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Dancing with the revolution: Power, Politics, and Privilege in Cuba | Elizabeth Schwall

Nos últimos anos, historiadores e historiadoras dedicadas à História de Cuba têm analisado a Revolução, iniciada em 1959, para além de paradigmas predominantemente econômicos e políticos. Essa corrente historiográfica, defensora do estudo da “Revolução a partir de dentro” (BUSTAMANTE; LAMBE, 2019), tem abarcado uma série de temáticas ligadas às políticas culturais, ao papel de marcadores sociais da diferença e do cotidiano para entender a história do país após a ascensão do Movimento 26 de julho ao poder. Entre as obras que se enquadram nesta perspectiva está Dancing with the Revolution: power, policts and privilegie in Cuba, da historiadora Elizabeth B. Schwall.

Lançado em 2021, o livro é um dos novos volumes da coleção Envisioning Cuba (The University of North Carolina Press), sendo resultado da tese de doutorado em História da autora, defendida na Columbia University. Docente da Northern Arizona University, Schwall é especialista nas relações entre arte e revolução e possui, para além de vasta produção, a experiência como dançarina, o que lhe permite um olhar sensível ao tomar como objeto de análise o balé, a dança folclórica e a dança moderna em Cuba ao longo do século XX. A partir de uma perspectiva historiográfica, que transita entre a História Social e a Cultural, a autora analisa de que forma os três estilos de dança foram mobilizados entre os anos 1930 e 1990 por sujeitos, pelo Estado e pela sociedade cubana.

A hipótese central da obra afirma que, como expressão de apoio ao governo ou como expressão de resistência e contestação, a dança ocupou papel central na construção de narrativas, subjetividades e identidades em Cuba ao longo do século XX. Schwall defende que a análise da constituição dos campos artísticos do Ballet, da dança moderna e da dança folclórica permite problematizar as relações de poder e privilégios de raça e gênero em Cuba, apesar dos discursos de igualdade e superação das diferenças empregados pelo governo. A proposta se sustenta em três constatações: (1) na primeira metade do século XX, a dança de concerto se afirmou como uma prática social e cultural de grande importância em Cuba; (2) depois da revolução, houve um grande incentivo à criação de novas companhias e formação de dançarinos de forma a inserir a dança em projetos políticos e (3) a articulação entre as duas constatações anteriores levou Cuba a se tornar, na década de 1980, um país internacionalmente conhecido no campo da dança.

Mobilizando uma vasta pesquisa documental, a autora apresenta um olhar particularmente inovador ao se atentar principalmente para a trajetória de indivíduos. De forma semelhante, apesar das particularidades existentes, a abordagens já conhecidas no Brasil, como Villaça (2004) e Miskulin (2009), que tomam a arte como objeto de análise, Dancing With The Revolution parte da vida e produção de coreógrafos, dançarinos, diretores, figurinistas e outros, para reconstituir o pano de fundo que leva a reflexões sobre poder e política em Cuba. Para isso, foram utilizadas entrevistas, cartas, memorandos, esboços de figurinos, roteiros, performances gravadas, fotografias, memórias, publicações, entre outras fontes diversas. A partir desse conjunto de vasta tipologia documental, Schwall amarra a história do país com as experiências de sujeitos que construíram o campo da dança em Cuba.

Dividido em sete capítulos, para além de introdução e epílogo, o livro se organiza em perspectiva cronológica e temática, tendo em vista que apesar de cada capítulo focar em um contexto específico, ele possui um eixo estabelecido a partir de um aspecto central a ser analisado. O primeiro deles, Valuing Ballet in the Cuban Republic, aborda o processo de institucionalização do Ballet em Cuba a partir dos projetos criados por artistas como os irmãos Alberto e Fernando Alonso e a dançarina Alicia Alonso. Concentrandose no período pré-revolução, Schwall percebe as estratégias para a fundação de companhias na ilha, com ênfase nas tratativas para que o governo apoiasse as iniciativas através da contratação de grupos para performances públicas e na distribuição de financiamentos. Nesse cenário, a autora discute sobre como as companhias de dança foram espaços entendidos, por vezes, como “seguros” para homens homossexuais, mesmo que não de forma explícita ou recorrente. Em paralelo, registra-se a racialização dos espaços de dança, o que levou uma série de homens negros e mulheres negras a perderem espaço, formações e oportunidades.

