Del hogar a las urnas. Recorridos de la ciudadanía política femenina. Argentina, 1946-1955 | Adriana María Valobra
Adriana María Valobra é doutora em História pela Universidad Nacional de La Plata e professora desta mesma universidade. Pesquisadora do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Cientificas y Técnicas), ela ganhou vários prêmios, dentre eles um da Academia Nacional de História, em 2000, e outro da Secretaria de Direitos Humanos Bonaerense, em 2005. Diferente da maioria dos/as doutoras/es, Adriana é de origem muito humilde; foi criada em uma casa de aluguel, onde moravam várias famílias que compartilhavam o mesmo banheiro e a mesma cozinha. Com certeza, foram as dificuldades que ela enfrentou desde criança que a influenciaram em sua forma de fazer história. Cheia de paixão na pesquisa, a autora reconhece, no início de sua obra que não compreende outra forma possível de escrever que não seja com essa “fogosidade efusiva”; seu livro é uma mostra dessa entrega total, não deixando detalhe sem analisar, nem questionar. Adriana é uma pesquisadora que, além de possuir uma rica formação, teve uma enriquecedora experiência de vida, que ela bem soube aproveitar. Seus alunos aprendem a cada dia que para ser bem-sucedido na profissão de historiador/a, não é preciso ter origem em uma família de classe média intelectual; é só querer muito, gostar de história e ter muita dedicação.
Sua obra “Del hogar a las urnas. Recorridos de la ciudadanía política femenina. Argentina, 1946-1955” é um importante aporte para a construção das genealogias das mulheres argentinas, mas seu objetivo é ainda mais ambicioso: “restituir a história para as mulheres”, tentando “recuperar o passado da cidadania política feminina”.
O livro pretende estudar a sansão da lei de direitos políticos das mulheres em seu contexto de ampliação e restrição da cidadania, permeado por duas categorias analíticas: gênero (a partir da perspectiva apresentada por Joan Scott) e cidadania política (nos conceitos trabalhados por Thomas Marshall, como direitos civis, políticos e sociais). “Reconstruir e interpretar o modo em que foram pensadas, praticadas e vividas distintas dimensões da cidadania política a partir de uma visão de gênero”1. Utilizando a categoria gênero, a autora analisa as idéias de cidadania política (universalismo, igualitarismo e individualismo) praticadas pelos partidos políticos argentinos (Partido Radical, Partido Peronista e Partido Comunista) no período 1946-55.
As fontes utilizadas são muito diversas, desde jornais – trabalhando imagens, historinhas -, diários de sessão das câmaras, programas de rádio, censos, leis, discursos, curta metragens, fotografias, entrevistas. Com o uso do gênero como categoria, ela analisa desenhos, discursos, leis, projetos entrevistas, de uma forma muito didática, provocando deleite ao leitor. Adriana também trabalha com bibliografias da década dos 1940, 1970, 1980, 1990 e 2000.
A obra contém cinco deliciosos capítulos, começando pelo delineamento da trajetória das primeiras sufragistas (a italiana Julieta Lanteri e seu Partido Feminista Nacional), pela primeira vez que as mulheres votaram na província de San Juan (nos anos 1928 e 1934), pelos primeiros projetos de lei sobre os direitos políticos das mulheres e sobre como o peronismo se apropriou do discurso sufragista de uma forma ambígua e paternalista – “… voto feminino, a faculdade de escolher e de vigiar, a partir da trincheira do lar”2 – sempre vinculando a mulher aos conceitos de lar e de mãe. Porém, a diferença que o peronismo apresentava em relação ao resto dos movimentos sufragistas, sobretudo Eva Duarte de Perón, foi a “politização do lar”, essa mistura do público com o privado, da família com a política. Naturalizando, como a maioria dos opositores ao voto das mulheres, a relação das mulheres com a família e o lar, Eva Perón propôs levar a política para o âmbito “natural” das mulheres: a família. Adriana faz uma análise de gênero da lei de aprovação dos direitos políticos das mulheres de setembro de 1947. Ao fazer isso, a autora interpreta que a lei é centrada no “padrão legal masculino que se erigia como referente geral” 3, porque iguala os direitos das mulheres aos dos homens, mas não as considera como cidadãs. A “igualdade” remete a uma categoria masculinizada.
No segundo capítulo, a partir de 53 entrevistas de contemporâneos do período estudado (1946-1955), a autora pretende analisar, com base na perspectiva de gênero, a repercussão que a lei teve e as formas como se efetuaram as votações, as fraudes, o voto secreto e as primeiras representantes de mulheres no governo. Permeada pelas opiniões dos/as entrevistados/as, Valobra re-analisa o lugar que o peronismo deu às mulheres na prática, e as vivências dos entrevistados como cidadãos.
