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Construindo impérios na época moderna: Negócios – Política – Família – Relações Globais | Cantareira | 2021

Cinchona | Foto: Royal Botanic Garden

Nos últimos anos, com as abordagens trazidas pela História Global, os estudos das redes foram tendo sua importância renovada, sobretudo como método para o entendimento das relações complexas entre indivíduos, grupos e estados, tal como o colocou Fernand Braudel.

No campo da História, esta análise serviu como metodologia para compreender os sujeitos dentro das redes que se estabeleciam a partir de laços familiares, religiosos, clientelares, políticos ou econômicos, mas também dos mecanismos de controle, formais ou informais, que permitiram o desenvolvimento dessas relações na longa distância, em diferentes universos políticos, econômicos, sociais e culturais.

Quando nos referimos a agentes, não nos referimos apenas a comerciantes ou funcionários régios (governadores, magistrados, militares, bispos etc.), mas todos aqueles que, de uma forma ou de outra, fizessem ou pudessem fazer parte de uma rede, seja ela política, econômica, religiosa ou familiar.

No âmbito desse dossiê, os historiadores foram chamados a pensar a construção dos impérios na época moderna a partir de temas como política, família, redes e relações globais.

Os doze textos que agora se apresentam são fruto dessa proposta, com o acréscimo de análises distintas, que elevam o debate historiográfico a questões coloniais com muita maestria.

O texto de abertura é de Diego Estevam Cavalcante Cavalcante, intitulado “A Quina (chinchona) e império português: explorações, transferências e aclimatações”. Com um tema bastante original e pouco conhecido na historiografia brasileira, o autor utiliza a história da planta Quina (chinchona) como ponto de partida para analisar a conectividade entre os espaços. A partir da circulação da planta o autor estabelece um diálogo com a historiografia brasileira, tendo por base o conceito de imperialismo ecológico conceito criado por Alfred. W. Crosby, entendendo que as questões ambientais são um profícuo assunto para discussões menos nacionais e mais globais.

A seguir temos o texto “As reflexões dos mercantilistas ingleses sobre a trajetória imperial espanhola…” de autoria de Felipe Mesquita. A partir de uma leitura de um conjunto de textos com origem no mundo anglo-saxónico, sobre fracasso do império espanhol, o autor constrói uma análise sobre o discurso econômico inglês entre fins do XVII e início do XVIII, chamando a atenção para um conjunto de ideias que perdurariam até aos nossos dias. Para tanto, o autor utiliza a História Global como método para argumentar que, ainda que os autores mercantilistas quisessem enriquecer suas nações, o conceito de mercantilismo era formulado a partir de um quadro político e econômico internacional.

Assim como Mesquita, Sylvia Ramalho de Brito também utilizou a metodologia da História Global em seu texto “O papel das redes mercantis durante a monarquia hispânica: o caso da capitania da Paraíba (1584-1600)”. Ao relacionar o processo de conquista da capitania da Paraíba com a formação do complexo atlântico, através de redes de negócios que conectavam a interiorização na América com Lisboa, Madrid, Luanda e Cartagena, a autora apresenta uma análise inovadora a respeito de processos que por vezes são justificados pela historiografia como problemas internos a cada Coroa.

O recorte temporal utilizado por Brito é o da união ibérica (1580-1640), período propício para análises que coadunam questões globais com problemas locais. Mas assim como o tempo, espaços de fronteira também têm essa característica. E é justamente isso que é explorado no texto de Alana Basso. A autora se propõe a discutir questões sobre o contrabando de escravos na região da Colônia do Sacramento. Segundo seu argumento, o tráfico ilegal era o ponto de conexão entre as relações mercantis justamente pela zona de fronteira entre os dois impérios.

As regiões fronteiriças são espaços fecundos para observar questões que não se contentam com análises endógenas.

Foi justamente para o Rio da Prata que em 1799, o tenente Joaquim Xavier foi realizar uma missão de espionagem para o então príncipe regente D. João VI, objeto do texto “Diplomacia e espionagem em tempos de neutralidade”, de Tiago Bonhemberger. A missão patrocinada pela Coroa portuguesa se enquadra em um período de forte instabilidade das relações diplomáticas entre Portugal, Espanha e Inglaterra, fruto das invasões napoleônicas na Europa.

Diferente dos temas anteriores, o texto de Fabrício de Santana se debruça sobre o pensamento de Francisco de Vitória a partir da explicação sobre concepções de magia natural.

Distinto tematicamente, entretanto, não significa desarticulado da discussão. Os impérios não foram construídos apenas por ordens práticas, mas com fundamentações intelectuais muito importantes. Nesse sentido, como demonstra o texto de Santana, Francisco de Vitória foi um importante teólogo dominicano, professor na Universidade de Salamanca, cujas reflexões e obras não só dialogaram com correntes de pensamento de várias partes do mundo, mas pensou e fundamentou problemas globais do período, tendo como temas a colonização nas Américas, a guerra justa e a origem do poder dos reis.

