Construindo instrumentos de avaliação para o Ensino Fundamental
Um instrumento de avaliação, como descrito etimologicamente, é um “meio” (Houaiss, 2021) interposto entre a expressão do seu desejo (formalizado em objetivo, meta) e a imagem do seu desejo supostamente satisfeito.
O instrumento não tem fim em si mesmo. Não é bom nem mau por si próprio. Sobre o instrumento, dizemos que ele é adequado ou que ele não é adequado para realizar determinado propósito de certo profissional.
No mesmo caminho, se você deseja que o seu aluno interiorize o valor do respeito ao tempo de fala e à natureza da opinião do colega, o observar os seus gestos e o analisar as suas falas em meio à um trabalho que ele realiza em equipe são os instrumentos de ensino-aprendizagem.
Se você deseja que o seu aluno retenha uma definição de fato e lança mão da comunicação oral ou da sugestão de leitura para que o seu aluno retenha a definição de fato, o comunicar oralmente ou o fornecer texto e solicitar que o aluno o leia são os instrumentos de ensino-aprendizagem.
Em outra situação, se você deseja aferir se o seu aluno retém uma definição de fato e lança mão da comunicação oral ou da sugestão de leitura para que o seu aluno conheça uma definição de fato e ele retém, o comunicar oralmente ou o fornecer texto e solicitar que o aluno o leia e expresse noção de fato são os instrumentos de avaliação da aprendizagem.
Você pode estar pensando que o último parágrafo lido repete o anterior. Mas não repetimos os parágrafos. Ao empregar os mesmos exemplos, quisemos demonstrar que um instrumento de ensino-aprendizagem pode ganhar a forma de um instrumento de avaliação e é isso que acontece, em geral, quando as ações – ensinar/aprender/ avaliar – são coerentes e alinhadas entre si. A distinção, por exemplo, entre o enunciado de ensino-aprendizagem e o de avaliação é apenas de função. A natureza é idêntica.
Se você conseguiu elaborar expectativas de aprendizagem e traduzi-las em atos de ensino-aprendizagem constitutivos de sequências didáticas, você já sabe construir instrumentos de avaliação. O que fazemos agora é, apenas, rememorar declarações anteriores, definindo, tipificando e exemplificando cada um dos constituintes dos instrumentos de avaliação: habilidades, conhecimentos declarativos, conhecimentos funcionais, capacidades, itens de resposta selecionada e itens de resposta construída.
O Item de prova é um “instrumento de avaliação” ou simples “unidade de medida” (Luckesi (2014, pos. 865, 612-625; Osterlind; 2002, p.19, p.37; Haladyna; Rodrigues, 2013, p.44; Pasquali, 1980, p.63). Essa unidade de medida tem a função de aferir o cumprimento de expectativas de aprendizagem. O item, por sua vez, informa ao aluno quais os conhecimentos, habilidades ou conjunto de tarefas relacionadas a uma competência científica ou profissional que você espera que ele atinja.
O “item” de prova é referido cotidianamente como “questão” ou “tarefa”. Estes dois termos são imprecisos porque somente expressam uma parte do enunciado: o comando do item (Osterlind, 2002, p.22, p.30). Aqui, o item de prova – proveniente da palavra “item”, unidade individual de um conjunto definido por características gerais (Houaiss, 2020) – está constituído por quatro partes: enunciado, estímulo, comando e alternativas de resposta (gabarito e distratores e justificativas das alternativas de resposta). Observe exemplos clássicos de item de prova nas ilustrações 2 e 3.
