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Cuba e a Eterna Guerra Fria: mudanças internas e política externa nos anos 90 | Marcos Antonio da Silva

Cuba, certamente, enquadra-se entre os países-chave para se entender parte da história do século XX. Mesmo sendo uma pequena Ilha do Caribe, este país, a partir da ruptura com a ditadura de Fulgencio Batista, em janeiro de 1959, transformou-se em um dos principais agentes políticos mundiais, em especial para a América Latina e demais regiões periféricas do capitalismo.

Neste seu trabalho, Marcos Antonio da Silva demonstra como Cuba teve protagonismo nas relações internacionais durante as décadas de 1960-70-80. E isso tanto do ponto de vista cultural quanto do político-militar. Entretanto, apesar dessa sua força, a Ilha possuía um elemento de fragilidade para a sua organização social: o aspecto econômico. Em grande medida, será essa situação de debilidade econômica que criará para os cubanos um vínculo de dependência em relação à URSS. A partir da década de 1990, com a crise soviética, ocorre uma radical mudança nas relações exteriores de Cuba, forçando-a para uma postura mais diplomática. E é essa transformação o eixo central do livro.

Após a Revolução Popular, liderada pelos irmãos Castro e por Guevara, Cuba logo caminhou para uma transição socialista. Inserida no contexto da chamada “Guerra Fria”, logo teve o apoio da URSS. E grande parte dos argumentos de Silva tem justamente como foco de análise essa relação. O autor, neste sentido, aborda tanto as vantagens quanto os problemas surgidos a partir de tal contato.

Como é bem demonstrada neste livro, a relação que Cuba estabeleceu com a URSS, esteve pautada por uma profunda dependência econômica. O contexto econômico interno no qual estava inserida a revolução já era de grande debilidade. Isso fez da aliança com os soviéticos, mesmo em situação de dependência, um importante caminho para a saída de tal problema. Para o âmbito político, os efeitos dessa unidade, a partir do caráter subalterno assumido pelos cubanos, traduziram-se na dificuldade em manifestar quaisquer críticas ao regime “socialista” dominante do Leste europeu. Para o autor, esse atrelamento dos cubanos aos soviéticos, fez surgir o que ele denomina de “utopia subsidiada”. Em outras palavras, os cubanos não tiveram a necessária autonomia para decidirem qual seria o seu caminho ao socialismo. Em certo momento, surge nas reflexões presentes no livro até a possibilidade de Cuba ter, neste contexto, se transformado numa “colônia soviética”. Justamente por não estar em igualdade de forças, em muitos episódios a relação entre a Ilha e a URSS sofreu significativos abalos. Como exemplo, Marcos Antonio da Silva aponta a chamada crise dos mísseis de 1962.

De qualquer maneira, Cuba acabou se utilizando das contribuições soviéticas. E entre elas está incluída a ajuda com armamentos, o que deu força aos cubanos para auxiliarem países tanto da América Latina quanto da África, em seus processos de ruptura com a ordem capitalista e neocolonial. Principalmente no continente africano, os cubanos contribuíram fortemente nos processos de luta por libertação nacional. Para os países desse continente, foram enviados médicos, soldados e demais especialistas. O que não necessariamente atendia aos interesses de Moscou. O auxílio dado aos africanos, por Havana, seguia uma leitura específica sobre os processos revolucionários nos países do Sul. Além disso, tendo em vista a formação étnica da população cubana, composta fortemente pela presença do negro africano, criou-se determinada forma de vínculo com os processos revolucionários em curso naquele continente. O que, em princípio, não era tão assimilável pelos soviéticos. Em outras palavras, o grau de “parentesco” dos cubanos com os africanos, tornou-se um elemento importante nessa política externa revolucionária de Cuba. O autor apresenta esse processo de auxílio cubano aos africanos e aos demais povos do Sul, nos seguintes termos:

a partir de meados dos anos 60, o governo cubano forjou uma política externa independente que, algumas vezes, se confrontava relativamente com os interesses soviéticos. Cuba apoiou vigorosamente os movimentos revolucionários em muitos países latino-americanos e na África. Prestou ajuda material a revolucionários na maioria dos países centro-americanos e andinos, aos que lutaram contra o império português na África e também a governos revolucionários amigos como o do Congo, da Angola e do Vietnã do norte (SILVA, 2012: 79-80).

