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Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes | Samuel Pinheiro Guimarães

O atual secretário-geral de relações exteriores do Brasil, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães escreve uma obra fundamental para compreendermos os principais dilemas do desenvolvimento nacional frente ao cenário já consolidado da Globalização enquanto processo no qual o Brasil está irremediavelmente inserido. É interessante localizar este trabalho, para entendermos melhor as suas motivações e apurarmos a nossa leitura.

Nos seus mais de 30 anos de carreira, Guimarães assistiu às diversas transformações na política externa brasileira, incluindo-se atuação na SUDENE e na Embrafilme durante o regime civil-militar. Foi um dos principais advogados da não-entrada do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas ao longo dos últimos 10 anos. Contudo, a notoriedade do trabalho do autor só ganhou espaço devido com a guinada nas relações exteriores do Brasil que ocorre inicialmente em 2003 e, mais notadamente, no segundo mandato do governo Lula.

Com a premissa básica do multilateralismo – ou seja, a determinação e manutenção de vias o quão plurais o possível para os diversos âmbitos das relações internacionais e entre regiões -, essa transição revela-se francamente alinhada aos avanços no acelerado processo de regionalização da América do Sul. Ao defender vias institucionais e democráticas, menos assimétricas e justas do ponto de vista sócio-economico, o trabalho de Guimarães não persiste em um antiamericanismo, ou qualquer outra via de rejeição ideológica aos países desenvolvidos.

Objetivamente, o autor argumenta que não seja mantido um comportamento dependente, periférico e subalterno do Brasil no panorama internacional – e isso deve ser fortemente considerado, se levarmos em conta o momento francamente favorável para a economia brasileira visto o seu crescimento real, com vistas para maior potencial nos próximos 20 anos.

Mas a obra de Samuel Guimarães detecta alguns problemas que devem ser urgentemente respondidos se nós desejarmos de fato alcançar uma posição digna e competitiva no ambiente internacional. O interesse nacional, acima de tudo, é a razão de importância deste trabalho.

Entretanto, não se deve tratar esse interesse nacional de forma monolítica e em cadência de servilhança a determinados setores da sociedade; não é mais possível tratar o desenvolvimento como um projeto de elites, tomando como dado de realidade uma sociedade ampla e crescidamente ciente dos seus dilemas e das suas demandas. Ao contrário do que se pode esperar o autor não aborda as velhas saídas das vias revolucionárias do século XX: seu trabalho é perturbador, sensível às questões de uma sociedade multifacetada, vivente em um país de proporções gigantes e potenciais assombrosos.

São diversos os desafios: superar o desemprego em massa; alcançar melhorias na educação fundamental, média e superior, atualmente deficitárias; demover a cultura do desrespeito contínuo e institucionalizado aos direitos humanos; equacionar a defasagem tecnológica, investindo em Ciência, Tecnológica e Inovação; trabalhar pela preservação da Amazônia e do meio ambiente como riqueza nacional; discutir o inanismo subdesenvolvimentista que hoje nos faz insensíveis sobre os matizes culturais genuinamente brasileiros, em privilégio de indústria cultural estrangeira; efetivar a inserção do Brasil em cúpulas decisórias e em espaços de solução de controvérsias no nível regional e internacional; articular manutenção da inviolavel soberania nacional, e, não menos importante, dar ênfase ao entorno estratégico geográfico da América do Sul através do fortalecimento do bloco regional.

Nada disso é ideológico, ou sequer solução de saída romântica. Em verdade, o que a abordagem nos indica é o risco de um alijamento dos cidadãos – empresários, profissionais liberais, operários, camponeses, etc – frente a concepção e atuação em um projeto nacional de desenvolvimento no século XXI pode ser postura insensata, conduzindo o país a um fracasso tão grande quanto o seu potencial. Que qualquer sujeição sócio-economica à condições precárias pode ser um forte encaminhamento à insustentabilidade social e à violência. Que qualquer instância do poder instituído sendo fragilizada por corrupção ou qualquer utilização excusa do poder, pode derivar em um transborde de problemas que contamina todo o edifício institucional da república, assim favorecendo o interesse tão somente privado e, portanto, erodindo condições de cidadania tão importantes quanto necessárias para a manutenção da ordem pública. Ainda, que a rejeição aos vizinhos sul-americanos, ao eixo sul-sul e à multilateralidade como pilar central da política externa pode derivar em complicada dependência das economias desenvolvidas, cujas quais, em mais otimista das análises, estão estruturadas em bases históricas mais sólidas para a concorrência – quando não se encontram em franca decadência face à multipolaridade efetiva no pós-Guerra Fria.

O que o autor defende, em linhas gerais, é que sejam revistas as bases paradigmáticas e práticas do que nós concebemos por desenvolvimento e as suas potencialidades; para tanto, deve- se convergir a sociedade (especialmente os históricos detentores e mantenedores do poder), respeitando-se as plurais demandas e expectativas dos diversos grupos de interesse, para uma forma democrática e justa de projeto nacional. Dessa maneira, o futuro que sempre nos pareceu próximo estaria em vias de se tornar concreto no tempo presente, para todos, de forma responsável e prudente.

“Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes” é uma obra de fôlego, ensaística, cuja leitura nos desperta para diversas questões de ordem para o desenvolvimento nacional e, portanto, para a atuação do Brasil como um global player internacional. Impossível classificar Samuel Pinheiro Guimarães como um intelectual de trabalho simplório, já que as suas idéias são de grande holismo e sofisticação; quiçá é possível trata-lo como conservador, dito que as suas projeções transformam toda a concepção de país e desenvolvimento. Talvez não tenha respostas prontas, se não o instigante desafio de abordar problemas que são tão profundos quanto a nossa história.


Resenhista

Daniel Santiago Chaves – TEMPO PRESENTE / UFRJ.


Referências desta Resenha

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. Resenha de: CHAVES, Daniel Santiago. Intellèctus. Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, 2009. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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