Ilustração 2. Exemplo de estrutura de um item de prova para o Ensino superiorLeia o texto abaixo [Enunciado]Segundo Katrin Weller, investigadora do GESIS Leibniz Institute for the Social Sciences, na Alemanha, as redes sociais deixaram de ser apenas um meio para comunicar com os amigos e familiares. Tornaram-se uma forma de registar os mais importantes acontecimentos sociais do nosso século. É por isso natural que, com o passar das décadas, plataformas como o Twitter ou o Facebook acabem por servir como fonte histórica. (Cipriano, 2015) [Estímulo]Com base nesta proposição e nas informações colhidas na entrevista original (disponível aqui), selecione a frase que, de modo mais completo possível, responde à questão que se segue: “Que dificuldade as fontes digitais, como as mensagens do Facebook e do Twiter, podem apresentar aos que querem utilizá-las como fontes históricas sobre o tempo presente?” [Comando]( ) a fragilidade da conservação dos dados digitais.( ) a futilidade do teor das mensagens.( ) a extensão dos acervos.( ) [Não sei]. [Opções de resposta] |
O item da ilustração 2 é destinado à avaliação de alunos do ensino superior, mas a estrutura retórica do item de prova é igual à do item de prova planejado para o ensino básico, já que possui estímulo, comando e opções de resposta.
No que diz respeito ao comando, o que planejador deseja que o aluno faça é responder (verbo indicador da ação) a uma questão sobre dificuldades de uso de fontes digitais (complemento do verbo indicador da ação), de modo mais completo (circunstância).
Já na ilustração 3, direcionada aos anos iniciais, o que o planejador deseja que o aluno faça é identificar (verbo indicador da ação) uma opinião (complemento do verbo indicador da ação), expressa em um texto do gênero notícia (circunstância).
Ilustração 3. Exemplo de estrutura de um item de prova para o 5º ano do Ensino FundamentalLeia a notícia a seguir. [Enunciado]Honestidade: criança devolve dinheiro que achou em livro[...] “Apesar do senso comum dizer que é preciso levar vantagem em tudo, a honestidade ainda vale a pena”. Com esse desabafo, o professor de História deuma escola municipal, F. Duarte, contou a história de uma criança que mostrou a essência da palavra honestidade em ações.Emoções à parte, o professor informou que durante a aula de História do 6º ano Manhã, nessa terça-feira (26), a aluna Ana K. de L. M., de apenas 10 anos, pegou um livro da sala de leitura, quando se surpreendeu com a quantia de R$300 ao folheá-lo.Ao ver o dinheiro, a menina logo anunciou ao professor sobre o que tinha achado. Segundo Duarte, um colega de classe perguntou o porquê de ela ter falado e não ter colocado dentro do bolso. A resposta de Ana K. foi dura: “Eu não quero ficar com nada de ninguém”.A criança, então, foi levada de sala em sala, sendo apontada como um exemplo de honestidade a ser seguido pelos demais. [...] (NARLLA, H. Tribuna do Ceará, 27 mar. 2013. Disponível em: <http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/fortaleza/honestidade-crianca-devolve-dinheiro-que-achou-em-livro>. Acesso em: 14 dez. 2017. Fragmento) [Estímulo]Nessa notícia, há uma opinião que está expressa em: [Comando] ( A ) “‘Apesar do senso comum dizer que é preciso levar vantagem em tudo, a honestidade ainda vale a pena’.” ( B ) “[...] a aluna Ana K. de L. M., de apenas 10 anos, pegou um livro da sala de leitura.” [Opções de resposta] ( C ) “Ao ver o dinheiro, a menina logo anunciou ao professor sobre o que tinha achado.” [Gabarito ou opção de resposta correta] ( D ) “[...] um colega de classe perguntou o porquê de ela ter falado e não ter colocado dentro do bolso. [Distrator ou opção de resposta incorreta] Justificativa A O aluno que seleciona esta alternativa entende que a fala do professor expressa a opinião dele em relação à ação da aluna. B O aluno que seleciona esta alternativa não compreende que ela apresenta uma descrição objetiva da aluna e de suas respectivas ações. C O aluno que seleciona esta alternativa não compreende que, no trecho, há apenas fatos. [Justificativas do Gabarito] D O aluno que seleciona esta alternativa não compreende que o trecho apresenta apenas um relato de um acontecimento, sem se emitir nenhuma opinião. [Justificativas do Detrator] Fonte: Edocente.com, sd. |
Em geral, os itens são constituídos por uma quantidade de elementos que varia entre três e oito. A nomenclatura desses elementos, entretanto, pouco muda.