Interessante notar é que essa atuação do governo cubano insere para as relações internacionais o tema da revolução, dando indícios sobre a possibilidade de se pensar a interação entre os Estados de uma outra forma. Esse é um aspecto muitas vezes desconsiderado pelo pensamento político voltado para as relações internacionais. Na maioria dos casos, a teoria política que trata das relações entre os Estados se restringe aos acordos puramente institucionais e formais. Destacando os aspectos jurídicos existentes nos diversos aparelhos estatais, sem abrir a possibilidade de se pensar laços que priorizem justamente a ruptura com tais estruturas.

Diferentemente da fórmula adotada pelos soviéticos, fundada na tática da ocupação territorial e na imposição política sobre seus vizinhos, numa tentativa desesperada para ampliar o “socialismo” pelo mundo, Cuba se posicionou de modo que as particularidades dos países auxiliados não foram agredidas. Esse é um dado importante que demonstra a possibilidade de entender as relações internacionais a partir de um outro olhar, mais próximo da tentativa de superar as contradições geradas pelo capitalismo, em escala mundial.

De qualquer maneira, esse período em que Cuba se tornou “porta-voz” dos países periféricos, não teve longa duração. Com a crise do bloco soviético, entre finais da década de 1980 e início dos anos 90, a dependência da Ilha em relação a Moscou ficou evidente. Agora, a ajuda vinda do Leste europeu seria drasticamente cortada. O Ocidente capitalista, liderado pelos EUA, passava a ser a única referência aos demais povos do mundo. Cuba e seu governo sentem rapidamente tal alteração geopolítica. Como o autor aponta, em decorrência do novo cenário, entre os anos de 1989 e 1991, o governo da Ilha trouxe de volta ao país cerca de 300 mil cubanos em combates na África, Ásia e América Latina.

No entanto, o aspecto mais dramático desse novo cenário histórico, terá como alvo a própria população cubana. O fim dos auxílios econômicos, originados do Leste europeu, transformou radicalmente o cotidiano dos cubanos. Como pode ser visto no livro:

esse processo acabou comprometendo o país de inúmeras formas. Em vários lugares a água passou a ser bombeada por moinhos de vento, uma técnica medieval. O impacto social foi enorme: dependendo da região ou período, o transporte público foi reduzido ou se converteu em irregular ou simplesmente deixou de funcionar, fazendo com que a população fosse a pé ou de bicicleta para seu trabalho… (SILVA, 2012: 148).

A falta, agora, do petróleo e demais elementos fundamentais para o funcionamento regular de setores essenciais da sociedade, gerou uma situação caótica para os cubanos.

Diante disso, o governo da Ilha foi obrigado a criar alternativas para sair da crise. E o fortalecimento da diplomacia foi um dos caminhos. A partir de agora, as relações externas cubanas não mais estariam pautadas na tentativa de fortalecer os movimentos revolucionários socialistas dos países periféricos, pois passara a ter como problema central a sobrevivência da própria Ilha. Lembrando que nos anos seguintes à revolução 1959, já tinha começado a vigorar o bloqueio econômico imposto pelos EUA sobre os cubanos. Portanto, sem a ajuda soviética, restava criar novas relações entre os demais países, respeitando os aspectos formais da diplomacia internacional, com o objetivo de conquistar apoio ao seu regime. Em certo sentido, essa nova forma do governo cubano em lidar com as relações internacionais foi bem sucedida. Em muitos momentos, a crítica ao embargo, imposto pelos norte-americanos, teve eco e apoio dos diversos governos representantes dos países.

