Os estudos sobre desenvolvimento observaram certa diversificação nos últimos anos. À pauta clássica, tem-se acrescentado os temas da sustentabilidade ambiental, da governança e da incorporação de novas interpretações acerca de conceitos outrora consolidados na área, como desigualdade ou bem-estar, por exemplo.
Exauridos ou desacreditados em outras áreas das ciências sociais aplicadas, ainda alguns outros temas tentam apear-se na temática do desenvolvimento, como a “inovação”, ou certo enfoque herdado da quase centenária teoria do lugar central weberiana, este requentado sob a forma conceitual dos arranjos produtivos locais, ou como seus autores gostam de apelidar, APLs.
Isto posto, de um livro como o de Cecília Lustosa e Francisco Rosário, professores da Universidade Federal de Alagoas, uma universidade periférica, seria esperado algum acréscimo ao assunto. O título do livro convida; a capa, bonita, seduz. Seria de se esperar alguma boa discussão sobre o desenvolvimento regional. Diz-se boa, porque o tema é não apenas válido, mas premente, atual, relevante e favorável ao próprio desenvolvimento das ciências sociais.
Infelizmente, não é o caso do livro (organizado ou autoral? Não há como saber ali) de Lustosa e Rosário. Simplesmente não há nada de positivo a ser dito sobre o uso das quase duzentas páginas de papel.
Uma menção inicial – que exime de culpa os responsáveis pela obra, a princípio – vai para o serviço editorial da Edufal. O livro, a despeito da bela capa, remontando ao regionalismo, é um verdadeiro desastre de revisão, edição, diagramação e montagem. Quase nenhum gráfico ou tabela escapa de um arremesso certeiro à incompreensibilidade. Os mapas chegam a ser risíveis, porquanto borrados, distorcidos, e inutilizados em sua função informativa (como apresentar em “tons de cinza” mapas originalmente coloridos?). Uma editora séria já o teria retirado de circulação, apresentando uma edição revisada. Dadas as condições do mercado editorial, fica a sugestão, que reduziria em parte o dano à leitura.
Infelizmente mais uma vez, os erros não limitam aos aspectos formais, avançando por sobre aspectos que envolvem a própria concepção do livro. Em seus seis capítulos, o livro intenta defender o desenvolvimento do estado de Alagoas através do incentivo a criação e consolidação de programas de incentivo aos APLs, como alternativas a uma atual estrutura produtiva centrada no cultivo e comercialização da cana-de-açúcar e de seus derivados. Os primeiros dois capítulos iniciam-se tentando expor uma conjuntura socioeconômica de Alagoas e o fluxo comercial do estado. Nos dois capítulos seguintes há uma tentativa de estabelecimento dos critérios de identificação e mapeamento dos APLs, assim como suas respectivas politicas de auxilio aos arranjos. Dois capítulos finais, bastante reduzidos, tentam fazer uma análise das políticas governamentais postulando o investimento em APLs como a saída para o desenvolvimento do Estado.
Embora o tema da obra trate de questões pertinentes ao desenvolvimento alagoano, as falhas metodológicas em seu decorrer prejudicam seriamente a corroboração de quaisquer assertivas coerentes com a realidade alagoana feitas ali. O que se apresenta de início como a análise empírica da “conjuntura socioeconômica”, limita-se a observações do PIB e seus desdobramentos mais óbvios, como os produtos setoriais e a mão de obra empregada. Não aparece a análise de indicadores de desenvolvimento como o IDH ou mesmo o Índice de Desenvolvimento Rural. A análise da “conjuntura socioeconômica” prometida no início do livro é entregue sob a forma de um agregado, de extensão temporal insuficiente, de dados que somente fariam sentido em séries mais amplas. A aparência é a da soma de vários briefings de relatórios de conjuntura de curto prazo. Entender o longo prazo como uma extensão do curto transcende o limite do deslize metodológico, passando à aberração. O resultado não passa de uma simples junção de informações já conhecidas na literatura econômica recente como, por exemplo, a tendência de aumento da participação do setor de serviços no volume total de empregos, caso que de maneira alguma constitui singularidade alagoana.
A análise do fluxo comercial, por sua vez, tenta mostrar uma economia apoiada em duas cadeias produtivas: cana e derivados do petróleo. A base empírica para tal alegação, na forma como apresentada, é muito rala e pode ser facilmente contestada, levando em consideração que toda a análise limitou-se a observações do ano de 2006. A observação conduz dessa vez à inferência de que a cana constitui o setor mais dinâmico da economia alagoana. A melhor das vontades em assumir a validade científica do trabalho cai por terra diante de tal redundância. Seria possível afirmar aqui pelo menos uma centena de trabalhos que realizaram exame empírico mais apurado, para chegar ao mesmo resultado.
O terceiro capítulo busca, a partir de critérios oficiais, identificar os diversos tipos de APLs e organizá-los de acordo com as configurações do mercado em que se inserem. Por simplesmente utilizar o trabalho anterior realizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), há uma aparente melhoria na qualidade do conteúdo. Contudo, há necessidade urgente de revisão, com mapas simplesmente ilegíveis de impossível delimitação das áreas abarcadas pelos arranjos. Como está, inviabiliza-se qualquer contribuição à elaboração de políticas que visem incentivar a produção dentro da área dos APLs em Alagoas.
O quarto capítulo oferece um rol de entidades de apoio aos APLs, e o critérios de avaliação de tais agentes. A qualidade da análise feita nesse capítulo pode ser associada ao grau de congruência com a realidade da variável-chave analisada. Nesse caso, parece ter sido sistematicamente escolhida a variável menos relacionada com a efetividade dos projetos de apoio, ao se basear principalmente nos números de ações encerradas, ações em andamento e em ações cujo marcos críticos não estão sendo superados. Para uma obra que visa formular uma estrutura de organização entre APLs e as atuais entidades de apoio para o desenvolvimento regional, a impressão é de que há pouco interesse no desempenho das ações, importando unicamente a existência de ações de auxilio e não no que estas acrescentariam ao sistema produtivo local.
Os dois últimos capítulos refletem a pesquisa rala feita anteriormente e mostram uma inconsistência argumentativa básica: uma vez “descobertos” como “dinâmicos” para a economia do estado os setores da cana e dos derivados de petróleo, qual seria efetivamente o interesse – estratégico, basilar, de mudança estrutural social ou econômica – de investir-se nos arranjos produtivos locais como opção de desenvolvimento regional? À assertiva categórica de Lustosa e Rosário em dois capítulos curtos que repetem o mesmo bordão – o caminho para o desenvolvimento de Alagoas estaria no investimento em APLs – não se agrega qualquer argumento sólido, tornando-se o livro ao final uma profissão de fé e não a obra científica originalmente proposta. Há profunda desconexão do diagnóstico com as propostas.
Felizmente, o estudo do desenvolvimento regional sobreviverá a tal atentado, por sua pertinência e pela forma como é estudado por pesquisadores sérios e comprometidos com a produção de conhecimento científico na academia e fora dela. O livro ora abordado fica como um exemplo do que não se deve fazer ao estudar o assunto.
Resenhista
Rafael Aubert de Araujo Barros – Economista. Grupo de Estudos em Economia Política e História Econômica (GEEPHE).
Referências desta Resenha
LUSTOSA, Maria Cecília Junqueira; ROSÁRIO, Francisco, José Peixoto (Orgs.). Desenvolvimento Local em Regiões Periféricas: A política dos arranjos produtivos em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2011. Resenha de: BARROS, Rafael Aubert de Araujo. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 09, n. 31, p. 230-233, janeiro, 2014. Acessar publicação original [DR]
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