Deutsche Kolonialgeschichte(n). Der Genozid in Namibia und die Geschichtsschreibung der DDR und BRD | Christiane Bürger
Christiane Bürger | Foto: LISA Science Portal
O livro de Christiane Bürger é baseado em sua tese defendida em 2016. Formada em filosofia, história e história da arte pelas Universidades de Heidelberg e Viena, Bürger é responsável desde 2016 pela Fundação Haus der Geschichte em Berlim. A recepção da presente obra na esfera pública alemã foi expressiva a ponto de a autora ser convidada a trabalhar na exposição Deutscher Kolonialismus no Deutsches Historisches Museum de outubro de 2016 a maio de 2017. As narrativas sobre o Genocídio Colonial e a associação do conceito de genocídio à Namíbia Colonial são historicizadas na obra.
No contexto da historiografia alemã, Genocídio Colonial [1] expressa a continuidade entre a violência produzida na Namíbia Colonial e na Alemanha sob o regime nacional-socialista; e é reconhecido como tese de autoria de Horsch Drechsler, historiador da antiga República Democrática Alemã. Drechsler teve seu livro publicado em 1966, e ganhou novas edições e traduções a partir de 1980 por iniciativa da ONU. O termo Genocídio Colonial e o nome de Drechsler são mencionados como argumentos nos atuais debates sobre reparação e indenização na Alemanha e na Namíbia. No entanto, que história é essa de genocídio colonial da qual estamos falando? Exatamente por serem muitas e conflitantes as narrativas e conhecimentos produzidos sobre a Namíbia Colonial, é que o título de Bürger leva o plural de história entre aspas. A luta interpretativa nas historiografias na República Democrática Alemã (RDA) e na República Federativa Alemã (RFA), foi permeada por continuidades [2], alterações e espaços vazios, destacando a existência de convenções de representação e de linguagem que continuam a legitimar a colonização e a epistemologia racista. A história da historiografia sobre esses eventos, ocorridos em Waterberg, atual Namíbia, e suas consequências, ilustram controvérsias e, por isso, Bürger pretendeu escrever a historiografia comparada dos dois estados alemães, RDA e da RFA, e a recepção entre 1945 e 1980. Essas controvérsias fazem parte da história nacional alemã e de sua construção identitária (Erinnerungskultur), levando a historiadora a traçar relações conteudísticas, retóricas e semânticas. Os objetos de pesquisa desse livro são as próprias interpretações e representações do passado e as escolhas de termos como, por exemplo, campo de concentração (Konzentrationslage) (220). A empreitada de Bürger é traçar como e porque o conhecimento acadêmico sobre a colonização muda, estagna ou é rejeitado. Resumindo, é uma crítica à escrita da história, imprescindível para compreensão dos usos dessas duas historiografias na política atual, o que demonstra consequências de longa duração do colonialismo.
A introdução, dividida em cinco partes, coloca em questão uma afirmação frequente nos trabalhos e debates sobre a colonização alemã: seriam “os crimes ocorridos na Namíbia Colonial o primeiro genocídio alemão e, portanto, o precursor do holocausto”[3] ? Esse debate vai além da esfera acadêmica. A história colonial alemã vem sendo tematizada na esfera pública, nas mídias e na política, entre outros motivos, pela reivindicação jurídica de indenização e restituição dos representantes das vítimas da guerra colonial entre 1904 e 1907. Nesse caso, possibilitou também uma reavaliação de genocídio como objeto jurídico que prescreve reparações, ainda em andamento [4]. Ao reconstruir o passado da Namíbia Colonial, fica evidente que a historiografia e o conhecimento que ela produz não se relacionam somente com o passado. Sendo uma atividade construtiva, a escrita da história é guiada por interesses que incorporam crenças, necessidades e conflitos do presente. Sobre esse debate, Bürger cita Edward Said (34 – tradução nossa): “A maioria dos cientistas se afirma apolítico (…) na prática até agora não se encontrou um modo de separar o ser acadêmico do seu ambiente, sua ligação, consciente ou não, de uma visão de mundo específica, de sua classe e de seu lugar social (…)”.
