A organização do Dossiê Cultura e Poder, apresentado como o primeiro número da Revista Trilhas da História, resulta da seleção de textos produzidos para o VI Ciclo de Palestras “A História em Movimento: Cultura e Poder na Antiguidade e no Tempo Presente”, ocorrido em 2010, no campus de Três Lagoas, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Resulta também de trabalhos desenvolvidos no Curso, em 2011. Já no contexto do Ciclo tínhamos por objetivo discutir a história antiga e no tempo presente, buscando culturas, poderes e saberes em objetos, sujeitos e tempos distintos.
Se o objetivo, neste momento, é a abertura de trilhas na história, nada melhor que iniciarmos com o texto “Homossexualidade na Bíblia Hebraica ou uma Historiografia Bicha?”, de Fernando Cândido da Silva, ao problematizar, de forma provocativa, esta temática da cultura e poder, mostrando a sua relevância na construção de outras histórias, não apologéticas, nem muito menos neutras, mas reveladoras da potencialidade que o tema enuncia.
O texto “As transformações das imagens de Dioniso (séculos VI e V a.c): o caso da Tirania”, de Leandro Mendonça Barbosa, contribui semelhante ao anterior, para refletirmos sobre a importância dos estudos da antiguidade. Ao trabalhar, com maestria, as transformações da imagem de Dioniso, por meio da análise dos vasos fabricados nos séculos relacionados e de pesquisadores que tratam da temática, o autor discorre sobre a utilização deste deus pelos governos liderados pela tirania, observando como as divindades campestres tornaram-se presentes no meio urbano.
O texto “O Batalhão Sagrado de Tebas: militarismo e homoafetividade na Grécia Antiga”, de Fortunato Pastore, dando continuidade aos estudos da antiguidade, objetiva, conforme o autor, contribuir para a compreensão da “capacidade militar do Batalhão Sagrado de Tebas, unindo fatores e interpretações que, geralmente, se apresentam separadas ou com frágil vinculação”. O cerne está na discussão da relação entre a capacidade militar e a homoafetividade na Grécia Antiga, partindo da análise de Epaminondas, apresentado como o principal representante do Batalhão Sagrado de Tebas, e um dos responsáveis pelas inúmeras vitórias desse corpo militar.
Adentrando as reflexões do presente – ou de um presente mais próximo – a discussão de Isabel Camilo de Camargo, em “A ocupação de Paranaíba no século XIX e a gênese do latifúndio na região”, traz o debate do século XIX para este tempo, ao enunciar o processo de ocupação da terra no sul de Mato Grosso, e enfatizar a gênese da grande propriedade em Paranaíba, com o olhar para os sujeitos envolvidos. Sua discussão inova por propor um debate para além da história dos pioneiros, ao enfocar as pessoas comuns como agentes da história e problematizar a questão da escravidão, tão importante por adentrar na “periferia” da escrita da história e se dispor a discutir abordagens consagradas na historiografia regional.
O artigo “Dinâmica econômica e organização territorial da Mesorregião Leste de Mato Grosso do Sul”, de Patrícia Helena Minali e Edima Aranha Silva, ambas geógrafas, contribui para a história e a compreensão das relações de poder, ao enfocarem a “ferocidade das ações” e as mudanças na dinâmica territorial da Mesorregião Leste de Mato Grosso do Sul, particularmente com o aumento ostensivo do plantio de eucaliptos, visando atender aos interesses do capital. As figuras apresentadas pelas autoras (mapas, tabelas), em especial as que se referem ao modelo celulose-papel, possibilitam entender o peso do poder da empresa Votorantim na ocupação de espaços em redes geográficas pelo globo terrestre, internacionalizando o trabalho e, consequentemente, a exploração do meio-ambiente, do trabalhador e da sociedade como um todo.
Os artigos “Sob a Insígnia do Trabalho: Notas Sobre a Potencialidade Transitivo-Fundacional da Sociedade”, de Júlio Cezar Ribeiro, e “Um exercício historiográfico sobre o tema trabalho: um breve ensaio”, de Juliano Alves da Silva, discutem a importância do trabalho como categoria analítica e expressão da ação humana, a partir de abordagens que propõem tanto o debate teórico, particularmente o primeiro, quanto a reflexão das experiências do cotidiano dos sujeitos no presente, a exemplo da classe trabalhadora nas indústrias de Aparecida do Taboado-MS, realizada por Silva. A questão do poder norteia as abordagens, pois é impossível discutir o trabalho sem relacioná-lo ao poder.
O texto “Edificando a diferença: mecanismos de Biopoder durante a construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira”, de Tiago de Jesus Vieira, aponta para os mecanismos de poder utilizados pela empresa responsável na construção da hidrelétrica de Ilha Solteira e, mais que a usina, pela edificação da cidade e a estratificação dos sujeitos. Utilizando o jornal “O Barrageiro”, e fontes da CESP, entre outras, inspirado em Michel Foucault, discorre sobre os meandros de poder e os interesses implícitos nas práticas da empresa.
