Colegas, boa tarde!
Hoje vamos discutir critérios para avaliar resenhas acadêmicas, dentro do princípio de que um avaliador criterioso é também um potencial escritor criterioso.
Os critérios de avaliação de textos acadêmicos podem ser tipificados de forma varia. Um dos marcos definidores é a sua proveniência. Nesta direção, temos, por exemplo, critérios provenientes da lógica, critérios da retórica e critérios provenientes da epistemologia de domínio histórico (que somam elementos dos dois primeiros).
Os critérios provenientes da epistemologia do domínio histórico são o objeto da aula 3. Para aprofundamento e a rememoração sobre a historicidade da epistemologia histórica como lógica, clique aqui.
Nesta aula, nosso objetivo é apresentar definições e regras lógicas e retóricas que possibilitem a você avaliar uma resenha acadêmica, próximo aos padrões exigidos pela revista Crítica Historiográfica.
1. Pensamento crítico e argumento
Os critérios de avaliação de resenha que reunimos aqui são buscados em textos de Lógica e Retórica que têm por objeto de conhecimento o “pensar criticamente” ou o “pensamento crítico”.
Os critérios mobilizados com fins de pensamento crítico, quando respeitados, legitimam os argumentos dos resenhistas.
Várias das definições de pensamento em circulação (limitados às referências listadas ao final da aula) são fundadas na ideia de pensamento isento de erros, sob parâmetros mais gerais de verdade exigida pela ciência moderna.
Assim, pensar criticamente é a ação de raciocinar com método, como um cientista. (Haber, 2020, p.36). Pensar criticamente é mobilizar padrões de habilidades mentais superiores (Bassham, 2022, p.23).
Além de convergirem nas habilidades mentais exigidas, estudiosos do pensamento crítico reforçam a ideia de que o raciocinar criticamente é útil à compreensão de argumentos e crenças, à crítica de argumentos e crenças e ao desenvolvimento e defesa de argumentos e crenças (Canale, 2022, p.22, 34).
Por fim, especialistas em pensar criticamente definem um argumento como uma uma declaração justificada mediante razões, ou seja, uma declaração composta por duas ou mais premissas, como neste exemplo: “Os patriotas do 8 de janeiro devem ser presos porque atentaram contra o regime democrático de direito [Declaração]. Eles estavam uniformizados em verde e amarelo, planejaram as ações autoritárias, viajaram dois dias antes em caravanas de ônibus e depredaram as sedes dos poderes executivo, legislativo e judiciário [Evidências].”
As premissas são realizadas por sentenças. A primeira sentença fornece um juízo racional [Patriotas devem ser presos porque atentaram contra a democracia]. A segunda fornece prova/apoio [Planejaram ações autoritárias e depredaram as sedes dos poderes republicanos].
As sentenças devem funcionar como: afirmações, negações, comandos acompanhados por um julgamento ou perguntas retóricas acompanhadas por julgamento. As sentenças, por fim, podem comunicar declarações verdadeiras, falsas ou abertas.
2. Habilidades e obstáculos do pensamento crítico
Algumas das principais habilidades do pensamento crítico são, por si mesmas, padrões para a criação e a avaliação dos argumentos anunciados em resenhas. O reconhecimento e o desenvolvimento dessas habilidades, bem como dos obstáculos ao pensamento crítico fazem do avaliador de resenhas e do resenhista um potencial pensador crítico.
Nesse aspecto também a literatura é convergente. Em geral, autores listam qualidades do pensador crítico, com as que se seguem:
Já vimos que o pensamento crítico é benéfico à sociedade e ao cidadão. Ele auxilia a compreensão do argumento do outro, a crítica do argumento do outro e a construção de argumento para comunicarmos nossos interesses e posicionamentos.