Apesar das diversas interpretações e releituras serem tema de discussão há mais de 100 anos, têm-se a impressão desse debate ter ocorrido somente na última década na Alemanha, o que advém do centenário do evento, em 2004, e um boom de trabalhos acadêmicos sobre a temática que se sucedeu. Em 2015, o genocídio dos Herero e Namas foi reconhecido oficialmente, convocando “historiadores como testemunhas”, segundo Bürger (10), tendo diversas repercussões, como a devolução às etnias de ossadas recolhidas no período colonial [5].
No subtópico “I.2 Construção”, alerta o leitor que seu trabalho corre o risco de apresentar uma perspectiva progressiva, linear e cronológica da história e afirma que escolheu ferramentas de análise a partir de decisões políticas subjetivas. A problematização dos imaginários coloniais e termos não tornam a pesquisa neutra, já que a linguagem está crucialmente envolvida na construção das relações de poder. Em “I.3 Estágio da Pesquisa”, apresenta o cenário atual de pesquisa na Alemanha. Normalmente ligada à história da África, os trabalhos tratam das estruturas institucionais mais frequentemente na fase de descolonização, como os trabalhos de Holger Stoeckers e de Felix Brahm [6]. Os resultados das pesquisas de africanistas e seus paradigmas influenciaram os estudos na universidade de Hamburg, Leipzig e Berlim. Os estudos literários também forneceram conteúdos e sugestões metodológicas para uma análise textual de orientação Pós-Colonial, como os trabalhos de Medardus Brehl, Monika Albrecht e Stefan Hermes, nos quais são analisadas as formas de elaboração da guerra na literatura contemporânea. Em I.4 Fontes, apresenta a escolha de autores localizados institucionalmente na historiografia. A monografia de Friedrich Meinecke, A Catástrofe Alemã, de 1946, é seu marco temporal inicial e o Historikerstreit [7] dos anos 1980, seu marco final. A autora escolhe analisar monografias, ensaios, enciclopédias e edições de bolso/trabalhos gerais, pois compõem o conhecimento canônico sobre a temática colonial. Além dos clássicos, Bürger também usou outras fontes como a literatura memorial, ensaios, filmes, exposições e palestras sobre a Namíbia Colonial, bem como os diretórios bibliográficos para incluir publicações marginais e resenhas em revistas acadêmicas de história, nacionais e internacionais. Os arquivos e materiais adicionais da Universidade de História de Hamburg, evidenciaram a influência do movimento de 1968 na escrita da História Colonial e a transferência entre discursos políticos e sociais.
No subtópico “I.5 Reflexões teóricas e metodológicas”, apresenta a história da historiografia como parte da História do Conhecimento [8], por fornecer teoria para considerações entre língua e escrita da história. Ela afirma que a historiografia ficou por um longo tempo presa à história da ciência, com abordagens metodológicas concorrentes, interpretações e formas representativas que podem ser estilizadas em uma história lógica e inevitável. Para uma “autorreflexão da história” (36) o objeto de pesquisa de Bürger é o conhecimento produzido pelas narrativas históricas e seu caráter social [9], pois se vincula à sua dimensão social e histórica, às pessoas, grupos e sociedades, tendo implicações sociológicas para a compreensão da produção acadêmica. Traz para o debate Boris Barth, que ressalta o interesse social e o poderoso peso moral que o termo genocídio carrega (45). Apesar das controvérsias, a autora decide usar o termo.
No segundo capítulo, explora as historiografias dos dois estados alemães a partir da amnésia colonial, identificada na década de 1950. Ao trazer no título “Amnésia Colonial?”, Bürger retoma o debate atual contestando-o ao argumentar que a historiografia colonial não esteve esquecida em nenhum momento; muito pelo contrário, foi tema comum e generalizado. Amnésia Colonial é termo que se refere à crítica da falta de reconhecimento da história e do genocídio colonial pelo governo alemão e seu povo, divulgada por historiadores como Jürger Zimmerer, Joachim Zeller e Reinhart Kössler [10] . Contrária a esse termo, Bürger elenca como o evento dos crimes coloniais era amplamente conhecido, acadêmica e popularmente, desde o período do Reich, à época da Eleição Hotentote, de 1907, em que o debate era desenvolvido tanto pelos apoiadores da guerra colonial quanto pelas vozes críticas. O evento foi retomado na perda das colônias, em 1919, pelo revisionismo colonial. Ao questionar “até que ponto os historiadores após 1949 [11] romperam com as formulações e convenções das representações anteriores”, a autora delimita seu objeto de pesquisa a partir dessa temporalidade, demonstrando como as interpretações são atravessadas pelas mudanças políticas, sociais e científicas com o final da Segunda Guerra Mundial, com as independências africanas, influenciadas pelo apartheid sul-africano e pelo pós-genocídio nacional-socialista.
