Concílio de Latrão IV: leituras e interpretações | Signum – Revista da ABREM | 2015
Em novembro de 1215 o papa Inocêncio III (papa entre 1198-1216) liderou e recebeu aqueles que obedeceram à convocação, emitida em 1213, para o Concílio que se realizaria na sede de seu bispado – São João de Latrão, em Roma. Essa reunião, que é constantemente referenciada na historiografia, é uma das efemérides de 2015. Poder-se-ia propor algum tipo de reflexão sobre a Carta Magna, também de 1215, ou sobre a batalha de Azincourt, de 1415. Mas por que Latrão IV?
Os 71 cânones do concílio mostram-se significativamente diversificados e tratam de assuntos que compreendem desde o dogma da transubstanciação (Cânone 1), da repreensão a clérigos bêbados (Cânone 15), da não cobrança de impostos aos clérigos (Cânone 46), da Simonia (Cânones 63, 64, 65, 66), sobre os judeus (Cânones 67, 68, 69, 70). O concílio também deliberou sobre assuntos como o matrimônio (Cânones 50, 51 e 52), sobre processos judiciais (Cânones 35, 36, 37, 38, 39, 42) e sobre a confissão obrigatória e do segredo de confissão (Cânone 21).
Não por menos, esse concílio – e temas correlatos e/ou contemporâneos à sua realização – desperta interesses igualmente diversificados nas abordagens no campo do direito e da história: as controvérsias em torno da construção historiográfica sobre a “reforma papal”, a atuação específica de papas, o contexto de surgimento e reconhecimento das Ordens Mendicantes, a recepção dos decretos e aplicação dos mesmos em diferentes instâncias e regiões da cristandade. Fora do Brasil, pode-se destacar obras como Popes, Canonists, and Texts 1150-1550 e The History of Canon Law in the Classical Period, 1140-1234: From Gratian to the Decretals of Pope Gregory IX, de Kenneth Pennington, publicados em 1993 e 2008; Innocent III: Studies on Papal Authority and Pastoral Care, de Brenda Bolton, publicado em 1995. Na historiografia brasileira, a atuação papal tem efetivo destaque na produção do Prof. Leandro Rust (UFMT), como suas obras Colunas de São Pedro, A Reforma Papal e Mitos Papais, publicados em 2011, 2013 e 2015, respectivamente.
Em novembro de 2015 uma grande reunião de especialistas aconteceu em Roma por ocasião dos 800 anos da realização daquele Concílio. Um dos objetivos anunciados na página do evento era exatamente o de propor uma reflexão tanto sobre os avanços e modificações nas formas de se abordar o tema bem como sobre as ramificações da atuação papal em instâncias como o direito e a regulamentação de igrejas em regiões distantes de Roma.2
Com este dossiê, “Concílio de Latrão IV: Leituras e Interpretações”, a Revista Signum da Associação Brasileira de Estudos Medievais, também marca sua posição como lugar privilegiado e de referência para análises sobre o medievo. A proposta nasceu em consonância com a recente adoção de publicação de dossiês temáticos pela revista, como o primeiro, publicado no vol.16, n.1 – “Novas Paisagens teóricas e metodológicas nos Estudos Medievais contemporâneos”.3
Os textos que compõem o presente número acompanham a diversidade institucional e internacional que tanto caracteriza a produção medievalística. São publicados artigos elaborados por dois pesquisadores de larga experiência no trato com a documentação e por uma pesquisadora que recentemente concluiu sua pesquisa de mestrado.
Abrimos o dossiê com o artigo “Ut Distinguat et Discernat Inter Illos et Istos: El Discernimiento Identitario y el cuerpo de creyentes en el IV Concilio Laterano”, do Dr. Alejandro Morin, Professor na Universidade de Buenos Aires. O autor fornece dados sobre a amplitude da reunião convocada por Inocêncio III (cerca de 400 participantes de aproximadamente 80 províncias, além de autoridadesseculares ou de seusrepresentantes) e explica o porquê da importância atribuída a este Concílio. Além disso, o professor Morin analisa uma das temáticas consideradas centrais nos cânones do IV Concílio de Latrão, a saber, a questão das heresias e do posicionamento oficial da Igreja frente às práticas que se distinguiam da ortodoxia defendida e pretendida pelo papado.
O segundo artigo deste dossiê é de autoria de Andreia Cristina Lopes Frazão da Silva, professora Titular em História Medieval na Universidade Federal do Rio de Janeiro. A autora retorna a um texto publicado anteriormente e atualiza suas reflexões com a inserção de novas análises sobre a recepção dos cânones do concílio de Latrão. No texto “A cúria papal e a diocese de Calahorra: as transferências normativas do governo eclesiástico central ao local no século XIII” a autora faz uso da história comparada e constata que entre as determinações dos cânones de 1215 e a aplicação dos mesmos houve seleção e adequação em sínodos locais realizados em 1240 e 1256 na região de La Rioja.
Do tema das heresias e da seleção das decisões do concílio passa-se para o tema das relações de parentesco. De autoria de Luisa Tollendal Prudente, que defendeu o mestrado em história na Universidade Federal Fluminense, o texto “Incesto e parentesco no século XIII: a normativa matrimonial das Siete Partidas de Afonso X” compreende uma análise sobre como restrições e condições para matrimônios estão presentes, principalmente, na IV Partida, do importante código de leis do rei de Castela.
Certamente, com essas três contribuições, o leitor da Signum encontrará informação, hipóteses e teses que apontam para diferentes aspectos da pesquisa histórica, diferentes métodos e objetos. Além disso, espera-se que esse mesmo leitor sinta-se instigado a aprofundar leituras e realizar questionamentos que possam gerar tanto reflexões sobre a construção de “monumentos” historiográficos (IV Concílio de Latrão, Inocêncio III) e a identificação de novos problemas de pesquisa. Este editorial é encerrado com o convite à leitura dos textos e com votos de boas festas de final de ano!
Notas
2 Disponível em: http://lateraniv.com/
3 Disponível em: http://www.abrem.org.br/revistasignum/index.php/revistasignumn11/issue/view/11
Organizador
Igor Salomão Teixeira – Professor Adjunto de História Medieval no Departamento e no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Referências desta apresentação
TEIXEIRA, Igor Salomão. Apresentação. Signum- Revista da ABREM, v. 16, n. 2, p.1-3, 2015. Acessar publicação original [DR]