De rochedo a arquipélago: a emergência de São Pedro e São Paulo na pesquisa científica brasileira | Raimundo Arrais

Raimundo Arrais nos traz à tona um lado da história de uma das ilhas oceânicas brasileiras pouco conhecida da maioria. A sua obra retrata a importância de se analisar, do ponto de vista historiográfico, de como se deu a ocupação e permanência do Brasil neste ponto tão distante do continente.

A extensa área marítima brasileira de importância inquestionável para o desenvolvimento de uma nação já se tornou amplamente conhecida pelo conceito de Amazônia Azul, pois possui uma área equivalente a 52% do espaço terrestre, com dimensões e biodiversidades semelhantes à já tradicional Amazônia Verde. Ciente desta importância iniciou-se no País o despertar para as pesquisas científicas nas ilhas oceânicas, a saber: Ilha da Trindade e o Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Cada uma dessas ilhas possui mais de 1.000 km de distância do continente. No entanto, o desenvolvimento de pesquisas e atividades in loco nestas regiões tem sido propiciado pelo apoio logístico da Marinha do Brasil, proporcionando uma abordagem multidisciplinar dos diversos campos da ciência e, no caso desta obra, sobre a história, importância e ocupação do Arquipélago de São Pedro e São Paulo.

Quanto à Ilha da Trindade, região que este resenhista habitou durante quatro meses em 2018, situa-se na altura do Estado do Espírito Santo. Foi descoberta no início do século XVI, tendo sido explorada, esporadicamente, por ingleses, portugueses e brasileiros ao longo dos séculos. No século XX, foi definitivamente ocupada pela Marinha do Brasil em 1957, quando ali foi instalado o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT) e também principiaram as atividades científicas na região, com o ensejo do evento denominado Ano Geofísico Internacional. O desenvolvimento de tais pesquisas ganhou impulso, de forma permanente e regular, com a criação, em 2007, do Programa de Pesquisas na Ilha da Trindade, o PROTRINDADE, com o intuito de gerenciar as pesquisas científicas na Ilha da Trindade, Arquipélago de Martim Vaz e na área marítima adjacente, contribuindo, dessa forma, para a obtenção, a sistematização e a divulgação de conhecimentos científicos para a sociedade.

Em relação ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo, objeto de estudo de Raimundo Arrais, que a partir de um viés histórico “procura demonstrar o que acontece e o que aconteceu para que, do ponto de vista dos homens, os rochedos, por assim dizer, viessem à tona”. Desta forma, o autor nos apresenta no primeiro capítulo: a redescoberta das pedras, as origens e de como se deu o estabelecimento de uma política de uso do espaço oceânico, principalmente por meio de comissões navais, com destaque para o Tênder Belmonte. Neste capítulo, o autor aborda os primeiros registros existentes sobre o arquipélago, destacando-se o “intenso movimento marítimo que se sucedeu ao final do século XVI”, pois, conforme ele, este movimento “constituiu uma parte do processo de ocupação e distribuição das populações humanas em escala mundial e da interação entre elas”. Neste capítulo, percebe-se que o processo de conhecimento do arquipélago ao longo das primeiras décadas do século XX compreendia as inúmeras idas e vindas do Tênder Belmonte para as diversas atividades que se empreenderia, dentre elas a de instalação e manutenção de seu farol.

O trabalho de Arrais apresenta um mergulho profundo nas fontes primárias, tanto em Recife quanto no Rio de Janeiro, tendo como fundo primordial a documentação correlata existente no Arquivo da Marinha, alinhada a um estudo minucioso nos relatórios de viajantes e de pesquisadores insulares. É nesta tendência, que encontramos As ilhas misteriosas como título do segundo capítulo, que vai em busca das expedições científicas e hidrográficas que se estabeleceram ao longo do século XIX e permearam o decorrer do século XX.

Uma casa sobre a rocha, título do último capítulo do livro, apresenta como eixo central as preocupações do Governo brasileiro em buscar uma forma permanente de ocupação dos rochedos. As experiências apresentadas no início do século XX para o estabelecimento de um farol, que com a sua falta, culminou na narrativa de um náufrago, foram explanadas no decorrer deste capítulo para demostrar as dificuldades de se estabelecer numa região tão inóspita. Fato concreto, que se demonstrou com as diversas tentativas de construção de habitações permanentes para a instalação definitiva de uma Estação Científica que pudesse ser permanentemente habitada nas rochas.

Realmente o livro De rochedo a arquipélago: a emergência de São Pedro e São Paulo na pesquisa científica brasileira, de Raimundo Arrais, ratifica a importância de se estudar e melhor compreender o ambiente marítimo que nos cerca. Recomendo a leitura, pois debruçar-se mais sobre a história dos mares possibilitará um uso inteligente e aproveitamento total dos recursos naturais marítimos que nos cerca sem prejudicá-los. Desta forma, a gênese da “economia azul” também pode e deve ser analisada do ponto de vista historiográfico por antropólogos, sociólogos, filósofos e historiadores para que, no presente, possamos ter um uso sustentável dos oceanos preservando o meio ambiente marinho para o futuro de todos.


Resenhista

Daniel Martins Gusmão – Mestre em Arqueologia (UFS). Arqueólogo Subaquático e Historiador Naval. Pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha.


Referências desta Resenha

ARRAIS, Raimundo. De rochedo a arquipélago: a emergência de São Pedro e São Paulo na pesquisa científica brasileira. Recife: Companhia Editora de Pernambuco (CEPE), 2018. Resenha de: GUSMÃO, Daniel Martins. Navigator – Subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, v. 15, n. 30, p. 159-160, 2019. Acessar publicação original [DR]

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