Desenvolvimento, justiça e meio ambiente | José Augusto de Pádua
O livro Desenvolvimento, justiça e meio ambiente, concebido sob a orientação de Eliezer Batista e do professor Ignacy Sachs, é parte da coleção Humanitas, da Editora UFMG, e foi organizado por José Augusto Pádua, doutor em Ciências Políticas pelo Iuperj e professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o Laboratório de História e Ecologia. Pádua é ainda autor de O que é ecologia e Ecologia política no Brasil, e de vários artigos em livros, periódicos científicos, revistas e jornais publicados no Brasil e no exterior.
O livro reúne dez artigos de autores de diversas áreas do conhecimento – Economia, Direito, Arquitetura, Pedagogia, Relações Internacionais, Filosofia e Ciências Políticas. Entre os autores, há professores universitários, gestores públicos e diplomatas, além de uma promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e um ativista, sócios do Instituto Socioambiental (ISA). A variedade de perspectivas se adéqua bem ao eixo central do livro – desenvolvimento e sustentabilidade social e ambiental –, que convida a um olhar trans, multi e interdisciplinar e interessa ao conjunto da sociedade, não apenas a uma ou outra especialidade. Esse olhar se reflete no estilo dos artigos, que podem ser compreendidos por qualquer leitor leigo.
A edição da obra atende a dois objetivos principais: em primeiro lugar, apresenta as referências conceituais do trabalho de educação para a sustentabilidade desenvolvido pelo Espaço Israel Pinheiro, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Além disso, oferece uma contribuição ao debate sobre o desenvolvimento sustentável, talvez o mais relevante de nosso tempo, pois por meio dele vai se definir não apenas nosso modo de vida, mas as formas e possibilidades da continuidade da vida – humana e das demais espécies – no planeta.
O livro se divide em três partes: na primeira, intitulada “Raízes”, discutem-se as matrizes conceituais do debate – a tradição desenvolvimentista no Brasil e aproximações [1] entre a história mineira e a sustentabilidade avant la lettre (e também après la lettre, por assim dizer); a segunda, “Diagnósticos”, combina elementos das outras duas. Nela, os autores fazem uma reflexão sobre a realidade brasileira, abordando ocasionalmente sua formação histórica e, a partir daí, expõem estratégias para o desenvolvimento e a defesa da natureza junto à opinião pública. Na terceira, nomeada “Caminhos”, os temas desenvolvimento e sustentabilidade são abordados a partir da ótica dos direitos humanos, das relações internacionais, da educação ambiental e do setor empresarial; busca-se, com isso, delinear um horizonte de aproximações concretas entre desenvolvimento, justiça e meio ambiente no Brasil.
Ao longo do livro, o leitor se depara repetidas vezes com o que parece ser uma fábula de criação daquilo que, segundo Maurício Andrés Ribeiro, está se tornando um “mito unificador” [2] em nossas sociedades: a idéia de sustentabilidade, “ecodesenvolvimento” ou “desenvolvimento sustentável”. A narrativa pode ser mais ou menos detalhada, recuar mais ou menos no tempo, mas seus elementos básicos são os seguintes: o crescimento econômico do pós-guerra gerou problemas ecológicos sem precedentes. Por causa disso, expandiu-se a preocupação com a preservação do meio ambiente, que encontrou sua expressão máxima, num primeiro momento, na Conferência de Estocolmo, de 1972. Havia, por outro lado, a necessidade do desenvolvimento para superar a pobreza e as desigualdades, em especial nos países do Terceiro Mundo. A tentativa de conciliar essas duas demandas deu origem ao conceito de desenvolvimento sustentável, que consta do chamado Relatório Bruntland, das Nações Unidas, de 1987, e obteve ampla repercussão a partir da Eco-92, no Rio de Janeiro. O livro em questão (a maioria de seus artigos, pelo menos) coloca-se claramente no paradigma inaugurado por esse processo.