Performing Race and Nation before 1959, segundo capítulo, analisa a centralidade de dançarinos/as negros/as, a exemplo de Irma Obermayer, para a construção da dança de concerto em Cuba, em especial na popularização dos estilos folclóricos e da dança moderna. Segundo Schwall, enquanto o ballet permaneceu como um espaço racializado, os estilos mais vanguardistas foram espaços de destaque da população Afro-cubana. Ao focar nas performances de nacionalismo, a autora entende as formas pelas quais a branquitude seguiu como elemento central da representação da cubanidade por meio da dança, apesar da presença e produção de artistas negros/as. Para isso, além de analisar os estilos, são reconstituídas as trajetórias de sujeitos como Chamba, Katherine Dunham e os integrantes de Las Bolleras, para além de Obermayer, e a construção de espaços como os cabarés como palcos alternativos.

O terceiro capítulo, Dance Institutionalization after 1959, discute os efeitos da Revolução Cubana no processo de institucionalização da dança como parte do Estado. Além da criação de instrumentos que permitiram a instrumentalização da dança como parte das políticas culturais revolucionárias, nesse período ocorreu a expansão do número de artistas negros em companhias de dança folclórica e moderna apoiadas pelo Estado, além do crescimento de bailarinos/as negros/as em companhias já existentes. Apesar disso, as estruturas raciais permaneceram presentes, revelando uma contradição em torno da incorporação destes artistas de forma mais ampliada. Em contrapartida, as práticas racistas e racialistas não impediram a mobilização, resistência ou agência. Além dessas questões, um outro aspecto perpassa o capítulo: como e os motivos que levaram o balé, em meio a outros estilos, a ser considerado pela Revolução como uma dança “exemplar”, passando a ser privilegiada frente às demais, ao passo que dançarinos e coreógrafos passaram a incorporar os ideais revolucionários em suas performances.

A discussão sobre o ideal do “novo homem”, a partir das concepções de Ernesto “Che” Guevara, atravessam o quarto capítulo. Choreographing New Men and Women discute como gênero e sexualidade, aos olhos do Estado cubano, foram mobilizados para a construção de representações de Cuba por meio da dança. Percebendo a centralidade da sexualidade, a autora destaca que dançarinos e coreógrafos homossexuais se viram, por vezes, em um ponto “cinza” ao olhar do Estado, tendo em vista que apesar de não serem considerados inimigos, também não eram considerados verdadeiramente revolucionários. Esse espaço complexo gerou tanto perseguições como a criação de estratégias para que homossexuais saíssem temporariamente do país em turnês. Não somente a questão de gênero e sexualidade foi central, mas a intersecção com raça/etnia, ocuparam papel central na trajetória de artistas como Eduardo Rivero.

A criação de um público de espetáculos de dança em Cuba ocorreu, a partir da influência do Estado, entre as décadas de 1960 e 1970. Reconstruindo a trajetória de grupos como Aficionados, conhecidos como performers de dança folclórica e moderna, o quinto capítulo analisa como diferentes estilos precisaram criar formas de manter um público interessado e recorrente. Intitulado Dancing Public, o capítulo aborda as discussões sobre educação e cultura que perpassaram esse processo, a fim de pensar a relação entre a suposta “alta cultura” e a “cultura do povo”. Discutindo a definição de arte revolucionária, a autora defende que as décadas de 1960 e 1970 foram centrais para a incorporação da dança nos discursos educacionais e como princípio de formação dentro da revolução. Esse processo influenciou não somente na construção de identidades nacionalistas em Cuba (e suas representações no exterior), mas incentivaram a aproximação de setores sociais e políticos com companhias de dança, possibilitando a incorporação de novos patronos e a formação artística.

O sexto capítulo, Dance Internationalism, concentra-se na hipótese que a dança produzida em Cuba configurou uma forma de soft power no plano internacional, tornando-se uma espécie de capital simbólico e político. Situada nas décadas de 1970 e 1980, essa parte da obra discorre, por um lado, sobre como a dança folclórica e moderna possibilitaram a aproximação com países da África a partir de performances com artistas negros e narrativas anticoloniais. Em outra instância, o balé foi entendido como um estilo que permitia uma aproximação com a Europa e a América Latina, em especial pela construção desse gênero como um espaço majoritariamente branco. Dessa forma, para além de uma política cultural de divulgação de imagens sobre Cuba e a Revolução, o uso estratégico e calculado de determinados estilos, por meio da contratação e do apoio a determinadas companhias de dança, envolveu tensões raciais e usos da branquitude e negritude a serviço do governo revolucionário.