O ensaio de Graduação “A ditadura econômica e a política autoritária: subversão dos militantes católicos do IAJES na região do Alto Paraná”, de Marcelo Fernandes Brentan, principiando pela análise das formas repressivas de Getúlio Vargas aos anos da ditadura militar, tal como sobre os projetos econômicos desses contextos, busca analisar as pastorais sociais e parte da igreja católica na região do Alto Paraná, com o olhar para a relação entre a igreja e a política. A sua preocupação está em problematizar o papel do IAJES (Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor), nos anos de 1960 e 1990, entendendo-o como propulsor de novos movimentos sociais.
Outro ensaio de Graduação, que traz uma temática profundamente relevante sobre a cultura e poder, é o de Larissa Fernanda Garcia Botacci, em “A construção social do sexo: alguns aspectos a considerar sobre a terceira idade”. Partindo do estudo sobre os sentidos da sexualidade dos idosos, a autora busca “descortinar alguns significados e implicações do comportamento sexual no processo de envelhecimento”. A sua abordagem é instigante para repensarmos o lugar ocupado pelo idoso em nossa sociedade. Ao desvendar preconceitos possibilita que possamos avançar no debate.
O terceiro ensaio de Graduação, “A luta pela terra em Andradina-SP: os posseiros da Fazenda Primavera”, de Hélio Carlos Alexandre, apresenta uma discussão fundamental para pensarmos a cultura e o poder na história do Brasil. Ao trabalhar a questão agrária na fazenda Primavera e a luta dos posseiros até o assentamento Primavera, o autor nos faz enxergar os homens e mulheres que há décadas construíram suas histórias, alicerçando ações em memórias de luta. Ao analisar esses sujeitos, o autor, por ser parte dessa história, em meio a ela vai se enredando, mostrando a trama que envolve milhares de famílias brasileiras, historicamente relegadas ao peso do latifúndio, do poder econômico e político que impera em nossa sociedade.
Somando-se aos Artigos e Ensaios temos ainda duas Resenhas. A primeira de Charles Assi, graduando em História, na UFMS de Três Lagoas, e da autora desta apresentação. A obra resenhada, “Nervos da terra – Histórias de Assombração e Política entre os Sem-Terra de Itapetininga-SP”, do antropólogo Danilo Paiva Ramos, conta histórias e memórias da luta pela terra, a partir do estudo das narrativas das “histórias de assombração”, contadas pelos assentados, entrelaçando luta e política. Uma abordagem instigadora do diálogo entre a História e a Antropologia.
A segunda Resenha, escrita pelo graduando em História, do CPTL / UFMS, Dante Duran Previatti de Souza, apresenta o livro: O mundo se despedaça, de Chinua Achebe. Uma obra que retrata a cultura e a ancestralidade Ibó, da qual Achebe é descendente. Conforme Souza, a abordagem deste autor imprime à obra “um caráter histórico, além do literário”. A seleção desta Resenha, produzida por um acadêmico do segundo semestre do Curso, expressa a esperança de que os graduandos continuem a produzir textos de qualidade, passíveis de serem publicados e horizontes para as novas pesquisas.
Temos ainda uma parte muito especial: as Fontes. Esta seção traz o texto “A utilização de processos-crime em busca de novos sujeitos: perspectivas e desafios”, de Joycimeire Carlos Lélis e Rejane Trindrade Rodrigues, ambas graduandas de História, da UFMS. Na apresentação da fonte, as autoras escolheram um fragmento de um processo criminal, instaurado em Sant’Ana do Paranaíba, em 1881, que versa sobre uma história de amor e de violência. Fazendo um exercício teórico-metodológico, observam os caminhos e descaminhos na interpretação de fontes desta natureza.
As trilhas da história fazem com que sujeitos e tramas se entrelacem, em lugares e tempos diversos: na antiguidade e no presente; na graduação e pós-graduação. Produções advindas de outras áreas, como a Geografia e a Antropologia, contribuem para a confecção de saberes que vão além das especificidades das disciplinas, por possibilitarem um diálogo rico e constante, num exercício interdisciplinar. Que nossas trilhas permaneçam assim, entrelaçando áreas e conhecimentos (de doutores, doutorandos, mestres, mestrandos, graduados e graduandos…) em caminhos que somente se efetivam no desafio da escrita e no sabor da pesquisa.
Maria Celma Borges
Primavera de 2011.
BORGES, Maria Celma. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.1, n.1, jun. / nov., 2011. Acessar publicação original [DR]
Décima sexta edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Décima sétima edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Vigésima segunda edição. N.03. 2023 Edição 2023.3 Publicado: 2023-12-19 Artigos Científicos Notas sobre o curso de…
Publicado: 2024-06-19 Artigo original A rota dos nórdicos à USPnotas sobre O comércio varegue e o…
Quem conta a história da UFS, de certa forma, recria a instituição. Seus professores e…
Publicado: 2023-06-30 Edição completa Edição Completa PDF Expediente Expediente 000-006 PDF Editorial História & Ensino 007-009…
This website uses cookies.