Em “II.2 Tradições de saber acadêmico e popular” destaca que, até 1960, as narrativas historiográficas foram elaboradas por testemunhas, missionários, agentes coloniais e colonos. Tais obras foram consideradas e reconhecidas cientificamente, apesar de nem sempre serem produzidas por historiadores de formação [12]. Exemplos de obras na RDA que compõem uma tradição no conhecimento acadêmico são História da África. Construção do Estado no Sul do Saara (tradução nossa), do etnólogo e linguista Dietrich Westermann, de 1952, e a de Oskar Hintrager (1871-1960), África Ocidental em seu tempo alemão (tradução nossa), de 1955. Westermann foi missionário evangélico no Togo e depois professor de línguas africanas na Universidade de Berlim e também incentivou nos anos 1940 a retomada das colônias alemãs; Hintrager foi representante e vice-governador na Namíbia Colonial entre 1905 e 1914, sendo seu livro uma literatura de rememoração. Essas obras compõem narrativas populares que se direcionavam ao público geral e ofereciam um modelo narrativo lógico, que se apresenta progressivo sobre a colonização alemã, como antecessora do nazismo; e o genocídio Herero e Nama na Namíbia Colonial é visto como começo da luta contra a dominação colonial alemã. Segundo Bürger, a obra de Westermann foi canônica tanto na República Democrática quanto na República Federativa Alemã (267). A literatura memorativa produzida por agentes, colonos e soldados, é central na proposta interpretativa; seus trechos são usados, consciente – ou inconscientemente – na abertura de outros textos historiográficos. O que evidencia os processos de transferência ao se comparar os sistemas narratológicos dos dois gêneros textuais.
Por ser comum haver mapas, fotografias, ilustrações nos textos historiográficos, Bürger analisa em “II.3 Lógica narrativa discursiva colonial”, a partir dos estudos pós-coloniais, como essas imagens são atribuídas nos textos, seus usos e funções. Tratavam-se de visualizações coloniais habituais, já que o conteúdo imagético se relaciona com o texto, inclusive concorrendo com ele, afetando as representações e interpretações dos crimes coloniais, colocando como evidência sua argumentação. Apresenta também o conteúdo positivo que ali incutia-se, legitimando o poder colonial, além de analisar as especificidades retóricas, léxicas e linguísticas que moldam a narrativa. Sem avaliar os conhecimentos e formas de escrita como certos ou errados, historiciza essas narrativas como bases de uma metanarrativa, demonstrando os imaginários coloniais.
A autora parte da pergunta “existe um estreitamento da historiografia sobre a Namíbia colonial com discursos políticos, sociais e científicos na escrita dos historiadores da RDA? E os historiadores da RFA?”. No terceiro capítulo elabora as várias conexões entre a historiografia colonial na RDA com a RFA, uma vez que o sistema científico envolvia trocas diversas. Tais trabalhos, no contexto da Guerra Fria, competem entre si, resultando em uma diferenciação no discurso histórico colonial entre os dois estados alemães. A existência anterior de um modelo narrativo representado literariamente influenciou historiadores, que pegaram suas sequências de interpretações e representações emprestados ao escrever sobre a Namíbia Colonial. Algumas narrativas foram recebidas como factuais até a metade do século XX, como é o caso do trabalho do missionário Heinrich Vedder, que não teve formação em História, mas recebeu o título de doutor por honra pela Universidade de Tübingen. Sua obra ganhou nova edição em 2001. Outras narrativas foram consideradas verídicas em sua publicação, posteriormente consideradas ideologicamente distorcidas e, contemporaneamente tratadas como ficção.
