O livro Da Monumentalidade à Demolição: O Prédio do Jardim da Infância anexo à Escola Normal de São Paulo (1896-1939) (2021), de Sandra Aparecida Melro é fruto da sua dissertação de mestrado defendida em 2019, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob a orientação da Prof. Mirian Jorge Warde, que prefacia este livro. A dissertação de Melro (2019) compõe um escopo de pesquisas orientadas por Warde, nos últimos 25 anos, acerca da Escola Caetano de Campos, antiga Escola Normal de São Paulo, desde sua criação, mas com atenção no período da Proclamação da República até os anos de 1930, instituição que representa os ideais republicanos para a educação paulista que se tornou modelo nacional.
Melro (2021) faz excelente uso das publicações sobre o tema, apresentando, por sua vez, uma importante contribuição para os estudos sobre a educação, no período pesquisado, sobretudo sobre o Jardim de Infância e as propostas republicanas para a educação nacional que previam abranger a população em geral, incluindo o estrangeiro.
Após uma laboriosa curadoria, a autora apresenta uma diversidade de figuras que são analisadas ao longo dos capítulos, dentre elas mapas da cidade, recortes de jornais de grande circulação em São Paulo, croquis, ambientes internos do Jardim de Infância e da Escola Normal e fotos de pontos relevantes da cidade de São Paulo. Os procedimentos analíticos adotados apontam para uma forma séria e comprometida da utilização das figuras como fontes e não como meras ilustrações distribuídas ao longo do livro, que juntas formam um compósito que permite ao leitor compreender o tempo e as especificidades da história apresentada no livro.
Além da introdução, o livro está organizado em três capítulos e considerações finais. Na introdução, a autora apresenta a organização do livro, traz a ambiência política, o ideário das propostas republicanas, sobretudo as paulistas, que se tornariam modelares e atores relevantes para a pesquisa como: Caetano de Campos, Prudente de Morais, Rangel Pestana e Prestes Maia.
No capítulo 1, Transformações físicas e administrativas na Instrução Pública a partir da Proclamação da República, são apresentados os princípios liberais republicanos que previam a instrução pública como via de inserção de toda população brasileira em um mesmo projeto político e as transformações na instrução pública ao longo do período. Destaca-se a relevância dos quadros elaborados pela autora que apresentam as configurações políticas educacionais paulistas, trazendo informações sobre as continuidades, permanências e alternâncias na ocupação dos cargos, o que contribui para a compreensão da narrativa da autora. De acordo com Melro, a concepção dos paulistas, pautada no princípio das luzes, tinha a educação como a única salvação para população, que segundo eles, vivia até aquele momento de maneira anárquica e sem modos. Nesse sentido, só a proposta de educação republicana seria capaz de alterar esse quadro, para tanto, foi necessário romper com o coronelismo e a oligarquia. A autora aponta a importância do Jardim de Infância, criado a partir da proposta dos Kindergartens e sustentados na concepção de Froebel, dentro do projeto republicano de modelização e moralização do povo, visto que pertencia a Escola Normal, locus de formação e prática das futuras professoras. A autora expõe as discussões nas Conferências de Educação organizadas pela Associação Brasileira de Educação (ABE) sobre a manutenção e importância do Jardim de Infância para a formação do professorado. No entanto, a queda no número de matrículas, os resultados insatisfatórios e o alto custo para manutenção do prédio foram motivos que o desfavoreceram uma vez que “[…] ocupava uma área nobre da cidade, cobiçada pelos engenheiros e urbanistas que empenhavam tanto esforço para implantação de modernizações na promissora metrópole” (MELRO, 2021, p. 80). De acordo com a autora foram criadas legislações para os Jardins de Infância e as matrículas aumentaram na década de 1930, no entanto, as transformações político-administrativas em curso levaram a uma grande intervenção urbanística que pôs fim ao prédio no ano de 1939.
