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Cuando Moctezuma conoció a Cortés: la verdad del encuentro que cambió la historia | Matthew Restall

Mattew Restall | Imagem: Alchetron

Existem muitas formas de alguém interessado pela Conquista do México procurar informações sobre o tema. Uma das mais comuns é realizar uma busca através do Google. Ao fazermos isso, o primeiro resultado – em geral, o mais acessado – abre seu texto com a afirmação de que “a conquista dos astecas foi um feito atribuído ao espanhol Hernán Cortés” (Silva, 2020). Outro caminho muito utilizado é procurar por livros em sites de vendas. Na versão brasileira da Amazon, por exemplo, os primeiros resultados sugerem uma biografia de Cortés (Morais, 2011) e uma obra publicada há mais de 170 anos pelo historiador norte-americano William H. Prescott (1843).

As opções sugeridas em ambas as buscas revelam algumas das principais questões que levaram Matthew Restall a publicar seu Cuando Moctezuma conoció a Cortés: la verdad del encuentro que cambió la historia (2019)2. Nele, o professor da Penn State University questiona frontalmente a centralidade atribuída a Cortés durante séculos, o perene sucesso de determinadas abordagens e interpretações sobre os eventos, tendo Prescott como um nome central, e a própria noção de Conquista.

Dividida em quatro pares de capítulos, a obra analisa os caminhos pelos quais os conflitos ocorridos no Vale do México entre 1519 e 1521 passaram a ser vistos como um “grande tema”, chegando a ser apontados por alguns autores como marco fundamental para se compreender a própria noção de Modernidade. Com esse intuito, Restall recorre a uma enorme quantidade de fontes, dos mais diversos tipos e períodos, na tentativa de mapear como esses eventos foram descritos, interpretados e representados ao longo de cinco séculos. Como resultado, o autor identifica a existência de uma “narrativa tradicional”, descrita por ele como “falsa”, “distorcida” e “dramaticamente fictícia”. Também denominada como “mito-história” da Conquista, essa narrativa é duramente questionada ao longo de toda a obra. No entanto, isso não ocorre a partir da análise de um corpus documental inédito ou ainda pouco explorado, mas sim através de novos questionamentos a fontes há muito estudadas, que vão da segunda carta de Cortés (identificada como o “relato fundacional”) a séries e filmes produzidos nos últimos anos, da primeira gravura de México-Tenochtitlan a circular na Europa (com elementos medievais e referências a Veneza) até os frisos presentes no Capitólio, de livros infantis a produções acadêmicas, passando por peças de teatro, óperas e romances.

Já nas páginas iniciais, o historiador afirma que não escreveu uma nova síntese dos acontecimentos, mas uma reavaliação dos relatos produzidos sobre o tema e seus desdobramentos de 1519 até os dias atuais. Isso o leva a se afastar de uma descrição cronológica dos eventos, descrita como uma “armadilha” tanto para quem escreve a obra quanto para quem a lê, por reforçar uma abordagem linear, triunfalista e inexorável. Mesmo assim, o livro começa com uma detalhada linha do tempo e um mapa do Caribe e da Mesoamérica na primeira metade do século XVI. Ao final, Restall inclui ainda pequenas biografias de alguns personagens centrais de sua obra e diagramas explicando parentescos dinásticos e as diferenças entre nahuas, astecas, mexicas e mesoamericanos.

A escolha por se afastar de uma narrativa linear faz com que seu texto seja marcado por constantes saltos temporais, oscilando entre os eventos ocorridos no século XVI e as centenas de interpretações produzidas nos 500 anos seguintes.

Ao mesmo tempo que essa abordagem permite aprofundar e ampliar seus questionamentos sobre a Conquista e suas leituras tradicionais, ressaltando a trajetória percorrida por determinadas representações e interpretações, ela pode gerar dificuldades no público não especializado, ao trazer uma profusão de referências a diferentes eventos, obras e personagens em poucas páginas. Apenas como exemplo que se repete em outros momentos, podemos citar o final do segundo capítulo. Em poucos parágrafos, Restall aborda os escritos do franciscano Bernardino de Sahagún produzidos logo após a queda de México-Tenochtitlan, interpretações realizadas por intelectuais mexicanos no início do século XX envolvendo a identidade nacional, uma ópera sobre o tema encomendada por Napoleão Bonaparte ao compositor italiano Gaspare Spontini, o sucesso editorial do livro de Prescott durante a Guerra dos Estados Unidos contra o México e o breve reinado do imperador mexicano Maximiliano entre 1864 e 1867.