Nesta aula, separamos “enunciado”, “estímulo” e “comando”, designamos as opções de respostas por “gabarito” e “distratores” e incluímos as “justificativas do gabarito e dos distratores” e a escala de pontuação ou rubrica como elemento estruturante do item (Osterlind, 2002, p.19; Haladyna; Rodrigues, 2013, p.3; Rodriguez; Albano, 2017, p.35; CAED, sd. p.17).
O enunciado é o primeiro elemento do item de prova. Ele é constituído por um comando preliminar que orienta o que fazer, inicialmente, um texto escrito, uma imagem ou um infográfico para responder ao comando principal (vulgarmente chamado de questão de prova).
Estímulo é o nome desse texto que o aluno é convocado a ler: um fragmento de poema, uma história, fotografia, gráfico de linhas etc. Ele corresponde à aprendizagem esperada, pois contempla, de modo indireto, informações que podem aumentar a convicção do(a) aluno(a) de que a alternativa selecionada está correta.
O estímulo também chama a atenção do aluno para o tema que está em avaliação. Ele evoca a lembrança do aluno para o centro do programa de curso. Ele faz o papel de um professor ao dizer, implicitamente: Caro aluno, esta questão se refere à primeira unidade, que trata de assunto tal.
O estímulo, por fim, pode fornecer informações sobre tempo, espaço e circunstâncias, situando o aluno, evocando seus conhecimentos prévios. Por essa razão, o estímulo é muitas vezes chamado de “contexto”.
O comando, como a palavra sugere, informa ao aluno o que ele deve fazer, em acordo com a expectativa de aprendizagem. Por essa razão, comandos devem ser breves e claros. Podem ser interrogações, declarações afirmativas completas ou incompletas.
Um comando pode traduzir exatamente uma expectativa de aprendizagem e/ou uma atividade de ensino-aprendizagem, mas pode também dar conta de apenas uma ação dentre as prescritas por uma expectativa ou uma atividade de aprendizagem. Dizendo de outro modo, um comando pode dar conta de parte de uma expectativa, de uma ou de várias expectativas, de parte de uma atividade ou de várias ou atividades de ensino-aprendizagem.
As alternativas de resposta também correspondem à aprendizagem esperada. São enunciados que oferecem possibilidades de o(a) aluno(a) demonstrar que conhece o suficiente os elementos de composição de itens de prova para identificá-los entre outras expressões que não correspondem a elementos de composição de itens de prova “conforme” prescrito pelo autor citado no estímulo.
A estrutura sintática das alternativas depende da estrutura sintática de um comando. Se ele afirma algo, certamente requererá do aluno confirmação ou negação como resposta. Se ele deixa incompleta a declaração, provavelmente, solicitará que o aluno complete a frase.
Quanto ao número ideal de alternativas de resposta, não há consenso entre especialistas. Aqui, sugerimos que empreguem três alternativas com uma quarta alternativa (se for adequado) valiosa para a avaliação diagnóstica e a autoavaliação: a alternativa “não sei”.
As alternativas de resposta não devem ser produzidas aleatoriamente. Se a função da avaliação é auxiliar o aluno, nenhuma alternativa de induzi-lo à erro (ao menos a um novo erro). Alternativas de respostas são o que são: alternativas. Não podem ser armadilhas. Devem ajudar a medir o que o aluno sabe ou sabe fazer.
Assim (para consumo interno), cada alternativa de resposta deve ser acompanhada de uma justificativa. Para a alternativa correta, escrevemos gabarito. Para as incorretas, escrevemos distratores. Essas são as expressões técnicas para as explicações sobre as prováveis causas de erro e as causas das respostas corretas.
Além das alternativas de resposta, com seus respectivos distratores e gabarito, o item de prova pode conter uma escala de pontuação ou rubrica.