Em “III.1 Críticas programáticas”, traz a inauguração do Instituto de Estudos Latinoamericanos, Asiáticos e Africanistas em Leipzig, em 1961. Cita seu programa e o entendimento dos pesquisadores sobre seus trabalhos enquanto verdadeiras rupturas do passado imperialista e colonial da Alemanha. O autoentendimento da RDA como estado anticolonial e antirracista e sua propaganda de solidariedade internacional no apoio ao movimento de independências africanas [13] aparecem textualmente, mas não necessariamente desenvolvem métodos de narrativa e representação novos. Mesmo assumindo uma grafia anticolonial ou crítica ao racismo, são encontrados conceitos históricos, figuras narrativas ou pensamentos naturalizados ou já legitimados cientificamente, que não foram questionados pelos produtores e receptores textuais na RDA. Além disso, segundo Bürger, as premissas, conceitos e a história marxista-leninista também são imagens eurocêntricas da história porque foram originalmente utilizados para descrever sociedades europeias (113). Já que a história, ligada à língua e aos meios de representação linguísticos, não existe fora de seus textos e, portanto, o conhecimento histórico, narrativo, e o efeito que produzem não estão apenas através do que narram, mas como o fazem. As formas linguístico-narrativas não são apenas portadoras de significado, como também são parte constitutiva do conhecimento historiográfico, através de sua lógica e seu conteúdo.
Os historiadores da RDA citavam e criticavam intensamente os trabalhos produzidos pela RFA. Bürger apresenta trechos de Horst Drechsler criticando Oskar Hintrager, e trechos de Helmuth Stoecker criticando as obras de Gerhard Ritter e Fritz Hartung, inclusive Stoecker, que teria sido influenciado pela linha marxista da Alemanha Oriental (216).
Em “III.2 Condições de escrita”, considera como o uso científico de “África” foi moldado pela Guerra Fria nos dois estados alemães, sofrendo uma internacionalização metodológica. As avaliações e classificações de sua história, ligadas a princípios metodológicos do sistema científico socialista (ciência enquanto unidade e parcialidade), trazem a instrumentalização política para o debate. Questionou se as obras da União Soviética serviram de modelo imperativo aos historiadores alemães da RDA. Walter Markov foi mentor de muitos historiadores do colonialismo na RDA, e editor em uma coleção de formação historiográfica africanista. Outra questão é a proximidade dos textos literários e científicos no estado socialista; já que romancistas publicaram narrativas coloniais anteriores a publicação de textos historiográficos, no caso, o romance Schwarz und Weiß am Waterberg de 1952, do escritor da RDA Maximilian Scheer, foi pioneiro em tematizar a guerra colonial. Uma sequência interpretativa socialista é identificada nos dois tipos textuais.
A prática dos historiadores em avaliar os conteúdos e ideologias dos romances históricos e de os censurar, também dá indícios de uma prática interpretativa e uma norma de escrita. Problematiza-se a possibilidade da história da RDA tratar de uma ciência de legitimação. A autora traz os arquivos federais, universitários e editoriais, que fornecem a dimensão da influência ou da ausência política. As licenças para impressão e cópia a historiadores estão registradas, bem como as convocações e censuras. Tais documentações estão no arquivo dos Partidos e Organizações de Massa da RDA que hoje encontra-se no Arquivo Federal da Alemanha.
Arquivos biográficos, como o da Universidade de Leipzig, são utilizados para apurar mais informações sobre os historiadores, rupturas biográficas e sociais que os influenciaram em seus objetos de pesquisa, dificuldades em trabalhar com as fontes, períodos ausentes, tradições diversas ou mesmo reescritas após a reunificação, nas quais historiadores da antiga RDA se identificaram como uma perspectiva narrativa pós-colonial. Além da relação interna da política com a produção dessa história, a autora traz a utilização dos textos historiográficos pela RDA como possível aliada da Namíbia ainda dependente, demonstrando o estreitamento da relação da política externa da RDA com a ciência que produzia.
Em “III.3 Normas linguísticas e novas formas narrativas”, a linguagem científica é apontada como indicadora de momentos de resistência. Realiza uma análise narratológica concreta da historiografia colonial, utilizando as pesquisas de linguagem sobre ideologias políticas e discursivas [14]. Por fim, reflete como a elaboração da guerra e o processo de subjetivação a partir do genocídio nazista se reflete na historiografia colonial. Ao referir-se, durante o texto, à Namíbia pré-independência como Namíbia Colonial, Bürger mostra como, a partir da linguagem e da teoria pós-colonial, podemos questionar apresentações anteriores do passado em vez de os reproduzir. A Namíbia recebia o nome África do Sudoeste Alemão pelos alemães e pelos estudiosos.
