Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea | David Le Breton
A obra analisada é: “Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea” sendo ela constituída por 223 páginas, e encontra-se dividida em 6 capítulos. David Le Breton é um professor de sociologia na Universidade de Strasbourg II e membro do laboratório “Culturas e sociedades na Europa”, do Instituto Universitário da França e do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Strasbourg. É um dos autores contemporâneos mais conhecidos por sua série de obras publicadas na França, como também por sua especialização em representações do corpo humano. Seu trabalho é sempre constituído por uma busca pessoal com raízes na adolescência, portanto, o autor tem grande influência nos estudos sobre o corpo e corporeidade (SOUZA, 2009).
Acredita-se que a obra de Le Breton a qual é tratada na presente discussão pode ser pensada na questão do indivíduo como um ser sem perspectiva e, portanto, fora dos movimentos de vínculos sociais. Isto é, o autor oferece uma compreensão do por que necessitamos do “desaparecer de si” temporariamente, para assim surgir a vontade de continuar viver, assim como desenvolvemos uma “paixão pela ausência”. Portanto, ao longo dessa resenha é perceptível uma referência as diversas formas do desaparecimento de si, perante a falta de desejos e da perca de perspectiva, isto é, as tentativas de fuga da realidade.
O livro traz à tona o conceito da palavra “branco” e é apontada por Le Breton as variações desse conceito de acordo com o esgotamento pessoal de cada indivíduo, como também expõe formas de compreender o motivo de tantas pessoas serem levadas pelo “branco” (ausência), visto que as mesmas buscam evitar aquilo que se tornou pesado em suas vidas. O foco do autor corresponde a um questionamento sobre esse estado emocional e de como o número de adeptos a tal prática cresce cada vez mais.
Ao iniciar o livro é notória a reflexão do autor no que diz respeito a existência do ser, pois apesar de termos condições melhores não há como escapar da ideia de ter um lugar no cerne do vínculo social. Contudo há indivíduos que não possui habilidades para se ajustarem, ou seja, não há autoconfiança, como também não encontram um apoio. Limitar-se a sua própria autoridade exige uma continua renovação de seus recursos, pois este se torna fonte. Portanto, Le Breton, ao atribuir que: “(…) já não basta nascer ou crescer, é preciso constituir-se permanentemente, manter-se mobilizado, dar sentido à vida, fundamentar suas ações nos valores.” (2018, p.10) aponta a tentação de desligar-se de si, já que qualquer desobrigação é desejada nem que seja por um instante.
O conceito do “branco” corresponde a um sentimento de saturação vivenciado pelo indivíduo. Por saturação o autor não se limita apenas ao corpo, mas sim sob o olhar do indivíduo em relação com o mundo, como um todo. Desse modo, sua existência ao entrar em contato com o “branco” é encontrada entre o vínculo social e o nada, um território intermediário.
Dessa forma, o capítulo um: “Não ser mais ninguém” refere-se a um tipo de desligamento do seu elo com a sociedade que garante uma quebra do que se era antes. Então, este indivíduo desacelera e busca certa impessoalidade, a fim de portar-se apenas como um espectador e apagar-se com discrição. Na realidade, esses indivíduos se mantêm no vínculo social, mas se refugiam em seu personagem propiciando seu isolamento, nem que este seja momentâneo. O indivíduo encontra-se em um estado de indiferença, visto que: “(…) nesse sentido, a indiferença é uma forma de ataraxia epicuriana ou de apatia estoica, uma impassibilidade diante dos acontecimentos.” (LE BRETON, 2018, p.34), ou seja, mantém uma presença fantasmagórica não há vontade de colaborar com as relações sociais, nota-se uma distância dessas interações.
Trata-se de uma expressão radical de liberdade. No caso de artistas e escritores, há essa possibilidade de liberdade com as multiplicações de personagens em suas ficções ou em sua própria existência, são maneiras de incorporar suas criações sendo possível ao mesmo tempo canalizar seus sentimentos. São “máscaras” que os envolve e contribuem para o desenvolvimento de sua profissão, vive-se entre dois mundos. Encontra-se no “branco” o esgotamento de ser si mesmo, o sentimento de querer preservar-se do esforço, e também uma solução ao sentimento da multiplicidade de si.
No decorrer do capítulo dois: “Maneiras discretas de desaparecer” o autor destaca algumas ações de desligar-se de si. A primeira delas é o “desaparecer no sono”, pois o sono é uma espécie de perca de consciência, uma trégua para que assim seja possível um retorno ao mundo com suas forças renovadas. A segunda atividade citada é o “pachinko”, um lazer comum no Japão a qual trata-se de um jogo onde o jogador se concentra na alavanca e tenta dar-lhe o exato impulso, com a correspondente força a hipnose que o jogo traz fazem com que o indivíduo deixa ser alguém, mas de forma socialmente reconhecida.