A rubrica tem a função de orientar a conversão dos resultados em conceitos ou notas. Elas hierarquizam o desempenho no contexto individual de aprendizagem e permitem comparações. Elas nos auxiliam também a construir perfis do desempenho coletivo.
Essa situação vale, principalmente, para os itens de formado aberto ou de resposta construída pelo(a) aluno(a), como nas ilustrações 4 e 5.
Ilustração 4. Exemplo de rubrica de um item de prova para o 3º ano do Ensino FundamentalMarque as palavras do quadro que estão na música do cravo e da rosa.ManhãO CRAVO BRIGOU COM A ROSADEBAIXO DE UMA SACADAO CRAVO SAIU FERIDOE A ROSA DESPEDAÇADAQuestão 4
|
Ilustração 5. Mais um exemplo de rubrica de um item de prova para o 3º ano do Ensino Fundamental (II)Escreva o seu nome. [Comando]________________________________________________________ [Resposta a ser construída]Questão 1
|
Na ilustração 4, temos um item de prova do tipo resposta selecionada, ou seja, para o item que apresenta possibilidades de resposta e limita a ação do aluno à tais possibilidades. A rubrica para este item é construída com elementos contáveis. O desempenho do aluno é tipificado a partir da quantidade de palavras que ele consegue relacionar entre o que lembra e o que identifica visualmente.
Já Na ilustração 5, temos um item de prova do tipo resposta construída, ou seja, pra o item que solicita do aluno a criação da resposta. Mais que no caso anterior, o item de resposta construída mede qualitativamente o desempenho do aluno, analisando integralidade da escrita do nome e pela clareza da grafia, por exemplo.
5.4. Especificando o objeto da mensuração
Já vimos as semelhanças sintáticas entre os enunciados de expectativas de aprendizagem, atividades e itens de prova. Vimos, inclusive, que todos eles são estruturados em verbos e complementos aos quais designamos, em geral, por habilidades e conhecimentos e (em alguns casos de coligação desses termos) capacidades. Aqui, vamos definir e detalhar esses três elementos constituintes do que se chama, cotidiana e equivocamente de “conteúdo.
Considerem o exemplo expresso na ilustração 6. Designando os objetos pela terminologia acima, percebemos implicitamente o “identificar” como uma habilidade e a “opinião sobre a princesa” como conhecimento.
Ilustração 6. Exemplo de item de prova que contempla habilidade e conhecimento
Leia o texto abaixo e responda à questão. [Enunciado]PRINCESA NENÚFAR ELFO-ELFANasceu já bem pálida, de olhos claros e cabelos loiros, quase brancos. Foi se tornando invisível já na infância e viveu o resto da vida num castelo mal-assombrado, com fantasmas amigos da família. Dizem que é muito bonita, mas é bem difícil de se saber se é verdade.(SOUZA, Flávio de. Príncipes e princesas, sapos e lagartos. Histórias modernas de tempos antigos. Editora FTD, sdt., p.16. Fragmento).A opinião das pessoas sobre a princesa é de que ela [Enunciado/Comando](A) É muito bonita. [Gabarito](B) é pálida, de olhos claros.(C) tem cabelos quase brancos.(D) vive num castelo. [Alternativa de resposta]Caracterize uma carta de sesmaria expedida no século XVI a partir da análise dos seus elementos físicos.Fonte: Elaborado por JUIZ DE FORA, 2008. p.27. Adaptado). |
Quando anunciamos o que o aluno deve aprender (ilustração 5.4), estamos tratando do convencional “conteúdo”. Se o que o aluno deve aprender é caracterizar identificar a opinião de pessoas sobre determinado personagem, podemos concluir que o conteúdo ou o objeto da aprendizagem é constituído por esses dois elementos: a habilidade (identificar) e o conhecimento (uma opinião).
Por isso, desse ponto em diante, solicitamos que substituam, momentaneamente, a palavra conteúdo pela expressão objeto de aprendizagem (o que o aluno deve aprender), ou seja, conteúdo, nesta nossa atividade de aprendizagem, significa “habilidade”, “conhecimento” e “valor”.