Se pensar a construção dos impérios na época moderna sob um viés que conecta distintas partes, sejam elas ideias, mercados, trajetórias ou produtos nos faz compreender a complexidade do mundo em que vivemos, olhar para o interno também se faz necessário.

É nesse sentido que esse dossiê também apresenta três textos que se aprofundam em questões voltadas para a história colonial brasileira, sem deixar de oferecer novas análises. “A ordem político-administrativa para a comarca de Serro Frio”, de autoria de Joelmir Cabral demonstra uma pesquisa bem consolidada a respeito dessa importante região diamantina. O autor estando mais focado na análise das questões internas da comarca, referentes a administração e legislação da mineração dos diamantes, vem de certa forma completar os trabalhos até à data feitos sobre a mineração e negócio dos diamantes.

Assim como as mercantis, a construção de redes familiares permite analisar a inserção de sujeitos em mecanismos de controles políticos, econômicos e religiosos, em longas ou curtas distâncias. É disso que trata o texto de Ana Lunara Morais, ao perseguir a trajetória de oito herdeiros importantes de famílias do Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. A autora observou um modelo de reprodução social. Segundo suas conclusões, os mecanismos de reprodução através de casamentos ou exercendo ofícios administrativos e militares, garantiu a continuação patrimonial, perpetuando o status quo de nobreza da terra dessa importante capitania. Morais destaca o papel das mulheres nesse mecanismo através do casamento, que permitiu ligações com homens de outras famílias, que ocupavam importantes ofícios administrativos, como cargos de oficialato jurídico.

As atribuições na justiça eram comumente concedidas aos capitães e ouvidores das capitanias. A Coroa portuguesa procurou modificar essa organização no início do século XVIII, com a criação das Juntas de Justiça. É sobre esse processo que trata o texto de Bárbara Benevides, a partir da primeira autorização para sua criação em 1723 e a sua importância de reordenamento judicial e de domínio dos povos implantados pela Coroa portuguesa a partir de setecentos.

Este dossiê também conta com uma transcrição de fonte manuscrita feita por Jaime Rodrigues, com dados referentes a viagens de duas naus que faziam a rota marítima que ligava Lisboa a Goa. O documento está presente no Arquivo Histórico da Marinha em Lisboa. Sua publicação não apenas abre possibilidades de pesquisa sobre diversos temas, como valoriza o trabalho de transcrição – inerente a profissão do historiador – e divulga arquivos e séries documentais por vezes desconhecidas do público brasileiro, por se situarem em arquivos distantes.

Assim como a transcrição, a cuidadosa análise das fontes é igualmente imprescindível.

Os textos de Pedro Henrique Lima e Isis Macedo Tejo, são exemplos dessa tarefa. O primeiro, tratando sobre um manuscrito da revolta de Vila Rica em 1720, analisa a forma como o autor setecentista construiu o texto no âmbito da forma e conteúdo. O segundo, trata de uma “relação de sucesso” sobre a queda de Salvador em mãos holandesas em 1624, analisando como a cultura escrita e a divulgação de notícias foram também elementos importantes para a manutenção do Império.

Por fim, entrevistamos a professora Francesca Trivelatto. Historiadora e professora de história moderna nos Estados Unidos no Instituto de Estudos Avançados e com livro recém traduzido para o português, Trivellato generosamente nos respondeu a um conjunto de perguntas que vão desde a sua descoberta da História, passando pelo seu percurso académico, até à sua visão sobre alguns temas de política da atualidade.

Desejamos a todos uma ótima leitura!


Organizadores

Naira Maria Mota Bezerra – Doutoranda em História pela Universidade Federal Fluminense e mestra em História pela mesma instituição (2018). No doutorado, investiga os governos de Salvador, Angola e Rio de Janeiro no período pombalino (1755-1777). Suas pesquisas se dedicam à história política, história global, governos e governadores do império português (século XVIII).

Tomás Pinto de Albuquerque – Doutorando no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa e mestre em História moderna e dos Descobrimentos pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa (2017). No doutorado, investiga as companhias de comércio colonial portuguesas, nomeadamente Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1755-1777). Suas pesquisas se dedicam à histórica econômica, redes comerciais e mercados de capitais em Portugal no século XVIII.


Referências desta apresentação

BEZERRA, Naira Maria Mota; ALBUQUERQUE, Tomás Pinto de. Apresentação – Construindo impérios na época moderna: negócios, política, família e relações globais (séculos XVII e XVIII) Cantareira. Niterói, n.35, jul./dez., 2021. Acessar publicação original [IF]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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