Entretanto, diversas barreiras impedem que esse modo de pensar criterioso seja maioria na sociedade. (Bassham et al, 2023, p.37). Entre os obstáculos do pensamento crítico estão:
Conhecidas as habilidades e os obstáculos do pensamento crítico, podemos concluir o tópico retirando um princípio de procedimento para o avaliador de resenhas acadêmicas. Ele deve identificar potenciais inibidores de raciocínio correto na escritura da obra, observando indícios da presença de egocentrismo, sociocentrismo, suposições injustificadas, relativismos e pensamento positivo.
Além disso, o avaliador de resenhas tem que estar habilitado a identificar e a jugar um texto sob o ponto de vista da sua clareza, precisão, relevância, consistência (lógica e prática), correção lógica, completude e justiça.
3. Conhecer e identificar falácias de relevância e falácias de evidência
A ação do avaliador de resenhas não se limita ao conhecimento ou a identificação de potenciais habilidades e impedimentos relacionados ao exercício do pensamento crítico. Ele deve dominar um corpo mínimo de definições e exemplos das principais proposições falaciosas que ele mesmo faz uso no seu dia adia.
Assim, a formação do avaliador de resenhas exige que ele avalie a sua própria forma de comunicar ideias, modifique as formas falaciosas de comunicar ideias e, em seguida, identifique as formas falaciosas com as quais os autores das obras resenhadas, eventualmente, comunicam suas ideias.
Etimologicamente, falácia significa: “Engano, trapaça, manha”. Nos dicionários de sinônimos é concebida como “qualidade do que é falaz; falsidade e definida em três modos: 1 afirmação inverídica; inverdade ‹não respondo a falácias nem a hipocrisias›; 2 fil. no aristotelismo, qualquer enunciado ou raciocínio falso que, entretanto, simula a veracidade; sofisma; 2.1 fil. na escolástica, termo usado para a caracterização do silogismo sofístico do aristotelismo, que consiste em um raciocínio verossímil, porém inverídico. (Houaiss, sd.).
Entre especialistas do pensamento crítico, “Uma falácia lógica – ou simplesmente falácia – é um argumento que contém um erro de raciocínio” (Bassham, 2022, p.215).
É possível tipificar as falácias mais comuns em dois grupos: falácias de relevância e falácias de evidência insuficiente.
3.1. Identificando falácias de relevância
Falácias de relevância “são erros de raciocínio que ocorrem porque as premissas são logicamente irrelevantes para a conclusão.” (Bassham, 2022, p.215).
Declarações relevantes são as que contam (as que são importantes), em geral, para o grupo de pessoas envolvidas na discussão: “Uma declaração é relevante para outra declaração se fornecer, pelo menos algum motivo para pensar que a segunda declaração é verdadeira ou falsa”, ou seja, se “fornece, pelo menos, alguma razão [positiva, negativa ou lógica] para pensar que a conclusão é verdadeira” (Bassham, 2022, p.215-216).
3.1.1. Exemplos de declarações de relevância positiva
A relevância positiva aqui reside na regra exclusiva imposta pela segunda premissa: Petrônio Domingues somente orienta pesquisas sobre pós-abolicionismo. Isso significa que todos os estudantes sob sua orientação, incluindo Antônia, necessariamente estão pesquisando pós-abolicionismo. Portanto, se Antônia é aluna de Petrônio Domingues, de acordo com a regra estabelecida na Premissa 2, ela estará inevitavelmente investigando o pós-abolicionismo. As premissas (P1 e P2) fornecem evidências que, sob essas condições, forçam a conclusão (C) a ser verdadeira, demonstrando a relevância positiva de maneira forte e lógica.
A relevância positiva aqui está no fato de que, em geral, os alunos tendem a seguir a especialidade de seus orientadores. Então, se Antônia é aluna de Petrônio Domingues e ele é especialista em pós-abolicionismo, isso aumenta a probabilidade de Antônia estar investigando o pós-abolicionismo. Portanto, as premissas (P1 e P2) fornecem evidências que apoiam a conclusão (C), o que demonstra a sua relevância positiva.
