Corumbá de todas as graças | Augusto César Proença

Augusto César Gomes da Silva, mais conhecido pelo nome literário Augusto César Proença, é um escritor corumbaense que publicou diversas obras desde a década de 1970, entre elas os contos Snack Bar (1979), A Sesta (1993), A Condução (1993), Para Qualquer Lugar (1995), a novela Raízes do Pantanal, (1989), o livro Pantanal: Gente Tradição e História (1993) e o conto Nessa Poeira Não Vem Mais Seu Pai (1996), adaptado para o teatro pelo grupo Anteato de Artes Cênicas e roteirizado em 1999 para o filme de curta-metragem pelo cineasta Tito Teijido. Nota-se que o autor possui uma variedade de obras que não lhe confere a designação de um simples memorialista. Contudo, no seu mais recente livro Corumbá de todas as graças está intrínseca a exaltação de um passado, um dos traços comuns da memória enquanto representação.

Em Corumbá de todas as graças Proença traçou parte da trajetória histórica daquela cidade, destacando não só o comércio fluvial internacional como também suas festas e seus costumes. Trata-se de uma narrativa sem o compromisso de análise e sem muito rigor cronológico. Nela o autor descreveu tanto o período colonial quanto os primeiros anos do século atual e intercalou na história de Corumbá a presença dos salesianos.

Na apresentação histórica de Corumbá, o autor não acrescentou nada de novo; usou a mesma abordagem já consolidada a respeito da fundação da cidade e utilizou as mesmas fontes para demonstrar os fatos. O Álbum Graphico do Estado de Mato Grosso, por exemplo, foi utilizado como fonte segurara sobre a verdade histórica de Corumbá. No entanto, o interessante no livro, além da linguagem fácil e agradável, é essa insistência no relato do chamado comovente passado histórico dessa urbe. Essa abordagem enquadra-se em um discurso que insiste em não desaparecer e nesse relato saudosista o autor tenta evocar e referenciar um passado que justifique no presente uma tradição progressista da cidade.

Proença tenta resgatar a presença de um ausente: o passado glorioso e único de Corumbá. Remonta ao século XVI para iniciar sua narrativa, recuando em dois séculos a gênese de cidade que para ele está relacionada às aventuras e desventuras de espanhóis e portugueses na região, passagem obrigatória para as expedições que tentavam chegar até as minas de prata do Peru.

Na tentativa de incluir em sua narrativa os índios, a obra é ambígua ao generalizá-los como nômades. Ao mesmo tempo, destaca a diversidade étnica lingüística e ressalta a contribuição desses nativos para a cultura da região, notadamente a cultura pantaneira.

O período mais referenciado por Proença é o grande passado fluvial de Corumbá, momento em que a cidade possuía consulados de paises europeus e americanos; fervilhava um movimento de pessoas ligadas ao comércio exportador e importador de mercadorias. Na parte alta da cidade, o Theatro Bijou encenava peças dos grandes centros como Buenos Aires e Rio de Janeiro, ou mesmo da Europa, atestando o ar cosmopolita de que a cidade desfrutava. Com isso, o autor tenta chamar a atenção para a urgência em se preservar atualmente os casarões que testemunham aquele passado glorioso, assim por ele denominado.

O lamento do autor é justamente quando esse passado começa a ser extinto a partir da Primeira Guerra, que provocou o refluxo do comércio mundial, afetando o porto de Corumbá. Aliado a isso, a chegada dos trilhos da Noroeste do Brasil em Porto Esperança, em 1914, o que inviabilizaria o transporte fluvial. O quadro se completou em 1953 quando os trilhos dessa ferrovia chegaram a Corumbá, depois de concluída a construção da Ponte Barão do Rio Branco sobre o rio Paraguai. A partir de então, a cidade deixou de ser um entreposto comercial.

Persistiu a navegação fluvial local ligando as cidades ribeirinhas como Cáceres, Coxim, e mesmo Aquidauana e a capital Cuiabá. Uma das empresas dedicada a esse tipo de transporte foi a Miguéis e Cia., fundada em 1925. Segundo Proença, embora o comércio internacional tenha cessado gradualmente, Corumbá ainda tinha um lugar de destaque no cenário do Estado de Mato Grosso.

O golpe definitivo que prejudicou Corumbá se deu na década de 1970, quando Cuiabá se ligou, por via rodoviária, a Campo Grande, deslocando assim o eixo econômico das margens do rio Paraguai para esta ultima cidade.

Muitos temas abordados pelo autor poderiam constituir outros livros, como os dedicados a festas, principalmente as religiosas como a do Senhor Divino, Santo Antônio, São Pedro, São João e o carnaval. Esta última festa, o carnaval, desde o início do século XX, era festejado com os desfiles dos corsos seguidos dos blocos e cordões. As escolas de samba, que vieram depois, já na década de 1940, foram influências dos marinheiros, vindos do Rio de Janeiro para servirem no sexto Distrito de Naval de Ladário, que trouxeram além do ritmo a cadência e ginga carioca.

Como sempre, quando se trata da história de Corumbá, fala-se da Guerra do Paraguai. Proença entronizou o fato, como é de costume pelos escritores da terra. Contudo, ele lembra que o episódio da retomada, festejada no dia 13 de junho, não deu a posse definitiva da cidade para os brasileiros, que mesmo a retomando naquele dia de 1867 tiveram que abandoná-la em seguida devido a um surto de cólera que fez com que os paraguaios a ocupassem novamente, somente abandonando-a em 3 de abril de 1868.

Mesmo constatando a decadência do comercio fluvial, o autor insiste na vocação progressista de Corumbá, que nas décadas de 1940 e 1950 assistiu a um novo surto de desenvolvimento. Duas companhias de aviação – a Panair do Brasil e os Serviços Aéreos da Cruzeiro do Sul – faziam linhas diárias entre Rio de Janeiro e Cuiabá, com escala em Corumbá. O Serviço Nacional da Bacia do Prata escoava com suas chatas a extração de minérios e produção da pecuária pantaneira.

Em 1955, o autor lembra a comissão Mixta Brasil-Bolivia que inaugurou a Estrada de Ferro Brasil-Bolivia, com a presença do presidente boliviano Paz Extensoro, e do Brasil, João Café Filho, que aproveitou a ocasião para inaugurar o Moinho de Trigo Matogrossense. No mesmo ano, a fábrica de Cimento Itaú iniciou a produção. Antes, porém, em 1947, iniciou-se a exportação de ferro gusa da Sociedade Brasileira de Siderurgia S/A, juntamente com o funcionamento da Cervejaria Corumbaense.

Vale ressaltar também que a obra desse escritor expressa uma visão melancólica, mas persistente, na valorização da trajetória de urbanização no Pantanal, uma região de certa forma isolada tanto do Brasil como do próprio Estado de Mato Grosso do Sul.

Enfim, Corumbá de todas as graças é um livro de linguagem agradável e com características memorialistas, o qual se destina ao grande público em geral.


Resenhista

Gilson Lima Domingos – Mestrando em História pela UFMS. Campus de Dourados, sob a orientação do Prof. Dr. Eudes Fernando Leite, e professor de História da rede municipal de ensino de Corumbá.


Referências desta Resenha

PROENÇA, Augusto César. Corumbá de todas as graças. Campo Grande: Gráfica e Editora Ruy Barbosa, 2003. Resenha de: DOMINGOS, Gilson Lima. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.7, n.14, p.119-122, jul./dez. 2003. Acessar publicação original [DR]

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