No capítulo 2, Transformações da cidade: a urbanização traçando novas direções e limites na arquitetura da metrópole paulistana, destaca-se a relevância da apresentação de cerca 20 figuras e 6 mapas que mostram o desenvolvimento urbanístico-arquitetônico da cidade de São Paulo, apontando os aspectos belos de um governo republicano, como também as mazelas de um crescimento desordenado em meio a epidemias, pobreza, indigência e especulação imobiliária, sendo a última, uma das razões do afastamento da população pobre dos grandes centros. Ao longo do capítulo a autora explora a configuração da transformação e crescimento da cidade, como a escolha dos nomes das ruas, praças entre outros, e suas razões políticas. De acordo com Melro, a cidade de São Paulo se transformou diante da necessidade, da nova elite, de produção de um novo espaço urbano para viver, que se deu por meio de uma política negligente aos fatores sociais. Assim como Souza (1998, 2009), Melro (2021) aponta a relevância da arquitetura escolar como um dos símbolos de poder da República. Destaca que, de 1890 a 1920, houve um grande número de construções de prédios escolares, com pouca variação nas plantas das edificações, chegando a serem idênticas as construções em lugares distintos do Estado. No entanto, destaca a importância da construção de fachadas diferentes, para plantas iguais, imprimindo a cada edifício uma identidade. Quanto ao prédio da Escola Normal, aponta já no final do capítulo as sucessivas mudanças no prédio acompanhada de uma rica sequência de figuras.
No capítulo 3, A destruição da arquitetura: o monumento caiu por terra, a autora apresenta as plantas da cidade para discutir como o prédio do Jardim de Infância compunha as transformações da metrópole, que apontam para os desvios de ruas que depois se tornaram grandes avenidas. A autora apresenta as mudanças dos projetos políticos, que deixam de construir grandes monumentos e passam a planejar a cidade pela remodelação viária em atendimento ao crescimento industrial. Nesse sentido, Melro (2021), afirma que “[…] o crescimento se deu com o sacrifício do passado” (p. 183). O Plano de Avenidas previa além do alargamento e construção de ruas e avenidas, a verticalização da cidade, sob a justificativa do aumento do número populacional que se aproximava de1 milhão de habitantes. Melro destaca os conflitos entre o governo paulista e o governo Federal sob o comando de Getúlio Vargas. A autora aponta que o Plano de Avenidas ficou engavetado até 1938, quando Gabriel Prestes Maia assume a prefeitura de São Paulo e começa as desapropriações para reformulação viária. Em 1939, o prédio do Jardim de Infância é demolido e as crianças são alocadas em salas ociosas da Escola Normal, que segundo a autora, eram espaços improvisados e inadequados, tal como são apresentados em fotos nas páginas 195 a 197.
Ao finalizar a leitura deste livro, nota-se a qualidade e diversidade de fontes apresentadas. Diante disso, é possível afirmar que Melro (2021) se apropriou dos procedimentos apontados por Farge (2009) que aponta a recolha e seleção de fontes como uma etapa delicada, a ser desenvolvida com cautela, paciência e especial atenção às entrelinhas marcadas nos documentos. Melro, dotada de criticidade em suas análises, traz apontamentos que permitem ao leitor compreender o processo de demolição do Jardim de Infância, sem nenhum momento distanciar-se das questões políticas, sociais e culturais. Diante do exposto, é possível afirmar a relevância desta obra para a História da Educação brasileira, sobretudo para pesquisadores que pretendem estudar as instituições (pré-)escolares da cidade de São Paulo.
Resenhista
Rosana Carla de Oliveira – Universidade Federal de São Paulo https://orcid.org/0000-0003-1658-8729 http://lattes.cnpq.br/2576647385650912 E-mail: rosanatts1@gmail.com
Referências desta Resenha
MELRO, Sandra Aparecida. Da Monumentalidade à Demolição: O Prédio do Jardim da Infância Anexo à Escola Normal de São Paulo (1896-1939). Curitiba: Appris, 2021. Resenha de: OLIVEIRA, Rosana Carla de. A destruição de uma arquitetura: da monumentalidade à demolição, o Jardim da Infância de São Paulo (1896-1939). Cadernos de História da Educação, v.21, e099, 2022. Acessar publicação original [DR]
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