Ao questionar determinadas abordagens e interpretações sobre a Conquista, Restall dá continuidade a um esforço presente em boa parte de sua produção acadêmica, especialmente em sua obra mais conhecida – e a única publicada no Brasil – Sete mitos da Conquista Espanhola (2006)3. Nela, o autor refuta interpretações que apontam a Conquista como uma rápida e categórica vitória militar realizada por um pequeno grupo de espanhóis comandados por Cortés contra milhares de indígenas atônitos diante dos acontecimentos. Segundo o próprio historiador, essa forma de ler a Conquista, questionando abordagens tradicionais e ressaltando outros aspectos, personagens e eventos, se insere em um movimento mais amplo, a “Nova História da Conquista”4. Entre outros exemplos de autores que se aproximam dessa perspectiva e com cujas pesquisas Restall não apenas dialoga, mas as quais utiliza largamente em suas reflexões estão Michel R. Oudijk, Stephanie Wood, Susan Schroeder e Laura Matthew. Todos eles, assim como o próprio Restall, colaboraram na importante coletânea Indian Conquistadors (2007), que busca, através de artigos dedicados a grupos sociais, etnias ou locais específicos, deslocar o eixo de análise dos europeus para os indígenas, ressaltando a agência dos nativos americanos e inviabilizando leituras que propõem uma reação homogênea e passiva por parte dos grupos locais ante a chegada dos europeus ao continente. No Brasil, podemos citar escritos de Eduardo Natalino dos Santos (2014) como exemplo de análise que se identifica com a Nova História da Conquista.

Entretanto, Restall ressalta que os esforços de muitos pesquisadores na tentativa de renovar as interpretações sobre a Conquista ainda não foram capazes de produzir abalos significativos nos pilares da narrativa tradicional. Ela teria, pelo contrário, ganhado força nas últimas décadas, o que o leva a afirmar que sua obra pode ser vista como uma espécie de trabalho de Sísifo. Como exemplo da resistência de determinadas interpretações, podemos citar o papel atribuído aos sacrifícios humanos. A despeito das escavações até agora revelarem um número infinitamente menor de vítimas do que o apontado em fontes espanholas do século XVI e de “não existir prova arqueológica ou documental substancial de que [os astecas] mataram através de rituais de sacrifício mais gente do que qualquer outra civilização”5 , a associação entre esses indígenas e os sacrifícios humanos permanece tanto em obras de divulgação quanto – ainda que haja exceções apontadas pelo autor – em pesquisas acadêmicas. Passagens como essa reforçam a afirmação feita já no início do livro de que essa persistente narrativa sobre a Conquista se configuraria como “uma das maiores mentiras da história da humanidade”. Dessa forma, Restall dá continuidade ao seu esforço presente em escritos anteriores de “desmistificar” os eventos ocorridos no Vale do México na primeira metade do século XVI. É evidente que, ao identificar uma abordagem sobre a Conquista que teria permanecido inabalável por 500 anos, o autor acaba criando uma generalização que, por sua amplitude, abre espaço para questionamentos sobre até que ponto seria possível associar – e, de certa forma, homogeneizar – interpretações tão díspares sob a perspectiva da “narrativa tradicional”. Essa postura é reforçada já na escolha do subtítulo do livro, que afirma conter a “verdade” sobre o encontro entre Montezuma e Cortés, o que relega interpretações divergentes ao campo oposto, da mentira.

Apesar do pessimismo da referência ao mito de Sísifo, Restall insiste na possibilidade de se questionar abordagens há muito arraigadas, o que fica visível em vários momentos da obra. Ao analisar o Friso da História Americana presente no Capitólio desde meados do século XIX, o autor faz uma alusão que resume boa parte de seus esforços. A representação da suposta rendição de Montezuma presente em Washington é uma pintura que, no entanto, busca simular uma escultura, o que o leva a defender que “podemos nos enganar e aceitar a rendição de Montezuma ante Cortés como um feito gravado em pedra, ou podemos abrir nossos olhos à espetacular mentira que sobreviveu 500 anos”.