Habilidade é a qualidade de poder fazer e é o próprio poder de fazer algo. Ser ou estar habilitado e ser ou estar apto ou demonstrar destreza ou disposição (Houaiss, 2020).
Ser habilidoso ou hábil a distinguir fato de opinião, por exemplo, é demonstrar poder de distinguir fato de opinião, é demonstrar domínio ou maestria na distinção entre fato e opinião. É demonstrar o poder de selecionar, criticar e sintetizar informações de fonte confiável, transformá-las em argumentos e convencer o outro sobre a plausibilidade, a coerência ou a superioridade da sua opinião.
Não há nada de estranho em uma prova que solicita ao aluno recuperar de memória e descrever a sua lembrança de como ele mesmo (ou alguém) executou determinado procedimento ou criou um produto. A habilidade de rememorar não é inerente ao comportamentalismo, assim como a habilidade de aplicar não é inerente ao construtivismo.
Numa tipificação singela e funcional, identificamos (em todas as expectativas de aprendizagem, de atividades e itens de prova): habilidades de baixa complexidade, como os processos mentais de lembrar, compreender, e habilidades mentais de alta complexidade, como os processos de aplicar, criar e criticar.
A seleção da complexidade (alta ou de baixa) e a hierarquização (a habilidade que vem antes, durante ou depois) no planejamento e a fundamentação das hierarquias entre as habilidades segue padrões ditados por várias das taxonomias (de objetivos educacionais, de habilidades e conhecimentos etc.) que circulam entre os teóricos do currículo, do desenvolvimento humano e da aprendizagem.
No início de uma unidade, você pode considerar fundamental a retenção de alguns conceitos e, por isso, planejar atividades que mobilizem habilidades de baixa complexidade como o “lembrar” e o “identificar”. Na última unidade, da mesma forma, quando você julgar que o aluno já domina determinadas categorias, pode programar atividades que envolvam o domínio de processos ou de criação de produtos. A esses atos de planejamento, nós chamamos de progressão das aprendizagens.
Esses níveis de complexidade ou estratégias de planejamento da progressão das aprendizagens, evidentemente, estão aqui dispostos de modo didático e teórico. Na prática, a complexidade de uma atividade ou de um item de prova pode ser estabelecida por outras variáveis, como quantidade de ações requeridas em uma tarefa, a faixa etária à qual pertence o aluno, a experiência prévia (ou a ausência dela) e o conhecimento exigido para o desempenho do aluno.
Isso é importante reter: nem toda estratégia de ensino-aprendizagem se inicia com atividades que requerem baixas habilidades (mentais, psicomotoras etc.). A complexidade de uma atividade depende da combinação que fazemos, principalmente, entre a habilidade, o conhecimento e o valor. Vamos tratar de cada um desses elementos, iniciando com o menos comum.
Valor é uma qualidade que conferimos aos a um pensamento, um sentimento, uma ação e, sobretudo, aos produtos de uma ação. Dizemos, então, que um objeto vale ou não vale, e que vale mais ou vale menos em comparação a outro objeto.
Da mesma forma, dizemos que a ação de votar vale, não vale, vale mais ou vale menos que a ação de eleger-se; dizemos que o direito não se vacinar é inferior (vale menos) ao direito à saúde coletiva (vale mais); que o direito à liberdade individual pode ser cassado (vale menos) pelo Estado; que o Estado tem o direito de prender (vale mais) alguém provoca uma comprovada morte dolosa, cerceando o direito à vida (vale mais) do outro.
Valores não são genéticos. Valores são aprendidos. Valores são, portanto, objetos de ensino-aprendizagem. Por isso, valores estão prescritos na Constituição. Já no preâmbulo da Carta, nos deparamos com a expressão “valores supremos”. Eles são: os direitos à “liberdade”, “segurança”, “bem-estar”, “desenvolvimento”, “igualdade” e “justiça”. Valores também estão prescritos nos “fundamentos do Estado de Direito”, como os “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. Estão no capítulo relativo aos direitos políticos a exemplo da “igualdade de direito de voto”.
