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Darwinismo, raça e gênero: projetos modernizadores da nação em conferências e cursos públicos (Rio de Janeiro, 1870-1889) | Karoline Carula

A década de 1870 assinala o momento da chegada ao Brasil das “ideias novas”, como destacou Silvio Romero. Entre estas ideias, uma, o darwinismo, logrou grande sucesso entre os pensadores que buscavam fazer do Brasil um país moderno e civilizado. O darwinismo sofreu diversas apropriações e direções discursivas, sendo isto perceptível nas discussões que ocorriam nos jornais e revistas da Corte. Como exemplo dessa ampla difusão do darwinismo, temos o encontro do cientista francês Louis Couty com um fazendeiro de nome Tibiriçá. Dizia Couty (1988, p.98): “Estava eu percorrendo os títulos dos livros que via sobre a mesa de meu anfitrião, [Charles] Darwin, [Herbert] Spencer” e admitia “sem surpresa que os via ali, e que os via trazerem as marcas de uma leitura prolongada”.

O leitor que abrisse os jornais, como a Gazeta de Notícias ou o Jornal do Commercio , entre as décadas de 1870 e 1880, encontraria várias chamadas para conferências e cursos públicos na Corte que tratavam dos mais diversos assuntos discutidos pela ciência na época, quase todos perpassados pela perspectiva do darwinismo. O homem de letras desse período tinha uma ampla programação de ciência para realizar nos espaços públicos da capital do Império. Decorriam disso discussões e sociabilidades novas, permeadas pelas várias interpretações da teoria de Charles Darwin. Esse assunto é objeto de exame do livro Darwinismo, raça e gênero , escrito por Karoline Carula e publicado pela Editora Unicamp. O livro é resultado de sua pesquisa de doutoramento em história social defendida na Universidade de São Paulo. Atualmente, Carula é professora de história na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Carula amplia as discussões sobre a ação do darwinismo no último quarto do século XIX, ao espraiar a análise para além de livros de autores que pensavam a realidade brasileira pela perspectiva do darwinismo. Com efeito, a autora realiza uma análise dos espaços de recepção e discussão do darwinismo no Brasil a partir dos cursos públicos do Museu Nacional do Rio de Janeiro e das Conferências da Glória e mostra um contexto mais dilatado da circulação do darwinismo, com novas sociabilidades sendo moldadas.

De acordo com Ernst Mayr, citado por Carula (2016 , p.93), “o paradigma evolucionista”, embora fosse referido por Darwin no singular, estava fundamentado em cinco teorias independentes: (1) evolução propriamente dita; (2) descendência comum; (3) gradualismo; (4) multiplicação de espécies; (5) seleção natural. Com isso, Carula demonstra como a teoria de Darwin sofreu mutações e apareceu nas preleções públicas da Corte atendendo interesses para além do científico. Desse modo, com novos significados, “foram feitas no intuito de justificar questões de cunho social” (p.95).

Ao esquadrinhar o modus operandi do discurso científico que se esmerou em hierarquizar a sociedade brasileira, estabelecendo lugares específicos para negros, mestiços e índios, a autora revela o comportamento da elite letrada. Diz a autora que: “Em suas falas, fazendo uso de um discurso científico/cientificista, os preletores classificavam o ser humano segundo critérios variados, mas sempre com o homem branco no topo da hierarquia” (p.159). Um cientista adepto do darwinismo foi João Baptista de Lacerda. Como demonstra Carula (2016 , p.193), Lacerda estendia suas observações para questões sociais na medida em que, segundo ele, os índios seriam “inaptos ao trabalho porque seus músculos se cansavam facilmente”. Tais observações eram proferidas em comparação com o indivíduo europeu, o habitante do topo das idealizações da elite brasileira. Por sua vez, o cientista Louis Couty, que em suas preleções e demais publicações entendia a diversidade racial existente no Brasil como “laboratório de estudo antropológico” (p.161), analisou a sociedade pelo prisma da ciência. O papel de Couty pode ser mensurado pela apropriação de suas teses sobre o Brasil pela Sociedade Central de Imigração, que mobilizou ações para atrair imigrantes idealizados a fim de branquear a sociedade brasileira ( Stahl, 2016 ).

Um dos pontos altos do livro é a discussão sobre o papel da mulher no final do século XIX, sobretudo o papel a ela atribuído por homens de ciência. Nesse sentido, Carula relaciona o darwinismo com a questão de gênero e renova as intelecções sobre a maneira pela qual a mulher era vista na sociedade e que função deveria desempenhar. Das 972 preleções mapeadas pela autora, apenas duas foram realizadas por mulheres, o que “indica que aqueles espaços ainda eram concebidos como masculinos”, uma vez que, “no julgamento daqueles que selecionavam os oradores, as mulheres não possuíam saberes considerados dignos de serem compartilhados publicamente” (p.236). Cabe destacar sua reflexão sobre as ações e as ideias do médico Carlos Costa, que, além da atuação clínica, ministrou cursos e conferências na Corte, foi fundador do jornal A Mãe de Família , tendo publicado vários artigos nesse periódico.

Apesar do excesso de longas citações, o livro de Karoline Carula, ao tratar do darwinismo, revela o comportamento da elite letrada, ávida por transformar o país a partir de um processo de modernização coercitivo, na medida em que iria excluir uma parcela por ela indesejada para incluir uma parcela externa idealizada. O livro atende um público leitor que vai da graduação à pós-graduação, inserindo-se com destaque na produção historiográfica que detém sua atenção na história da ciência, e indo além, uma vez que envolve a história da imprensa, da ideia de raça e das questões de gênero. Ao mobilizar um amplo corpus documental, Carula oferece profunda compreensão do darwinismo.

Referências

CARULA, Karoline. Darwinismo, raça e gênero: projetos modernizadores da nação em conferências e cursos públicos (Rio de Janeiro, 1870-1889). Campinas: Editora Unicamp. 2016.

COUTY, Louis. A escravidão no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa. 1988.

STAHL, Moisés. Louis Couty e o Império do Brasil: o problema da mão de obra e a constituição do povo no final do século XIX (1871-1891). São Bernardo do Campo: Editora UFABC. 2016.


Resenhista

Moisés Stahl -Doutorando, Programa de Pós-graduação em História Econômica/Universidade de São Paulo. São Paulo. orcid.org/0000-0001-7851-2215 E-mail: moisesstahl@usp.br


Referências desta Resenha

CARULA, Karoline. Darwinismo, raça e gênero: projetos modernizadores da nação em conferências e cursos públicos (Rio de Janeiro, 1870-1889). Campinas: Editora Unicamp, 2016. Resenha de: STAHL, Moisés. As muitas faces do darwinismo no Brasil do século XIX. História, Ciência, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, v.26, n.3, jul./set. 2019. Acessar publicação original [DR]

 

Itamar Freitas

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