No quarto capítulo demonstra a correlação entre a historiografia da RFA e as reivindicações da geração de 1968 no trato com o passado nazista. Exemplo dessa transferência entre saberes e formas científicas e não-científicas é trazido no subtópico “IV.1 Novas Mídias e Formas Narrativas – Heia Safari”, no qual o documentário de Ralph Giordano, Heia Safari, de 1966, é analisado. Essa produção do canal televisivo WDR (Westdeutscher Rundfunk) da Alemanha Ocidental, baseada no romance autobiográfico de Paul von Lettow-Vorbeck, popularizou a discussão sobre colonialismo alemão e foi aconselhada cientificamente por historiadores. Segundo a autora, orientado por imagens coloniais e materiais arquivísticos, tanto na produção do programa quanto no debate que desencadeou, o documentário reproduz uma linguagem narrativa colonial.
Deve ser levado em consideração que quando os historiadores da RFA, no final dos anos 1960, olharam criticamente para a história da Namíbia colonial, já estavam diante de uma sequência explicativa dos textos escritos na RDA. Ou seja, por meio de métodos narrativos, questiona-se os processos de troca entre as duas historiografias. Além disso, os historiadores alemães da parte ocidental entendem seu trabalho como parte de uma ciência politicamente engajada como mostra no subtópico “IV.2 História colonial como História Social Crítica”.
Fritz Fischer e seus alunos inauguraram, na RFA, novas possibilidades de interpretar a colonização, a partir de sua tese defensora de uma política hegemônica alemã e inaugura uma história social crítica. O debate historiográfico, conhecido como Fischer-Kontroverse, sobre o holocausto e o nacional-socialismo, foi decisivo para romper com a interpretação e representação anterior à Segunda Guerra Mundial do genocídio colonial, empregada de nacionalismo. O ciclo dos historiadores Helmut Bley e Fischer na RFA não utilizou o conceito de genocídio, tampouco viu o terceiro Reich como continuidade da política colonial. Bley aponta para o genocídio como uma decisão do general von Lothar, individual e errada (203). Nesse capítulo, Bürger apresenta documentos da Conferência Internacional da África do Sudoeste de 1966 em Oxford como uma intervenção política direta da RFA sobre a Namíbia Colonial através da historiografia. Participaram da conferência representantes de 32 nações, incluindo figuras como Leonard Bernstein e Martin Luther King. Na ocasião, o Sudoeste da África foi representado pela South West Africa People’s Organisation (SWAPO) e pela União Nacional da África Sudoeste e renomeado oficialmente como Namíbia (182).
O título do quinto capítulo é “1984 A busca por uma narrativa admissível”. O ano que marca o centenário da conferencia de Berlim e retoma a questão se o “movimento de descolonização política contribuiu para a descolonização científica ou desafiou o conhecimento cientifico anteriormente validado?”. Através da análise de padrões linguísticos da narrativa historiográfica da Namíbia Colonial em diferentes gêneros textuais demonstra que, em vez de uma descolonização científica, houve um avanço conservador na RFA na década de 1980 e um aumento da interdependência entre as historiografias coloniais produzidas nos dois estados alemães. Além da mudança significativa da política na Namíbia, em 1971, o tribunal internacional de Haia confirmou a ilegalidade da ocupação sul-africana da Namíbia (210) e, em 1973, a SWAPO foi reconhecida pelas Nações Unidas como representante autêntica dos povos namibianos.
Em “V.1 Circulação do conhecimento”, a partir das perguntas “qual a relevância das rupturas políticas para a escrita da história?” e “como e por que esse conhecimento acadêmico muda, estagna ou é rejeitado?”, Bürger aponta para estereótipos e estruturas coloniais que permaneceram, desde o início da RDA, na cultura popular, nos romances, filmes, quadrinhos, nos jornais, nas políticas de migração e no auxílio ao desenvolvimento, focando nos momentos e fases dos textos históricos em que se negociam representações e avaliações do genocídio e do conhecimento sobre a Namíbia Colonial.