Esses valores são desmembrados em outros valores e traduzidos em princípios, expectativas de aprendizagens e em descritores de avaliação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na BNCC e na Matriz do SAEB.
Contudo, valores por si sós não constituem expectativas de aprendizagem. Da mesma forma que, na vida prática, os pensamentos, os sentimentos e as ações estão imersas em valores (pensamos, sentimos e agimos fundamentados em valores), no planejamento do ensino-aprendizagem e da avaliação, os valores podem ou não estar explícitos nas expectativas de aprendizagem e nos descritores. Em geral, eles podem ser visualizados no conjunto da expectativa e, principalmente, nos conhecimentos veiculados por essa mesma expectativa.
Conhecimento é uma percepção mental. É um objeto de aprendizagem passível de lembrança, compreensão ou aplicação. Conhecimentos, em geral, são tipificados como: fato, conceito, princípio ou processo (Bloom, 1977).
Essa divisão quadripartite facilita o nosso trabalho de ensinar a construir expectativas de aprendizagem e comandos de item. No dia a dia, contudo, encontramos mais de duas centenas de palavras indicadoras de conhecimento.
Não bastasse tal variação, conhecimentos são classificados de diferentes maneiras, em acordo com a noção de desenvolvimento humano e de cognição que fundamentam as já referidas taxonomias.
Além da sequência anunciada acima – fato/conceito/princípio/processo –, vocês vão encontrar conhecimento tipificado como: processual/metacognitivo (Anderson e Krathwohl, 2001), informacional/mental/psicomotor (Marzano; Kendall, 2007), verbal/quantitativo/analítico (Haladyna; Rodrigues, 2013), conhecimento funcional/declarativo (Biggs; Tang, 2011).
Mas não vamos discutir a complexidade dessas alternativas. Nesta aula, tomamos o caminho mais conhecido e didático que é separar, de modo típico-ideal, o verbo e o seu complemento.
Ilustração 7.Identificar e elaborar diferentes formas de representação (desenhos, mapasmentais, maquetes) para representar componentes da paisagem dos lugares de vivência. (EF02GE08-BNCC) |
Na Ilustração 7, por exemplo, é fácil separar, de modo típico-ideal, o verbo e o seu complemento. O “identifique” e o “elabore” e o implícito “represente” são habilidades, enquanto a expressão “formas de representação” é um conhecimento a ser demonstrado.
Por outro lado, quando solicitamos que o aluno leia um texto ficcional e elabore uma maquete de um engenho colonial para representar as distinções sociais e econômicas dos senhores de engenho, dos trabalhadores livres e dos trabalhadores escravizados anunciadas no referido texto, a separação clara entre habilidade e conhecimento com vistas à avaliação é praticamente impossível.
Essa dificuldade também encontramos ao solicitar do aluno que demonstre o que deve fazer uma pessoa que quer proteger animais abandonados nas ruas, engajando-se em atividades de uma Organização Não Governamental.
Em ambas as situações, traduzir as tarefas em uma frase, deixando nítidos os conhecimentos e as habilidades a serem mobilizadas é uma tarefa inglória.
Assim, para designar esse complexo de habilidades e conhecimentos com o objetivo de cumprir tarefas complexas, demandadas por certa situação de estudo, trabalho ou na resolução de um problema na vida prática, empregaremos outra palavra: capacidade.
Capacidade é o poder mental e/ou físico de fazer algo com alguma coisa. As capacidades reúnem habilidades e conhecimentos para resolver tarefas complexas no contexto de determinada demanda formativa de sociabilidade, científica ou profissional.
Para a primeira tarefa acima, a expressão que sintetiza esses conhecimentos e habilidades é a “capacidade de representar o passado mediante a elaboração de artefatos associados a narrativas orais”. No caso do segundo exemplo, a expressão síntese é a “capacidade de engajar-se em projetos solidários de proteção aos animais”.