Nesse sentido, Restall propõe uma reavaliação da Conquista. Em especial, o autor dedica grande atenção à construção das imagens e características atribuídas a Cortés e Montezuma. Em relação ao líder espanhol, o livro faz uma minuciosa releitura de seus feitos, negando sua liderança sobre os eventos e até mesmo sobre seus homens. O Cortés que surge nessas páginas é um conquistador espanhol ordinário, manipulado por diversas lideranças nativas em meio a disputas locais por poder e afastado pela Coroa para regiões periféricas do Novo Mundo após a queda de México-Tenochtitlan.

Ao Cortés impotente e enganado, Restall opõe outros europeus e indígenas. O autor destaca, em vários momentos, a inexistência de um “exército espanhol” e a importância dos pequenos grupos de aliados, formados por parentes, conterrâneos de uma mesma cidade ou região espanhola, veteranos de determinado conflito ou expedição, entre outros elementos aglutinadores. Com isso, nomes como Pedro de Alvarado e Diego de Ordaz ganham destaque, sendo descritos não como subordinados a Cortés, mas como “capitães de cortes semiautônomas”.

Processo semelhante e ainda mais acentuado ocorre em relação aos líderes indígenas de cidades como Tlaxcala e Texcoco. Para Restall, eventos como o massacre ocorrido em Cholula só podem ser compreendidos quando o eixo da ação é deslocado dos interesses espanhóis para os conflitos locais que remetem a lógicas e questões muito anteriores à chegada dos europeus. O ataque a essa cidade seria, na realidade, “um plano muito bem executado” por parte dos tlaxcaltecas para pôr à prova a nova aliança com os estrangeiros, castigar os cholultecas por terem se aproximado dos astecas nos últimos anos e para restaurar no local uma liderança leal à Tríplice Aliança encabeçada por Tlaxcala.

A atenção à pluralidade de comportamentos entre os indígenas faz com que o autor defenda a substituição da noção de Conquista pela de uma “espantosa e complexa guerra hispano-asteca”, o que deixa evidente a impossibilidade de se abordar “a” Conquista do México. O foco de Restall nessa obra se restringe aos eventos ocorridos em torno da queda da cidade asteca de México-Tenochtitlan, que, em hipótese alguma, poderia ser interpretada como representativa da conquista dos outros centros urbanos da região ou, algo ainda mais problemático, da Mesoamérica como um todo. Nesse sentido, o autor defende que não existe nada que possa ser identificado como “o ponto de vista indígena”, mas, mesmo assim, seria possível obter interpretações inovadoras sobre esses eventos caso fosse levada em conta, por exemplo, a atuação de indivíduos e grupos específicos, como Montezuma e a elite dinástica da cidade de Texcoco.

Em relação a Montezuma, Restall realiza um vasto levantamento de fontes para buscar as possíveis origens de imagens duradouras associadas a esse soberano indígena, como a de um imperador covarde e hesitante, a de que ele teria sido manipulado por Cortés e rapidamente se rendido aos espanhóis e a de que ele teria confundido os europeus com divindades locais, seja Huitzilopochtli ou Quetzalcoatl. O autor é enfático ao negar essas interpretações, defendendo que uma análise mais detida da documentação sugere uma realidade oposta. O quarto capítulo, por exemplo, é dedicado à tese de que, longe de ter se rendido e sido aprisionado por Cortés após o primeiro encontro com os europeus, Montezuma teria não só se mantido no poder como o próprio encontro só teria ocorrido por vontade dele. Para Restall, o tlatoani asteca estaria decidido a atrair os espanhóis até sua cidade para “colecioná-los”, integrando-os a seu zoológico como forma de reforçar seu poder e, possivelmente, com a intenção de sacrificá-los durante festividades religiosas.