Também em decorrência dessa nova configuração geopolítica, Cuba passa a se aproximar ainda mais dos países da América Latina. Como salienta o autor, o novo cenário histórico redefiniu as prioridades do regime cubano em relação aos seus contatos internacionais. E a América Latina se tornou o grande espaço geopolítico de atuação da diplomacia da Ilha. Durante a década de 1990, vários acordos de cooperação são assinados com países da região. Num certo sentido, Cuba contribui para a construção de relações mais independentes entre os países da América Latina e os Estados Unidos.

A obra faz um destaque – ainda que não aprofundado, pois não é o seu objetivo – sobre a relação construída entre Cuba e Venezuela, nas últimas décadas. Sinalizando que a pesquisa sobre essa relação já se faz necessária.

Essa nova maneira de se inserir nas relações exteriores, fez o regime da Ilha criar aquilo que o autor define como “diplomacia social”. Por meio dessa nova forma de relacionamento, foram denunciados nos Fóruns Internacionais os aspectos agressivos dos Estados ricos sobre aqueles economicamente frágeis. Isso fez a Ilha diversificar suas parcerias comerciais, ponto fundamental para sua economia interna. Desse modo, diz o autor:

o país conseguiu manter o ativismo de sua diplomacia, o que contribuiu para a superação de seu isolamento político e econômico. Desta forma, foi possível ao longo da década inserir-se no mercado internacional, encontrando novos parceiros, aumentando seu comércio exterior e aprofundando laços econômicos com países ou áreas de seu interesse, o que gerou uma diversificação de seus parceiros comerciais (SILVA, 2012: 272).

Portanto, a sua nova política externa atendeu com eficiência as exigências do cenário construído no final do século XX, fazendo com que o seu projeto de sociedade permanecesse vivo.

Em seu trabalho, Marcos Antonio da Silva ressalta, para além dos mitos sobre o regime cubano, as questões débeis da Ilha. Essa condição histórica de país dependente foi e continua sendo a marca de Cuba. Dependência existente antes da Revolução e que continuou mesmo após a tomada de poder pelos guerrilheiros. O que certamente não pode ser entendido como um processo inexorável de uma determinada natureza social dos cubanos. Afinal, essa fragilidade presente entre os cubanos deve ser entendida não apenas a partir de uma possível postura política equivocada, mas também dentro de um processo universal de força do capitalismo mundial.

Praticamente todos os processos que caminharam para o socialismo, uma vez restritos a uma região ou mesmo a um país, tenderam ao fracasso. Com Cuba não foi diferente, isto é, a sua perspectiva socialista dificilmente poderia se efetivar em tais circunstâncias. E mesmo que a revolução cubana tenha iniciado um processo de ruptura em relação ao capitalismo, a sua realização ficou comprometida justamente pela contra- revolução vitoriosa principalmente na América Latina – visualizada nos golpes de Estado nas décadas de 1960-70. Daí a importância da tese marxiana de que o socialismo, ou mais ainda o comunismo, não podem ser entendidos fora de uma perspectiva internacional. Portanto, os problemas enfrentados pelos cubanos devem ser compreendidos a partir da relação dialética entre o particular e o universal, ou melhor, entre o nacional e o internacional.

Entretanto, mesmo com todos os problemas encontrados, Cuba demonstrou a possibilidade de se construir uma sociedade diferente daquela defendida pelos representantes do mercado e do capital. Em áreas fundamentais para a vida social como educação, saúde, esporte, cultura e artes em geral, etc., a pequena Ilha demonstrou, mesmo com amplas dificuldades, ser mais democrática e popular do que as grandes potências econômicas do capitalismo.


Resenhista

Claudio Reis – Doutor em Ciências Sociais – Unicamp. Docente do curso de Ciências Sociais – UFGD.


Referências desta Resenha

SILVA, Marcos Antonio da. Cuba e a Eterna Guerra Fria: mudanças internas e política externa nos anos 90. Dourados: Editora UFGD, 2012. Resenha de: REIS, Claudio. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 7, n. 13, jan./jun. 2013. Acessar publicação original [DR]

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