análises, além de questionamentos metodológicos e aplicações educacionais.

Referências

BAKHTIN, MM Questões de estilística no ensino da língua . Tradução de posfácio e notas de Sheila Camargo Grillo; Ekaterina Vólkava Américo; apresentação de Beth Brait; organização e notas de edição russa Serguei Botcharov e Liudmila Gogotichvíli. São Paulo: 34, 2013. [  Links  ]

BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana , São Paulo, v.8, n.2, p. 43-66, jul./dez. 2013. [  Links  ]

LIMA, AP de. Procedimentos teóricos-metodológicos de estudo de gêneros do discurso: atividade e oralidade em foco. In: BRAIT, B .; MAGALHÃES, AS (Org.). Dialogismo : teoria e (m) prática. São Paulo: Terracota, 2014. p. 37-53. (Série ADD). [  Links  ]

MEDVIÉDEV, PN O método formal nos estudos literários : introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução de Ekaterina Vólkava Américo e Sheila Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012. [  Links  ]

VOLOCHÍNOV, VN Marxismo e filosofia da linguagem : problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Ekaterina Vólkava Américo e Sheila Camargo Grillo. São Paulo: 34, [20–]. No prelo. [  Links  ]

1 resenha de BRAIT, B .; MAGALHÃES, AS (Org.) Dialogismo : teoria e (in) prática. São Paulo: Terracota, 2014. (Série ADD). 322p.

Brait (2013) se destaca, cuja importância também pode ser vista no livro revisado aqui.

3 Especificamente: Medviédev (2012) , Bakhtin (2013) ; Volochínov ([20–]) .

4 Título original em português: Manual de redação.

5 Título original em português: Prática de texto para estudantes.

6 Título original em português: Aulas de redação.

7 Título original em português: Jorge Amado e Universal.

8 Título original em português: Circo Negro.

9 Título original em português: Vidas Secas.

10 Título original em português: Grande Sertão: Veredas.

Renata Coelho MARCHEZAN – UNESP – Universidade Estadual de São Paulo “Júlio de Mesquita Filho”. Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara – SP – Brasil.14800-901 – renata_marchezan@uol.com.br

Itamar Freitas

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Itamar Freitas
Tags: Alfa (A-RL)

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