No subtópico “V.2 Mudanças nas narrativas e convenções de representação”, o intercâmbio de saber entre os dois estados alemães é exemplificado a partir de Morenga. O romance de Uwe Timm, publicado em 1979 na RFA, com o subtítulo Revolta na África do Sudoeste Alemão: Um romance sobre um capítulo recalcado da história alemã (tradução nossa) [15], descreve a guerra colonial contra os africanos que resistiam à ocupação alemã. Incorporando passagens de obras historiográficas dos dois países, Timm desmantela fronteiras entre literatura e narrativa historiográfica. As análises de textos ficcionais, do ponto de vista literário, revelaram como tais textos se apropriaram do material histórico e de suas ideologias. Com o lançamento do filme Morenga pela WDR, a nostalgia colonial idílica foi criticada no âmbito público. O subtópico “V.3 Controvérsias e continuidades coloniais” aponta o surgimento de uma “nova onda colonial” (255), trazendo o revisionismo colonial a partir de um conhecimento normativo, bem como conservador, construído por historiadores como Horst Gründer (213). O que também pode ser fruto das rupturas, tanto científicas como biográficas, sofridas pelos historiadores da RDA no ano de 1989: com demissões em curso e reestruturação das universidades, historiadores que haviam trabalhado com história colonial na antiga RDA foram retirados de seus locais de trabalho ou relocados para projetos de pesquisa financiados a longo prazo. Tais rupturas reverberam nas narrativas de vida, nas classificações retrospectivas da pesquisa e na avaliação das condições políticas. A reunificação alemã e o desenvolvimento político no continente africano com o fim da Guerra Fria trouxeram novas questões políticas e científicas para a história da ciência sobre a historiografia da RDA. Muitos trabalhos intelectuais e políticos dos teóricos e ativistas pós-coloniais consideram o marxismo, com uma avaliação positiva da historiografia colonial marxista. Bürger cita Conrad, que defende o potencial inovador dessa perspectiva.
Para Bürger, a continuidade discursiva colonial nos textos e “mundos textuais” sobre a Namíbia Colonial historicizam as pesquisas atuais em debate e reavaliam os posicionamentos das disciplinas, tendo êxito em expressar como a história das antigas colônias pode ser escrita a partir dos estudos pós-coloniais. Sendo assim, a leitura de História(s) da Colonização Alemã é essencial para que os pesquisadores brasileiros da colonização tenham uma outra perspectiva sobre o debate alemão. A maioria dos materiais disponíveis em português sobre esse debate é abordada pela imprensa, como artigos produzidos e divulgados no site do Instituto Goethe e do Deutsch Welle, que sinalizam a falta da questão colonial no espaço público ou mesmo na produção acadêmica. A tese de Bürger apresenta fontes que mostram a inviabilidade de se falar em amnésia colonial já que existe uma abundância de materiais sobre a temática. O problema não está na inexistência de conteúdo, mas como são abordados. Além disso, a presente obra é um exemplo de como a narratologia e a história do conhecimento contribuem para a historiografia. Ao mesmo tempo, há de se considerar que os autores que denunciam a existência de uma amnésia colonial trazem argumentos relevantes, como a exclusão da história da colonização alemã na grade curricular das escolas e nas universidades com a reforma do ensino superior nos anos 1950 e 1960.
Notas
1. A primeira menção e sistematização do genocídio enquanto conceito foi utilizada pelo polonês, de origem judaica, Raphael Lemkin, e foi reconhecido como um crime na Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1951.
2. Influenciada pela teoria pós-colonial de Edward Said, Homi Bhabha e Mignolo, a historiadora evidencia a permanência do pensamento colonial e de estruturas coloniais depois do fim “oficial” da colonização (1919 – Tratado de Versailles) em textos historiográficos da RDA e da RFA sobre a guerra colonial.
3. Waren die Verbrechen im kolonialen Namibia der erste deutsche Völkermord? Und damit der Vorläufer des Holocaust? (9).
4. Em 2017 o processo movido por Hereros e Namas foi para o Tribunal Federal de Nova Iorque, depois de terem tentado dialogar com o governo alemão, expressando uma falha deste em lidar com sua história colonial. O processo requer desculpas pelo genocídio e pela perda de propriedades. Hoje, na Namíbia, a concentração agrária está na mão de pessoas brancas, descendentes de europeus.