No capítulo III, analisa como as mulheres se estruturaram no partido da Unión Civica Radical, quais foram seus aportes e lideranças. Mostra alguns paradoxos dentro do partido, como a flutuante presença de agrupações femininas na UCR, a trajetória da feminista Clotilde Sabattini e de outras mulheres que tentaram reviver o feminismo dentro do partido; a ausência de mulheres nas listas do radicalismo, e a numerosa votação delas no partido (31% do eleitorado feminino votou no Radicalismo). O radical Lebensohn incitou as mulheres a “politizarem os lares”: “Vocês têm que levar este sentido da luta a vossos lares”. Esta proposta é oposta à maioria dos parlamentares que argumentavam contra o voto das mulheres, uma vez que eles afirmavam que a mulher era feita para proporcionar paz e moralidade aos lares e por isso era incompatível com a vida política, vida de luta e violência próprias da esfera masculina4, conforme concebida na época. Aqui se percebe uma intersecção, uma mistura dos mundos público e privado, fenômeno que também foi visto no peronismo.
O Partido Comunista, trabalhado no capítulo IV, efetuou dois tipos de estratégias para as mulheres, uma intra-partidária (através das células, ainda masculinizadas em sua organização e hierarquia) e outra fora do partido (com a formação da “Unión de Mujeres de la Argentina”, organização que tinha o objetivo de atrair mulheres de todos os partidos, e com a fundação da revista Nuestras Mujeres). Nas eleições de 1951, foi o partido que apresentou mais candidatas mulheres e, segundo a autora, “conseguiu instalar uma noção ampla de cidadania política, em especial a feminina, que transbordou os limites legais…”5
No último capítulo, a autora centra sua análise nos lugares de poder que as peronistas assumiram depois da morte de Eva Duarte (1952-1955). As chamadas “delegadas censistas”, nomeadas por Eva para realizar o primeiro censo das cidadãs no interior e, também, para fazerem propaganda política, estavam organizadas em estruturas hierárquicas de controle. Na ordem hierárquica de poder, acima de todos estava Perón, depois Eva, e logo as delegadas e suas assistentes. As “mulheres de Evita” deveriam ser exemplos de moralidade e boas virtudes, além de serem obrigadas a ter disponibilidade total de tempo, o que privilegiava mulheres solteiras ou casadas sem filhos. Estas mulheres foram deputadas e senadoras nos anos 1951-52 tanto no âmbito nacional como provincial.
Durante toda a obra, a autora revela os paradoxos que acompanharam o período de aprovação e aplicação da lei dos direitos políticos das mulheres, por parte dos governantes e partidos políticos, como, por exemplo, o fato de que nos comitês femininos dos partidos, muitas vezes os homens eram a maioria.
Percebemos que dificilmente a autora sai da estrutura tradicional da história oficial, tomando o peronismo como centro de seu relato. A referência cronológica é sempre o peronismo em suas distintas faces. Os demais partidos aparecem como complementares na visão oficial, hierárquica. O peronismo está gravado na linguagem e nas periodizações de toda a obra, como referente e eixo do corpo.
Para Valobra, a inclusão política das mulheres teve como efeito o desmantelamento da categoria de cidadãos como uma categoria homogênea. Adriana mostrou como as disputas peronismo-antiperonismo permearam todas as instâncias de debate sobre cidadania política feminina. “A identidade partidária primou sobre a identidade feminista”. 6
Evita apoderou-se das formas possíveis de cidadania feminina; a “evitização” da cidadania feminina uniu o público ao privado, convidando as mulheres a politizarem os lares e conquistarem poder dentro deles, construindo-se, assim, um feminismo diferente no interior do sufragismo feminino mundial.
Notas
1 VALOBRA, 2010, p.22. Tradução minha.
2 Ibidem, p.45.
3 Ibidem, p.53.
4 Sobre a idéia de esferas separadas ver: KERBER, Linda. Separete spheres, female worlds, woman’s place: the rhethoric of women history. The Journal of American History, n. 1, p.9-39, June, 1988.
5 VALOBRA, 2010. p.136.
6 Ibidem, p. 170
Resenhista
María Laura Osta Vázquez – Possui graduação em Licenciatura en Humanidades pela Universidade de Montevideo (2002) e mestrado em Master en Historia del Mundo Hispano pelo Consejo Superior de Investigaciones Científicas (2005), Madrid. Em 2008 publicou o livro El Sufragio, una conquista femenina, pela Editora Dobleclik de Montevideo, apoiado por OBSUR. Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: lauraosta@hotmail.com
Referências desta Resenha
VALOBRA, Adriana María. Del hogar a las urnas. Recorridos de la ciudadanía política femenina. Argentina, 1946-1955. Rosario: Prohistoria, 2010. Resenha de: VÁZQUEZ, María Laura Osta. Uma genealogia da cidadania das mulheres argentinas. Revista de História Comparada. Rio de Janeiro, v.4, n.2, p.125-129, 2010. Acessar publicação original [DR]