Já a morte de Montezuma, evento discutido há séculos e sobre o qual existem múltiplas versões, é descrita pelo autor como um assassinato cometido pelos espanhóis dentro de um processo maior de eliminação de lideranças nativas na região. Isso o leva a refletir, no último capítulo da obra, a respeito da validade ou não de se pensar esse conflito a partir da lógica do genocídio. Ainda que reconheça o anacronismo do termo, Restall defende que se trata de uma guerra genocida “não em relação à sua intenção, mas em seu efeito”, o que abre caminho para o autor estabelecer relações com eventos como o massacre de My Lai, no Vietnã (1968), e a Guerra Mexicano-Americana ocorrida no século XIX.

A obra se encerra com um epílogo em que Restall – ainda que tenha se negado no início – faz uma breve narrativa linear dos acontecimentos sem qualquer menção a Cortés. É evidente que eliminar o papel de Cortés na Conquista é algo impossível, o que o próprio autor reconhece ao afirmar que seu nome aparece na maioria das páginas de um livro que busca combater seu protagonismo. Suprimir todas as referências à sua atuação seria algo tão problemático quanto identificá-lo como o líder máximo em torno do qual girariam todos os eventos. Contudo, atravessar as páginas finais do livro sem a presença de Cortés estimula a reflexão e dirige a atenção do leitor para outros personagens e interpretações, fazendo com que essa retomada dos eventos se apresente como uma espécie de última jornada de Sísifo morro acima antes do final da obra.

Notas

2Traduzida para o espanhol por José Eduardo Latapí Zapata a partir da edição original publicada em inglês pela editora Ecco, com o título When Montezuma met Cortés: the true story of the meeting that changed History (2018).

3 Em entrevista concedida ao autor e a outros dois pesquisadores, Restall afirma que seu novo livro “é uma espécie de continuação dos Sete mitos, mas é mais detalhado e focado especificamente no México” (Fernandes; Kalil; Reis, 2018, p. 53).

4 Para uma sistematização e análise de obras relacionadas a essa abordagem, cf. Restall, 2012.

5 Nossa tradução, assim como em todas as outras citações da obra de Restall.

Referências

FERNANDES, L.E.O.; KALIL, L.G.A.; REIS, A.R. 2018. Sobre o Novo Mundo: a história e a historiografia das Américas na Primeira Modernidade em 10 entrevistas. Curitiba, Editora Prismas, 270 p.

MATTHEW, L.; OUDIJK, M. 2007. Indian Conquistadors: Indigenous Allies in the Conquest of Mesoamerica. Norman (Oklahoma), University of Oklahoma Press, 349 p.

MORAIS, M.V. 2011. Hernán Cortez: civilizador ou genocida? São Paulo, Editora Contexto, 206 p.

PRESCOTT, W.H. 1843. History of the Conquest of Mexico: With a Preliminary View of Ancient Mexican Civilization, and the Life of the Conqueror, Hernando Cortés. New York, Harper and Brothers, 3 vols.

RESTALL, M. 2006. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 346 p.

RESTALL, M. 2012. The New Conquest Histor y. History Compass, 2(10):151-160. https://doi.org/10.1111/j. 1478-0542.2011.00822.x

RESTALL, M. 2019. Cuando Moctezuma conoció a Cortés: la verdad del encuentro que cambió la historia. México, Taurus, 648 p.

SANTOS, E.N. 2014. As conquistas de México-Tenochtitlan e da Nova Espanha: Guerras e alianças entre castelhanos, mexicas e tlaxcaltecas. História Unisinos, 18(2):218-232. doi: 10.4013/ htu.2014.182.02

SILVA, D.N. 2020. Hernán Cortés e a conquista dos astecas. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/hernan-cortes-conquista-dos-astecas.htm. Acesso em: 05/04/2020.


Resenhista

Luís Guilherme Assis Kalil – Instituto Multidisciplinar, Departamento de História. E-mail: lgkalil@yahoo.com.br  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4332-6735


Referências desta Resenha

RESTALL, Matthew. Cuando Moctezuma conoció a Cortés: la verdad del encuentro que cambió la historia. Trad. José Eduardo Latapí Zapata. México: Taurus, 2019. Resenha de: KALIL, Luís Guilherme Assis. Repensando a Conquista de México-Tenochtitlan. História Unisinos. São Leopoldo, v.25, n.3, p.558-561, set./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

 

Itamar Freitas

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