5. Com o movimento Black Lives Matters, evidenciam-se diversos monumentos públicos símbolos da colonização ao questionar a presença desses colonizadores no espaço público e na memória coletiva. Foram derrubados, nos últimos meses de 2020, estátuas de Cristóvão Colombo em Richmond, nos EUA; a do traficante negreiro Edward Colston em Bristol, Inglaterra; e a de Leopoldo 2°, na cidade de Antuérpia na Bélgica.
6. Respectivamente: Afrikawissenschaften in Berlin von 1919 bis 1945. Zur Geschichte und Topographie eines wissenschaftlichen Netzwerkes (2008) de Stoeckers; Wissenschaft und Dekolonisation. Paradigmenwechsel und institutioneller Wandel in der akademischen Beschäftigung mit Afrika in Deutschland und Frankreich, 1930-1970 (2010) de Brahm.
7. Disputa entre a produção historiográfica da Alemanha Ocidental e da historiografia estrangeira sobre a política do Reich alemão para a 1° Guerra Mundial.
8. A base teórica dessa obra foi inspirada por autores da História do Conhecimento como Thomas S. Kuhn, Michel Foucault, Ludwik Fleck, Philipp Sarasin, Bruno Latour e Hans-Jörg Rheinberger.
9. Bürger utiliza os conceitos de Ludwik Fleck, de Denkkollektiv e Denkstil, estilo de pensamento e pensamento coletivo respectivamente, como modelos heurísticos que a ajudaram na compreensão da produção de conhecimento acadêmico como uma atividade social e na dimensão social dos fatos científicos. Ela conceitua essas categorias, bem como uma terceira, Denkzwang, que seria a dependência do pesquisador do pensamento coletivo e do estilo de pensar.
10. ZIMMERER, Jürgen, ZELLER, Joachim (org.). Völkermord in Deutsch-Südwestafrika. Der Kolonialkrieg (1904-1908) in Namibia und seine Folgen. Berlin, 2003; KÖSSLER, Reinhart. From Genocide to Holocaust? Structural Parallels and Discursive Continuities. Africa Spectrum 40/2, 2005.
11. Ao tentar compor uma historiografia colonial “crítica” e “nova”, o critério temporal da autora foi escolher historiadores alemães de uma geração que não socializada nem pelo Kaiserreich, nem pela República de Weimar ou pelo Nazismo.
12. Ou ainda, utilizam como fontes obras mais antigas que foram recebidas e aceitas pelo discurso científico, mesmo quando publicadas como romance, como é o caso da obra de Gustav Frenssen, Viagem de Peters Moors ao Sudoeste (Peter Moors Fahrt nach Südwest), de 1906.
13. Tanto a RDA quanto a União Soviética auxiliou a SWAPO em sua luta para autonomia política. A Liga das Nações havia ofertado o Sudoeste Africano como protetorado da África do Sul, após o Tratado de Versalhes para que o território iniciasse sua transição para a independência. Assim, o território passou a ser considerado de fato quinta província da África do Sul
14. Apresenta os trabalhos de Susan Arndt e Antje Hornscheidt sobre o léxico alemão, mostrando significados individuais de termos e palavras na construção do pensamento hegemônico e para uma intervenção crítica.
15. UWE, Timm. Morenga. Aufstand in Deutsch-Südwestafrika. Ein Roman um ein verdrängtes Kapitel deutscher Geschichte. München, 1978.
Referências
ZIMMERER, Jürgen, ZELLER, Joachim (org.). Völkermord in Deutsch-Südwestafrika. Der Kolonialkrieg (1904-1908) in Namibia und seine Folgen. Berlin, 2003.
KÖSSLER, Reinhart. From Genocide to Holocaust? Structural Parallels and Discursive Continuities. Africa Spectrum 40/2, 2005.
HERMAN, Paul. Key Issues in Historical Theory. New York: Routledge, 2015.
Resenhista
Elaine Calça – Universidade de São Paulo. E-mail: elaine.calca@unesp.br orcid.org/0000-0002-3899-2733
Referências desta Resenha
BÜRGER, Christiane. Deutsche Kolonialgeschichte(n). Der Genozid in Namibia und die Geschichtsschreibung der DDR und BRD. Bielefeld: Transcript, 2017. Resenha de: CALÇA, Elaine. História(s) da colonização alemã utilizações políticas do Passado. Revista de Teoria da História. Goiânia, v.24, n.1, p. 286- 295, 2021.