Dessa maneira, a “fadiga desejada” outra ação citada pelo autor, emprega um esforço durável e/ou por ausência de repouso, isto é, se faz necessário um sentimento de mobilização para viver momentos intensos e cheios de adrenalina. Diferente da fadiga o “Burnot” conduz a existência em uma condição de transe do trabalho, sobrecarregando a mente e consequentemente um esgotamento de si. Deste modo, a percepção dos acontecimentos a sua volta é modificada o que corresponde a “depressão”, uma experiência repressiva do desaparecimento de si, seus sentimentos e pensamentos reflete a algo doloroso.
A dissociação de personalidade também é vista como uma maneira de desaparecer, visto que a mesma geralmente é analisada como um traumatismo e se torna em uma forma de defesa, apresenta uma possibilidade de expressão diante as dificuldades pessoais. Apesar disso, a “imersão em uma atividade” guia o indivíduo a uma espécie de transe prazeroso e apaixonante, uma relação de dependência e uma alternativa de controle sobre a vida cotidiana.
Na adolescência as formas de desaparecimento de si são muitas, sendo assim o capítulo três: “Formas de desaparecimento de si na adolescência” traz à tona a aflição de jovens sobre o sentido da vida. O indivíduo convive com uma situação que não pode permitir deixar como está, são jovens que se encontram perdidos no branco. Para eles é uma forma de desaparecimento “tranquilo”, no entanto, trazem consigo consequências tais como, a dificuldade com aprendizado, justiça e problemas com bebidas. É um não estar presente para construir-se como pessoa. O espaço físico deles muitas vezes são lugares hostis, o que faz com que muitos percam o interesse de investir nos mesmos e se contentem em viver em pequenos espaços, sem nutrir um vínculo social, dá-se uma chance para o “branco” com a finalidade de não desaparecer totalmente. Guiados por aflições, estes jovens tomam atitudes radicais, como por exemplo a anorexia, afim de fugir de sua identidade e do próprio corpo, pois o mesmo corresponde a uma prisão.
A alcoolização, ou melhor, a embriaguez também é uma forma de desaparecer de si, uma espécie de busca pela leveza e euforia. Contudo, a dependência ao se tornar severa transforma-se em uma maneira de apagamento de si. Em vista disso, há a busca de maneiras mais leves de “branco”, muitos emergem em um cenário teatral nas redes sociais, o qual possibilita uma presença imaterial e oferece um mundo imaginário para o indivíduo, uma condição de Second Life. Os acontecimentos à sua volta já não surgem efeitos, tudo se torna indiferente. A adesão também é uma maneira de desligar-se, o jovem busca uma significação para sua existência, e encontra nas seitas ou movimento fundamentalista religioso uma resposta momentânea ou até mesmo duradoura, é um abandono de sua identidade pessoal para aderir a uma social, ou seja, um: refugiar-se no outro.
O envelhecimento diz respeito à uma modificação de si como também da relação com o mundo, portanto o capítulo quatro, “Alzheimer: desaparecimento de sua existência”, aborda como as pessoas idosas em nossa sociedade são lentamente limitadas de suas antigas funções, o que colabora para um abrandamento de si. As doenças e dores se tornam crônicas, dentre elas há o destaque do Alzheimer, a doença que causa uma morte simbólica e elimina as camadas de sociabilidade, ou seja, induz a uma regressão, torna-se estrangeira de si mesma e privada de memória.
O capítulo cinco, “Desaparecer sem deixar rastros”, expõe um desaparecimento provisório e controlado, sem o rompimento de vínculos. Trata-se de uma ocasião em que a história pessoal assume um plano secundário, o qual permite uma recreação social. Em algumas circunstâncias há indivíduos que passam de um mundo ao outro de uma maneira radical, adotando outra vida, língua e nome.
A capacidade que do indivíduo diante da transmissão de uma sucessão de papéis diferentes torna a existência social possível, o homem tem diversos “eus” sociais e é o debate que o capítulo seis, intitulado: “O si como ficções” apresenta, uma vez que cada um desses “eus” influencia no sentimento de identidade do indivíduo. Cada indivíduo é um vestuário de personagens pronto para se ajustarem as facetas propostas pelo seu vínculo social. O indivíduo é visto como uma constante metamorfose de si. Nossas sociedades se interessam por atividades que oferecem essa ausência, causando uma hipnose diante do computador, do celular, ou qualquer outra ação. Portanto, o desaparecimento de si não é algo irreversível, salvo exceções, mas em outras ocasiões o indivíduo pode retornar ao mundo sob uma forma favorável.
Referências
LE BRETON, David. Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2018.
SOUZA, Cláudia Machado de. ENTREVISTA COM DAVID LE BRETON. Iara – Revista de Moda, Cultura e Arte, [s. l.], v. 2, n. 2, 2009.
Resenhista
Alexia Henning – Graduanda em História Universidade Estadual de Maringá. E-mail: alexiahenning330@gmail.com
Referências desta resenha
LE BRETON, David. Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2018. Resenha de: HENNING, Alexia. Temporalidades. Belo Horizonte, v.12, n.1, p.911-915, jan./abr. 2020. Acessar publicação original [DR]