Após focar na circulação internacional, Opening Dance, concentra-se nas políticas culturais internas que ocorreram em Cuba entre 1970 e 1990. Por meio da trajetória de artistas, como a afro-cubana Caridad Martinez, além de outros já citados, como Ramiro Guerra, a autora concentra-se principalmente nos efeitos do colapso da União Soviética e os efeitos do Período Especial em Tempos de Paz, no campo da dança. Argumenta que apesar da estabilidade parcial existente na dança cubana, esse período foi marcado pela sua fragmentação e a criação de diferentes conjuntos, a exemplo do The Havana Ballet Theater. Por meio da análise das diferentes produções, percebe-se a continuidade de práticas racialistas e de censuras pelo governo em paralelo a um período marcado pela efervescência artística e a emergência de novos grupos que, descontentes com o cenário vivido, passaram a construir caminhos independentes de figuras como a família Alonso.

Ao longo de sete capítulos, Dancing with the Revolution, aborda a relação entre política, sociedade e cultura em Cuba a partir da dança ao longo do século XX. Percebendo as estratégias para que cada estilo (balé, dança folclórica e dança moderna) se estabelecesse no país, Schwall discute de que forma os segmentos de dança foram incorporados, sobreviveram e/ou se adaptaram ao contexto vivido. Se, por um lado, é realizada uma larga discussão teórica, política e institucional, como pano de fundo estão as vidas, as experiências, as existências e a resistências de bailarinos, coreógrafos, figurinistas, diretores, entre outros.

Em vez de focar nos grandes eventos e seus efeitos na sociedade, a autora parte da trajetória de figuras, a exemplo a família Alonso, Ramiro Guerra, e Irma Obermayer, para problematizar as tensões políticas, os usos da dança e a construção do campo artístico em Cuba, sempre em relação à sociedade, ao contexto e ao governo. Ao perceber os sujeitos, suas atuações e, em diversos casos, contradições (como nas vezes em que Alicia Alonso afirmou não fazer política por meio da arte), Schwall analisa as tensões na intersecção de sexualidades, classe e, principalmente, de raça/etnia na dança e em grupos performáticos. Soma-se a isso o fato de Cuba ser o palco central, mas por diversas vezes são realizadas análises sobre a circulação internacional de artistas, espetáculos e companhias, o que reafirma o papel da arte para construção de uma imagem externa do país, para além da construção de uma identidade revolucionária internamente.

Aos/as interessados/as pela História da Revolução Cubana, assim como pesquisadores/as na área de História da Arte e História do Tempo Presente, Dancing with the Revolution é uma obra que se afirma como fundamental. Por meio de sua abordagem, Schwall desloca o olhar de uma história contemporânea de Cuba que destacaria apenas aspectos políticos e econômicos para a vida da arte no âmbito cotidiano. Ao realizar essa operação, relembra um princípio básico da história da arte (RANCIÈRE, 2021): apesar da produção ocupar lugar central, é por meio da relação sujeito-obra-contexto que se percebem as imbricações, as mobilizações, os sentidos e as temporalidades que existem na arte. Assim como diversos movimentos de dança analisados, a autora transita, articula, costura e reorganiza recorrentemente o cenário e os personagens de forma a perceber a complexidade da temporalidade vivida pelos seus sujeitos de análise.

Referências

BUSTAMANTE, Michael; LAMBE, Jennifer. The Revolution from Within (Cuba, 1959– 1980). Carolina do Norte: Duke University Press, 2019. p. 33-46.

MISKULIN, Sílvia Cezar. Os intelectuais cubanos e a política cultural da Revolução (1961-1975). SP: Alameda, 2009

RANCIÈRE, Jacques. Tempos Modernos: arte, tempo, política. SP: n-1 edições, 2021.

VILLAÇA, Mariana Martins. Polifonia Tropical: experimentalismo e engajamento na música popular (Brasil e Cuba, 1967-1972). SP: Humanitas/FFLCH/USP, 2004.


Resenhista

Igor Lemos Moreira – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bolsista CAPES. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6353-7540. E-mail: igorlemoreira@gmail.com


Referências desta Resenha

SCHWALL, Elizabeth. Dancing with the revolution: Power, Politics, and Privilege in Cuba. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2020. Resenha de: MOREIRA, Igor Lemos. Tensões, políticas e racializações na dança cubana ao longo do século XX. Revista Eletrônica da ANPHLAC, v. 22, n. 33, p. 365-371, jan./Jun. 2022. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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