Este dossiê temático é fruto dos trabalhos apresentados no IV Colóquio Cultura e Educação na América Portuguesa, que aconteceu em junho de 2018, na cidade de Diamantina, MG. Patrocinado pelo Grupo de Pesquisa Cultura e Educação nos Impérios Ibéricos (CEIbero) e pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), com o apoio financeiro da CAPES, o evento tentou agregar pesquisadores que tratam de temáticas correlatas à educação no período colonial brasileiro. É importante salientar que este é um período ainda pouco explorado no campo da História da Educação. Talvez a dificuldade maior apresentada ao historiador da educação seja a habilidade na leitura documental, mas soma-se também uma perspectiva de seus interesses se aproximarem de uma temporalidade mais próxima da atualidade, além da forte tendência e preocupação de restrição das pesquisas à análise do período da ampliação da escolarização brasileira e, consequentemente, a valorização de investigação de instituições escolares. Neste dossiê apresentamos a história de instituições e práticas educativas, na maioria caracterizada como não escolar, uma vez que o período colonial foi marcado por poucas estratégias escolares para a maioria da população que habitava a América Portuguesa.
Dentro da perspectiva da história da educação confessional feminina, iniciamos o dossiê pelo artigo de minha autoria, intitulado Documento, interpretação e representação: os anos iniciais da Casa de Oração do Vale de Lágrimas, Vila de Minas Novas, 1754. Neste artigo busco analisar um conjunto documental que trata da história de uma instituição que poderia ser caracterizada enquanto Recolhimento aos olhos do arcebispo baiano Dom José Botelho de Matos, porém, tanto as mulheres que habitavam a referida casa, quanto a população local tentavam convencê-lo de que lá era apenas um espaço de ensino. O documento representa uma intencionalidade local de enganar o religioso e não deixar que a instituição passasse a ser controlada pelo arcebispado, caso fosse caracterizada como um recolhimento feminino.
A seguir apresentamos o artigo de Breno Leal Ferraz Ferreira, A crítica a “tudo quanto apresenta um caráter de fabuloso” nas memórias de Alexandre Rodrigues Ferreira redigidas na Viagem Filosófica (1783-1792). O autor analisa a crítica ilustrada do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) acerca das narrativas fabulosas sobre a América. Durante as suas viagens filosóficas pelas Capitanias do Grão Pará, Rio Negro e Mato Grosso, o naturalista, formado na Universidade de Coimbra, narrou as suas experiências com os povos indígenas da América Portuguesa.
No artigo Política, Instrução Pública e Civilização: um exercício de pesquisa a partir dos Relatórios dos Presidentes da Província de Minas Gerais, Danilo Araújo Moreira analisa uma documentação muito utilizada pelos historiadores da educação, especialmente por aqueles que tratam das questões políticas e da legislação que rege a educação, porém o autor se detém na análise dos discursos e das representações que foram construídas no processo de constituição do Império brasileiro acerca dos valores da instrução, do letramento e da formação escolar. Para a compreensão deste período histórico busca interligar com a educação pública do período colonial, especialmente a partir da Reforma Pombalina e a instituição das Aulas Régias em 1759.
De autoria de Fernando Cezar Ripe da Cruz somos brindados com o artigo “O perfeito Pedagogo”: análise de um manual pedagógico português que ensina regras de civilidade e de urbanidade cristã (Portugal, século XVIII). Neste trabalho, o autor apresenta a análise do referido manual, destinado a orientar pais e mestres na educação dos seus respectivos filhos e discípulos, especialmente a partir da constituição discursiva da infância para o período analisado.
A educação não escolar é o fio condutor do artigo de Leandro Gonçalves de Resende, intitulado Educação em oração: os processos educativos não escolares na Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará – século XVIII e XIX. O autor busca analisar elementos artísticos, religiosos e educacionais presentes nas igrejas da referida Vila. A religiosidade cotidiana e local passava então pela intencionalidade de formar bons e fiéis cristãos, além de bons e leais súditos do reino português.
Ludmila Machado de Oliveira Torres apresenta a perspectiva educativa por meio dos ofícios mecânicos. No artigo Entre livres e cativos: aprendizagem de ofício mecânico na Vila Real de Sabará (1735-1829), a autora analisa uma diversidade de documentos (como autos de contas de tutoria e inventários post-mortem) para compreender como ocorria a aprendizagem de determinados ofícios: alfaiate, ferreiro, sapateiro, etc.
Educação e filosofia moral na obra do padre Teodoro de Almeida (1722-1804) é o artigo proposto por Patrícia Govaski, no qual apresenta algumas considerações a respeito das discussões em torno da Filosofia Moral em Portugal na segunda metade do século XVIII, além da visão acerca deste tema proposta pelo padre oratoriano Teodoro de Almeida (1722-1804).
No artigo Práticas educativas das elites coloniais na Capitania de Minas Gerais. Desafios metodológicos, de Talítha Maria Brandão Gorgulho, somos contemplados pela análise de preceitos educativos que aumentariam, manteriam e perpetuariam privilégios das elites locais. O artigo propõe ainda definir o conceito de educação para o período estudado, bem como a análise de fontes e a reflexão metodológica à luz de alguns conceitos propostos por Pierre Bourdieu.
Finalizamos este dossiê com o artigo apresentado por Vanessa Cerqueira Teixeira, intitulado A devoção mercedária e o associativismo leigo no setecentos mineiro. Neste artigo, a autora busca analisar o caráter educativo das irmandades católicas, seus interesses e devoções a partir de uma determinada santa, Nossa Senhora das Mercês, protetora de 20 associações leigas de pretos crioulos nas Minas setecentistas.
Este dossiê é marcado pela diversidade de pesquisas acerca das práticas educativas que circulavam em Portugal e na América Portuguesa, desde a proposta de manuais de instrução, até perspectivas de educação escolar, não escolar, pública ou confessional. Desejamos que a leitura dos artigos possa contribuir para o fortalecimento de novas pesquisas no campo da História da Educação para um período histórico que ainda tem muito a ser estudado.
Ana Cristina Pereira Lage
LAGE, Ana Cristina Pereira. Apresentação. Revista de História e Historiografia da Educação. Curitiba, v. 3, n. 7, jan. / abr., 2019. Acessar publicação original [DR]
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