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Cozinha do Extremo Norte – Pará / Amazonas | Bruno de Menezes

O texto Cozinha do Extremo Norte – Pará / Amazonas, de Bruno de Menezes, é um dos estudos clássicos sobre a cozinha paraense. Ao lado do Panorama da Alimentação Indígena, de Nunes Pereira, e da Cozinha Amazônica, de Osvaldo Orico, é marco referencial na abordagem da temática da alimentação, no século XX.

Foi feito sob encomenda de Câmara Cascudo, para compor a Antologia da Alimentação Brasileira. Finalizado em fevereiro de 1963, foi um dos últimos trabalhos realizados pelo poeta, autor de Batuque, que morreu em Manaus, em 2 de julho desse mesmo ano.

A obra traça um rico painel da cozinha amazônica, nos idos dos anos 60. Resgata não só os costumes ancestrais da alimentação regional como também identifica alguns produtos e “pratos excelentes”, a exemplo do filhote, o qual, ultrapassando aquele século, está presente na mesa contemporânea, inclusive nas produções da chamada alta gastronomia.

Seu olhar abrangente contemplou tanto a cozinha vivenciada pelos “moradores interioranos” como aquela descrita “nos cardápios de restaurantes e casas de pasto”. Em quatorze tópicos, retrata a forma de obtenção dos alimentos através da caça e pesca; desvenda as técnicas de tratamento dos insumos culinários (carnes, peixes, mariscos e moluscos); relaciona e descreve os pratos e as bebidas tradicionais; e, por fim, relata os processos de elaboração de molhos, caldos, farinhas e mingaus.

Para entender a gênese da obra, fiz uma entrevista informal com a Irmã Marília Menezes, filha do escritor, procurando entender o contexto em que o trabalho foi elaborado. Ou seja: quem era o homem Bruno de Menezes e como era o seu processo de trabalho? A partir das recordações da filha, pude delinear o cotidiano do autor, tendo por foco a sua relação com a alimentação.

Uma primeira pista foi a vinculação do poeta à “Academia do Peixe Frito”, grupo de intelectuais que se reunia no Ver-O-Peso para debater questões literárias ao sabor das iguarias vendidas nas barracas da feira, notadamente o peixe-frito, o açaí, a farinha da mandioca, e ainda uma “pingazinha”. Aliás, esta bebida, como diz o poeta no texto ora apresentado, ao discorrer sobre a maniçoba, é um requisito para que a comida seja “condignamente apreciada”.

Marília Menezes recorda, em versos do seu poema “A Academia do Peixe Frito”, como foi a primeira vez em que o pai lhe explicou o significado daquele grupo cultural:

“Cheguei da Academia” A essa hora, meu pai? Mas que Academia? “Ora, do Peixe Frito. É lá no Ver-O-Peso. Encontro de poetas, de escritores”. Nada compreendi do que me disse. “Mas pensei em vocês. Eis o que trouxe Para ajudar no almoço.” E na mesa, acalmando mamãe, abriu um embrulhinho: Eram postas de peixe, bem fritinhos. Quitute mais gostoso não havia, com farinha, para gente faminta!”

Em ocasiões especiais, nas festas familiares como, por exemplo, as formaturas dos filhos, Bruno de Menezes esmerava-se, pessoalmente, na produção da maniçoba. Sua única especialidade. No texto clássico que ora apresento, ele demonstra ter o domínio necessário para a elaboração da iguaria, já que esta, assinala ele, exige uma “ciência especial, por causa dos temperos”. A produção da maniçoba, invariavelmente, ocorria na ampla casa da irmã do autor, Maria de Lourdes Cavalcante Machado, no bairro do Jurunas, que também o ajudava nos preparativos culinários.

A alimentação rotineira do escritor, entretanto, era frugal. Ao ser indagada sobre o alimento do dia a dia do pai, Marília Menezes foi enfática: “comia coisas simples de um homem pobre, ou seja, feijão, arroz, carne verde (fresca), verduras, (do Ver-o-Peso), farinha de mandioca e açaí”. À noite, antes de dormir, gostava de saborear chás: cidreira, erva-doce, canela e casca de laranja eram os seus preferidos.

A elaboração de Cozinha do Extremo Norte ocorreu na casa da Rua João Diogo, no bairro da Cidade Velha, de madrugada, entre três e cinco horas. Como de costume foi escrito à mão. Posteriormente, José Haroldo Menezes, filho do autor, datilografou os originais na velha Remington, e a esposa de Bruno de Menezes, professora Francisquinha (Francisca Santos de Menezes), foi incumbida de fazer a revisão do texto.

À época em que elaborou o estudo, o poeta, além da literatura, dedicava-se ao trabalho de fomento ao cooperativismo, assunto do qual era considerado qualificado especialista, tendo atuado por anos no Serviço de Assistência ao Cooperativismo – SAC, da Prefeitura de Belém.

A alimentação simples, o tempo cotidiano dividido entre a literatura e o cooperativismo, não o impediram de formular um trabalho substancial e detalhado, que contextualiza a cozinha do território amazônico. É uma fonte preciosa para a compreensão dos hábitos alimentares regionais, seus produtos e processos de produção. Enfim, um clássico valioso para quem estuda a alimentação paraense, pois embora datado, anos 60 do século XX, o estudo suplanta os limites da sua época e transcende a barreira entre o urbano e o rural.


Resenhista

Álvaro Negrão do Espírito Santo – Professor da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará/UFPA. Graduado em Turismo (1978) e Mestre em Geografia (2007) pela UFPA. Doutorando em Turismo, Lazer e Cultura da Universidade de Coimbra – Faculdade de Letras. Membro do ALERE/UFPA-CNPq. Sócio Efetivo do IHGP.


Referências desta Resenha

MENEZES, Bruno de. Cozinha do Extremo Norte – Pará / Amazonas. In: CASCUDO, Câmara. Antologia da Alimentação Brasileira. Resenha de: ESPÍRITO SANTO, Álvaro Negrão do. Um clássico sobre alimentação. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v. 07, n. 01, p. 143-144, maio. 2020. Acessar publicação original [DR]

 

Itamar Freitas

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