Conquista Espiritual. A história da evangelização na Província do Guairá na obra de Antonio Ruiz de Montoya, S. I. (1585-1652) | Jurandir Coronado Aguilar
O livro trata da história da evangelização feita pelos jesuítas no início do século XVII no Guairá, região da fronteira do Brasil com o Paraguai. Pelo lado brasileiro é a região de Guairá, no Paraná. A figura do padre Antonio Ruiz de Montoya S. I. (1585-1652) é destacada pelo autor e analisada mais detidamente. A obra é resultante das pesquisas feitas pelo autor em seu doutorado em História da Igreja cursado na Pontifícia Universidade Gregoriana do Vaticano. A pesquisa mereceu o Prêmio Bellarmino de 2001 e foi publicada no ano de 2002 em Roma. O texto é apresentado em português.
O autor é presbítero da diocese de Campo Mourão, no Paraná, desde 1989. Sua formação sacerdotal básica foi realizada nos seminários de Maringá e Londrina, no Paraná, e em Florianópolis, Santa Catarina (Instituto Teológico).
O livro é dividido em seis capítulos e contém ainda nove anexos, tabela de abreviaturas utilizadas no texto, além dr fontes e bibliografia de apoio apresentadas separadamente, e de modo didático. Sua metodologia vai da análise do contexto histórico às particularidades da Missão no Guairá, sempre amparado na análise documental. Relatos, cartas, mapas, depoimentos e ensaios da época são suas fontes de pesquisa. A maior parte dessas fontes é constituída de manuscritos depositados no Archivum Romanum Societatis Iesu, de Roma, no Archivo General de Indias, de Sevilha, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, no Arquivo Histórico Ultramarino, também em Lisboa, no Arquivo do Estado de São Paulo, em São Paulo, no Arquivo Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva, também em São Paulo, e no Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis e alguns outros.
O primeiro capítulo contextualiza o chamado período filipino da história da Espanha (fins do século XVI e grande parte do século XVII), cujo fundamento político-ideológico era a união entre a Coroa e a Igreja. Nesse período aconteceu também a união ibérica, quando Portugal permaneceu sob o jugo da monarquia espanhola. A configuração política do período determinou os rumos das duas nações ibéricas em direção à Modernidade.
O segundo capítulo trata da formação histórica da Companhia de Jesus, um componente imprescindível da expansão das coroas ibéricas e também da colonização da América, em especial do Cone Sul desse continente, palco da epopéia missionária mais importante dos jesuítas.
O terceiro capítulo nos apresenta o estabelecimento da Companhia de Jesus no Guairá, junto aos indígenas. O destaque maior é dado pelo autor à figura de Antonio Ruiz de Montoya, destacado missionário jesuíta. Nascido em Lima, no Peru, esse jesuíta acabou se transformando num grande personagem da história da América. O capítulo quarto se detém na análise mais detalhada da obra Conquista Espiritual (Conqvista espiritual hecha por los religiosos de la Compañia de Iesus, en las prouincias del Paraguay, Parana, Vruguay y Tape: Madrid, 1639) da autoria de Antonio Ruiz de Montoya. As idéias e informações apresentadas nessa obra são comparadas a outros documentos da mesma época.
O quinto capítulo trata do que o autor chama de “zelo apostólico em favor do povo guaranítico” de Ruiz de Montoya. São analisadas as ações desse jesuíta peruano junto à corte espanhola na defesa da liberdade dos índios nas Missões, e também, para tentar barrar as incursões beligerantes dos colonos e bandeirantes sobre as Missões. As tentativas não lograram êxito, tendo-se em vista o genocídio dos índios perpetrado pelos colonos castelhanos e bandeirantes, sob os olhos complacentes das duas Coroas.