5.5. Selecionando tipos de itens de prova
Essa natureza do objeto de aprendizagem – uma habilidade, um conhecimento, uma capacidade que mobiliza habilidade, conhecimento e valor, por exemplo – é um determinante da escolha do tipo de item que constituirá a sua prova.
Aqui, é importante repetir o que afirmamos sobre o comando: não há item bom ou ruim. Há item adequado ou inadequado ao que você quer mensurar e à situação (diagnosticar, atribuir notas etc.).
Suponhamos que você queira medir o grau de compreensão que o aluno retem de fato; suponhamos, ainda que queira fazê-lo de modo rápido e diagnóstico e, ainda, que deseje comparar os resultados dos alunos para construir um perfil da turma. Neste caso, você pode lançar mão do item de resposta construída, ou seja, do item que apresenta alternativas de respostas para a livre escolha do aluno.
Na ilustração 8, temos um exemplo de aferição da compreensão de fato, mediante a leitura de notícia de jornal, o grifo de palavras e a seleção de uma entre as alternativas fornecidas pelo professor.
Ilustração 8. Exemplo de item de prova do tipo resposta selecionada
Leia a imagem e o texto e responda o que se pede [Enunciado]Igreja 'flutua' a 31 m para ser preservada em obra na região da Avenida PaulistaComplexo Matarazzo, que terá hotel e shopping, mantém estrutura suspensaA operação, que surpreendeu quem mora e trabalha ao lado do terreno, foi projetada para proteger a estrutura da igreja de Santa Luzia durante as obras do futuro complexo Cidade Matarazzo. Inaugurada em 1922, ela é tombada como patrimônio histórico. Ao redor da igreja, será construído um conjunto com hotel, shopping e uma torre de 22 andares assinada pelo arquiteto francês Jean Nouvel.De acordo com o engenheiro Maurício Bianchi, responsável pela obra no complexo Matarazzo, foi necessário manter a capela suspensa para aproveitar ao máximo o terreno. Ele explica que várias partes do antigo hospital são protegidas pelo patrimônio histórico, o que obriga o aproveitamento máximo de cada centímetro. Um sistema de oito profundas colunas - com 31 metros de altura, além de outros 23 metros sob o solo - conectadas por uma laje foi construído no entorno e abaixo da capela, que originalmente possuía só 1,5 metro de fundação.Para evitar qualquer rachadura, a escavação das colunas não foi feita com bateestacas, mas sim com uma perfuratriz de baixa percussão, da maneira mais lenta possível. "Eu deixava até um copo de água sobre o altar para ter certeza de que as vibrações eram mínimas", conta Bianchi. 9Somente então foi iniciada a etapa mais delicada do procedimento. Através de processos como o hidrojateamento, espécie de bombeamento de água sob alta pressão, a terra acomodada sob o prédio foi lentamente removida. Questionado sobre os eventuais prejuízos que a operação causou ao prédio, ele é categórico: "O resultado é impecável”.Apenas o piso da capela Santa Luzia sofreu modificações. Para mantê-lo intacto e sem quebras, foi necessário desmontá-lo em peças, que foram catalogadas uma a uma, como em um quebra-cabeças. O altar também seria removido, mas os engenheiros temeram danos ao mármore e preferiram instalar sob ele uma laje adicional de sustentação. (Adaptado de acesso em 05.jul.2018) [Estímulo]QUESTÃO 1Quando questionado sobre o resultado da operação, Maurício Bianchi afirma que foi [Enunciado/Comando](A) surpreendente.(B) impecável.(C) satisfatório.(D) vibrante. [Alternativas de resposta]
Fonte: Elaborado por São Paulo (2018, p.8-9). |
Se, por outro lado, você não quer aferir apenas o grau de compreensão do aluno sobre os traços distintivos de opinião, desejando perceber o seu poder de apresentar opinião pessoal baseada em fatos e quer conhecer individualmente as dificuldades e facilidades dos alunos, você pode lançar mão do item de resposta construída, ou seja, do item que exige a construção de textos como parte principal do cumprimento da tarefa.