O livro conta com o patrocínio da Fundação Israel Pinheiro, o que parece não ter sido irrelevante para a seleção dos artigos. Israel Pinheiro foi uma personalidade fortemente identificada com o projeto desenvolvimentista no Brasil. Engenheiro e político, presidiu a criação da Companhia Vale do Rio Doce no Estado Novo e, durante os anos JK (auge do desenvolvimentismo no país, segundo o artigo de Ricardo Bielschowsky), comandou a Novacap, órgão responsável pela construção de Brasília. Por outro lado, o livro (mais especificamente, a apresentação e o artigo de Maurício Andrés Ribeiro) argumenta que o político também sempre se preocupou com os impactos ambientais do crescimento econômico. Um depoimento de Eliezer Batista – amigo de Israel Pinheiro desde 1942 – revela que a Companhia Vale do Rio Doce comprou uma área de 23 mil hectares de Mata Atlântica, sob pretexto de usar a madeira para a produção de dormentes da ferrovia, mas com o real objetivo de preservar os recursos hídricos e o “banco de dados botânicos” que a floresta representava. Daí teria surgido o Parque Estadual do Rio Doce.
Assim, não causa espanto que o livro se alinhe, com relativa acriticidade, ao discurso do desenvolvimento sustentável. Excetuando-se talvez o artigo de Vera Lessa Catalão sobre educação ambiental, há nele pouco espaço para questionamentos a respeito do imperativo do desenvolvimento e para distinções entre os conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade. Não surpreende, ademais, que o livro assuma, no mais das vezes, a perspectiva do Estado e, em menor grau, da iniciativa privada. Os movimentos sociais e o chamado terceiro setor aparecem de forma periférica na obra, quase sempre na sua relação com os Estados nacionais, ainda que se reconheça o importante papel daqueles na história do ambientalismo no mundo (a exceção neste caso é o artigo de Juliana e Márcio Santili sobre o socioambientalismo).
Cabe registrar, por fim, os limites que a estrutura do livro impõe às discussões levantadas pelos autores – formato que limita também o escopo desta resenha. A opção por múltiplas miradas sobre a questão do desenvolvimento, se por um lado dá ao leitor uma ideia da amplitude das questões que o tema suscita, por outro, força uma descontinuidade indesejável do raciocínio. Além disso, como já foi dito, ainda que as visões sejam várias, o posicionamento a respeito do tema central não se diferencia muito nos artigos. Assim, o livro pode não ser a opção mais indicada para intelectuais em busca de uma reflexão mais crítica e aprofundada sobre desenvolvimento e sustentabilidade. Apesar disso, o livro atende seu objetivo de expor as referências do Espaço Israel Pinheiro e serve como excelente introdução ao assunto. Vale ressaltar que as ideias apresentadas nos artigos, mesmo que nem sempre originais, certamente merecem ser mais discutidas em nossa sociedade, pelo menos do ponto de vista dos que veem pertinência nos conceitos de sustentabilidade, justiça social e desenvolvimento econômico.
No tempo de crise das ideologias e das grandes narrativas em que vivemos, não deixa de ser belo – e politicamente útil – o ideal enunciado pelo professor Ignacy Sachs no prefácio da obra, em que se lê: “o ecodesenvolvimento é sustentado por um duplo conceito ético: de solidariedade sincrônica com todos os passageiros da nave espacial Terra e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras”.[3] Os brasileiros, mais que muitos outros povos, temos a possibilidade de concretizar essas palavras.
Notas
1. Talvez algo anacrônicas.
2. PÁDUA, José Augusto de (org.). Desenvolvimento, justiça e meio ambiente. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Peirópolis, 2009, p.67.
3. PÁDUA, José Augusto de (org.). Desenvolvimento, justiça e meio ambiente, p.14.
Resenhista
Manuel Amaral Bueno – Graduando em Ciências Econômicas/UFMG. E-mail: manubueno1@gmail.com
Referências desta resenha
PÁDUA, José Augusto de (Org.). Desenvolvimento, justiça e meio ambiente. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Peirópolis, 2009. Resenha de: BUENO, Manuel Amaral. Temporalidades. Belo Horizonte, v.2, n.2, p.106-107, ago./dez. 2010. Acessar publicação original [DR]