O sexto capítulo analisa especialmente o conteúdo da obra Catecismo da língua guarani (Catecismo de la lengua guaraní, publicada pela primeira vez em 1640), também de Ruiz de Montoya. A obra, além de expressar a visão da Companhia de Jesus sobre sua própria ação pastoral e catequética, fornece preciosas informações sobre o modo de vida e de pensar daquela gente guarani.
O cuidadoso trabalho de consulta às fontes feito pelo autor é um exemplo de rigor metodológico e de dedicação à pesquisa. A originalidade do trabalho consiste justamente nisso: o trabalho direto com as fontes. Hoje em dia são raros os empreendimentos acadêmicos que investem na pesquisa com tantos documentos originais. Nesse sentido a obra é um exemplo de pesquisa acadêmica. Ela nos indica a localização e apresenta documentos históricos valiosos para o estudo de nossa história. Isso possibilita que outros pesquisadores possam percorrer esse caminho e até, reinterpretar os documentos. Quem sabe?
O livro não traz uma biografia de Antonio Ruiz de Montoya, no entanto, o material coligido pelo autor do livro permite também um percurso biográfico do jesuíta peruano, conforme nos informa já no prólogo do livro o padre Alberto Gutiérrez S. J.
A pesquisa histórica feita a partir do trato direto com os documentos parece cada vez mais distante dos meios acadêmicos brasileiros. Tem havido uma valorização excessiva dos pequenos retratos de momentos da história, e com isso são deixados de lado os documentos e também as teorias. O que vemos apresentado como pesquisa acadêmica, via de regra, é apenas um conjunto de pequenas observações. Esse livro vai contra essa tendência avassaladora e empobrecedora. Ele reforça uma concepção de pesquisa que valoriza a fonte histórica e sua busca onde estiver. Serve como modelo de pesquisa histórica.
A presença dos jesuítas na região do Guairá, iniciada em 1588, teve a participação tanto daqueles padres oriundos das possessões espanholas, especialmente Lima, no Peru, quanto das possessões portuguesas, especialmente Salvador, na Bahia. Outros padres vindos da Europa se juntaram a eles e, ainda em fins do século XVI, muitos índios já estavam aldeados em missões cujo espantoso crescimento no século XVII acabou despertando a cobiça dos governos civis das duas coroas ibéricas. O resultado foi o que se sabe: o terrível massacre dos índios e a destruição das missões chefiadas pelos jesuítas nas zonas fronteiriças das duas possessões. Esse episódio, que marcou a história do Cone Sul da América, sempre desperta reações apaixonadas e comporta variadas interpretações.
Nessa obra o autor trata das referências aos episódios da “epopéia missionária” a partir da visão evangelizadora da Igreja naquela época. Sua interpretação parece compor peças para um mea-culpa da Igreja em relação ao massacre dos índios. Além disso, reforça uma visão mais otimista em relação à participação da Igreja, especialmente dos jesuítas, no longo processo de formação cultural, política, e também religiosa da América do Sul. Pode-se dizer que nas duas direções tentadas o autor constrói sólida argumentação, sustentada pelos documentos históricos consultados.
Enfim, a leitura da obra é recomendada, especialmente, para os pesquisadores interessados na história da nossa América do Sul. O livro é de especial importância para os estudiosos da História e da História da Educação no Cone Sul da América, devido à farta documentação que apresenta. Mesmo se considerarmos que a obra trata basicamente da catequese e das ações políticas dos padres, ela fornece bases para estudos de outros temas e de outras perspectivas, entre elas, a educação.
Resenhista
Cézar de Alencar Arnaut de Toledo – Doutor em Educação pela UNICAMP (1996), professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, PR. E-mail: caatoledo@uem.br
Referências desta Resenha
AGUILAR, Jurandir Coronado. Conquista Espiritual. A história da evangelização na Província do Guairá na obra de Antonio Ruiz de Montoya, S. I. (1585-1652). Roma: PUG. 2002. Resenha de: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut de. Diálogos. Maringá, v.10, n.2, 187-190, 2006. Acessar publicação original [DR]