Neste segundo caso (ilustração 9), você terá que construir uma escala de pontuação ou uma rubrica para avaliar o desempenho a partir de parâmetros justos e quantificáveis.
Ilustração 9. Exemplo de item de prova do tipo resposta selecionada
Leia a imagem e o texto e responda o que se pede [Enunciado]Igreja 'flutua' a 31 m para ser preservada em obra na região da Avenida PaulistaComplexo Matarazzo, que terá hotel e shopping, mantém estrutura suspensaA operação, que surpreendeu quem mora e trabalha ao lado do terreno, foi projetada para proteger a estrutura da igreja de Santa Luzia durante as obras do futuro complexo Cidade Matarazzo. Inaugurada em 1922, ela é tombada como patrimônio histórico. Ao redor da igreja, será construído um conjunto com hotel, shopping e uma torre de 22 andares assinada pelo arquiteto francês Jean Nouvel.De acordo com o engenheiro Maurício Bianchi, responsável pela obra no complexo Matarazzo, foi necessário manter a capela suspensa para aproveitar ao máximo o terreno. Ele explica que várias partes do antigo hospital são protegidas pelo patrimônio histórico, o que obriga o aproveitamento máximo de cada centímetro. Um sistema de oito profundas colunas - com 31 metros de altura, além de outros 23 metros sob o solo - conectadas por uma laje foi construído no entorno e abaixo da capela, que originalmente possuía só 1,5 metro de fundação. [...] (Adaptado de acesso em 05.jul.2018) [Estímulo]QUESTÃO 1O complexo Cidade Matarazzo deveria ou não deveria ser construído em torno da igreja de Santa Luzia? Apresente a sua opinião sobre essa questão por escrito, considerando informações fornecidas no texto acima e respeitando as normas da língua culta.
Fonte: Adaptado de São Paulo (2018, p.8-9). |
Atividade
Na literatura especializada, nos manuais de formação continuada, nos livros didáticos, no sites de suporte ao professor vocês encontrarão centenas de formatos de itens de prova que se enquadram em um desses dois tipos básicos que tratamos aqui. Agora, revisem os conhecimentos apreendidos neste texto e construam vocês mesmos os seus próprios inventários de modelos.
Aqui, em sala, contudo, vamos elaborar três itens de prova adequados a conteúdo distinto: conhecimento declarativo (um saber) e conhecimento funcional (um saber-fazer).
Elaborem um item de prova (diagnóstica, formativa ou somativa) construído com o auxílio do texto que acabamos de interpretar, entre os três tipos listados abaixo.
- Um item de prova para conhecimentos declarativos com alternativa de resposta selecionada;
- Um item de prova para conhecimentos declarativos com alternativa de resposta construída, acompanhado de rubrica ou escala de pontuação.
- Um item de prova para conhecimentos funcionais, acompanhado da respectiva rubrica ou escala de pontuação.
Bom trabalho!
Referências
ARREDONDO, Santiago Castillo e DIAGO, Jesús Cabrerizo. Introdução. In: Avaliação educacional e promoção escolar. Curitiba: Ibpex; São Paulo: Unesp, 2009. pp. 27-87. [Primeira edição em espanhol – 2003].
AUSUBEL, David P., NOVAK, Joseph D., HANESIAN, Helen. Psicologia educacional. 2 ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980. [Primeira edição em inglês – 1978.
BLOOM, B. Taxonomy of educational objectives. An Arbor: Edwards Bros., 1956.
KANT, Immanuel. Prefácio à segunda edição. In: Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural, 2000. pp. 35-51.
PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar: convite à viagem. Porto Alegre: Artmed, 2000. pp. 49-51. [Primeira edição em francês – 1999].
SKINNER, Burrhus Frederich. Tecnologia do ensino. São Paulo: Herder/Editora da USP, 1972.
TYLER, Ralph W. Princípios básicos de currículo e ensino. 4 ed. Porto Alegre: Globo, 1977. [Primeira edição em inglês – 1948].