3.1.2. Exemplo de declaração de relevância negativa
A relevância negativa aqui está no fato de que há uma contradição implícita entre as declarações. Os movimentos de direitos dos negros geralmente se opõem fortemente ao racismo e à xenofobia, princípios muitas vezes associados a partidos de extrema direita. Portanto, se Antônia flerta com tais partidos, isso enfraquece a probabilidade de ela ser vista como uma potencial liderança em um movimento que se opõe a tais princípios. Portanto, a primeira afirmação é negativamente relevante para a segunda, pois fornece informações que, se verdadeiras, tornam a segunda afirmação mais provável de ser falsa.
3.1.3. Exemplos de declarações de irrelevância lógica
A irrelevância lógica aqui está no fato de que, apesar de Antônia ser aluna de Petrônio Domingues, um especialista em pós-abolição (P1), isso não garante que ela conheça todas as contradições comunicadas pelos pesquisadores que escrevem sobre a experiência dos negros no pós-abolição (C). Apesar de o professor Petrônio Domingues ser um especialista em pós-abolição, e portanto Antônia ter algum grau de familiaridade com o campo, a conclusão de que ela conheça todas as contradições deste campo de estudo é um salto lógico grande demais baseado apenas nesta premissa. Há muitos outros fatores que podem afetar o nível de conhecimento de Antônia sobre as contradições no pós-abolição, como a profundidade dos seus estudos sob a orientação de Petrônio, o tempo que ela tem estudado o assunto, entre outros.
3.1.4. Falácias mais comuns
Agora que você conhece as declarações de relevância positiva, de relevância negativa e de irrelevância lógica, leia os tipos que se seguem e tente localizar no seu próprio discurso cotidiano alguns dos tipos mais frequentes de falácias lógicas.
Se você comete estes erros de raciocínio, está na hora de corrigi-los. Se você encontrar alguns desses erros durante a leitura da obra resenhada, deve anotar imediatamente, sob pena de abonar erros crassos em lógica.
3.2. Identificando falácia de evidência insuficiente
Falácias de evidência insuficiente são “erros de raciocínio em que as premissas, embora relevantes para a conclusão, não fornecem evidências suficientes para a conclusão” (Bassham, 2022, p.250).
Entre mais de uma dezenas de falácias do tipo, os especialistas citam: declaração citada incorretamente; declaração citada fora do contexto; declaração que contradiz a opinião de especialistas; declaração sobre algo do qual não se conhecem os especialistas; declaração de algo explicitamente improvável e declaração de algo falso.
São também comuns as falácias do tipo:
Conclusão
Nesta aula, apresentamos categorias e procedimentos que podem capacitá-lo a avaliar uma obra e, em seguida, escrever uma resenha de modo crítico, ou seja, atribuindo valores a partir de critérios retóricos e lógicos que estão na base do pensamento crítico moderno.
Assim, no trabalho com resenhas devemos admitir que: 1. criticar é atribuir valor (I. Kant); 2. a crítica se exerce, dominantemente, sobre os argumentos do autor da obra resenhada (declaração + evidências); 3. os argumentos podem possuir declarações verdadeiras, falsas ou abertas; 4. Podem cometer falácias de relevância e falácias de evidência.
Apontar estes problemas nas resenhas de livro é uma jeito simples de contribuir com a formação de pesquisadores das humanidades alinhados aos princípios epistêmicos/éticos implantados pela ciência moderna, nos últimos quatro séculos, e que regem a pesquisa acadêmica universitária, no caso brasileiro, desde o início do século XX.
Referências
BASSHAM, Gregory; IRWIN, William; NARDONE, Henry; WALLACE, James M. Critica thinking – A student’s Introduction. 7ed. New York: 2023.
CANALE, Ciuni; TUZET, Frigerio. Critical thinking – An introduction. Milano: EGEA, 2021.
HABER, Jonathan. Critical thinking. Cambridge: MIT Press, 2020.
Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Critérios lógicos e retóricos para avaliação de resenhas acadêmicas. Resenha Crítica. 15 jun. 2023. Disponível em <https://www.resenhacritica.com.br/todas-as-categorias/criterios-logicos-e-retoricos-para-avaliacao-de-resenhas-academicas/>.
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