A nossa associação, a grande casa dos americanistas chamada ANPHLAC, estava próxima a comemorar seu vigésimo aniversário quanto pensamos na organização deste dossiê, momento propício para fazer diversos balanços, neste caso dos reflexos que as amplas dimensões das Américas tiveram na sua produção historiográfica. Continente de contrastes, igualmente o foi também de grandes eventos que produziram viradas importantes nos últimos quinhentos anos assim como de transformações que depois seriam acompanhadas em outras latitudes e que despertaram, e ainda despertam, inúmeras reflexões.
Por tal motivo, daqui surgiram problemáticas, categorias e tendências que embasariam muitos debates na historiografia local e, porque não, mundial. Os choques de culturas, as relações coloniais, os grandes espaços, as organizações dos Estados nacionais, as peculiaridades políticas, a instabilidade, seja ela econômica ou política, entre outros temas, fizeram surgir os conceitos de mestiçagem, dependência, fronteira e populismo, para mencionar alguns, que nos ajudaram a pensar e compreender a sua história.
Dessa forma, o dossiê “Conceitos, debates e tendências historiográficas nas Américas” procurou resgatar algumas dessas ricas discussões e conhecer outras mais recentes, mediante as quais buscamos aprofundar nossos saberes e enriquecer nossas pesquisas na área, a qual, por sua diversidade geográfica e variedade de matrizes, muitas vezes, dialoga pouco com o que é produzido na sua vizinhança.
Para iniciar essa interpelação, trazemos três conferências proferidas durante o nosso X Encontro. Assim, Barbara Weinstein abre o número com seu artigo “Pensando a história fora da nação: a historiografia da América Latina e o viés transnacional” no qual apresenta uma contribuição teórica acerca das implicações desse tipo de estudo, que nos permite fazer abordagens instigantes numa região tão permeável como a nossa e na qual os processos nacionais não sempre são passíveis de comparação nos moldes clássicos, seja por problemas metodológicos ou por questões mais triviais do nosso campo, dentre as quais as restrições orçamentárias não são um dado menor.
Seguidamente, Julio Pinto Vallejos apresenta no seu artigo “Os fantasmas da Unidade Popular: um vazio inquietante na historiografia chilena” um minucioso rastreio pela bibliografia produzida sobre tal temática naquele país, propondo três hipóteses acerca dessa lacuna, as que nos instigam a pensar nos modos de preencher esse vazio, não apenas no Chile, mas em outros espaços.
Regina Crespo, no seu texto “Entusiasmo, temores, indiferença: o México na correspondência diplomática brasileira (1919-1959)”, traz uma análise sobre as formas em que o processo histórico mexicano era interpretado desde a óptica de um diplomata brasileiro, a que estava carregada pela sua própria experiência, não apenas como indivíduo, mas como cidadão de uma cultura vizinha, com significativas diferenças, que transpolada serve para ilustrar a maneira como o setor do qual fazia parte, e até certo ponto representava, via seus conterrâneos continentais.
Mariano Schlez da inicio à seção de artigos que compõem o dossiê com “La cuestión colonial en el siglo XXI. Balance y perspectivas del debate en torno a los modos de producción en América Latina”, trabalho que analisa parte medular das intensas discussões que os intelectuais travaram durante uma considerável espaço temporal no intuito de compreender a relação entre a colônia e a metrópole na região do Prata. Debate que pode se estender para outros espaços latino-americanos e que constitui em exercício necessário para empreender qualquer pesquisa nesse âmbito, podendo ser assim de utilidade para todo aquele que se inicie nessas lides.
Gabriela de la Orden, Marcelo Omar Díaz e Gladys Noemí Zamparella continuam com seu texto “Indio y población rural en el oeste de Catamarca, en la transición al estado-nación (1812-1895)” no qual realizam um pormenorizado análise desses importantes setores sociais, que muitas vezes foram invisibilizados pela historiografia. Além de nos informar sobre um espaço pouco conhecido para os latinoamericanistas e o público dos historiadores em geral, que conhecem muitas vezes o que acontece nas zonas de maior relevo para a época, o trabalho também brinda uma arguta crítica das fontes, mostrando as lacunas dos sensos, as que podem ser resolvidas, em parte, lançando mão para outro tipo de evidências, como os relatos de viajantes, por exemplo.
Não obstante seja abordado desde Argentina, em “Los estudios agrarios en el Territorio Nacional del Chaco: una aproximación historiográfica” Adrián Almirón realiza um estudo de uma região que é compartilhada por três países diferentes, devido a que ela está dividida também com o Paraguai e o Brasil. Apenas desde essa ótica, claro que considerando seus aspectos singulares, é que podemos entender a região em toda a sua dimensão.
Por sua parte, Javier Moyano, com quem compartira parte do curso em História em Córdoba, atividades na cátedra de História da América e outras inquietações, no seu artigo “Problemas y conceptos en torno a la caracterización de los regímenes políticos latinoamericanos en el siglo XIX y primeras décadas del XX”, expõe um minucioso estudo conceitual dos regimes que temos denominados genericamente como oligárquicos, mas que precisam de um melhor categorização, a que se enriquece em diálogo multidisciplinar com a ciência política.
Valdir Donizete dos Santos Junior, em “Mestiçagem e questão indígena no Porfiriato: identidade e alteridade nas obras de Justo Sierra” trata de um problemática que é recorrente em vários espaços nacionais e que, poderíamos dizer, possui singular valor para entender muitos outros fenômenos. Na busca pela identidade nacional, o índio foi interpretado desde múltiplas perspectivas, a maioria das vezes negativas, mas que em outras oportunidades até podia ser valorizado, passando a conformar parte dessas narrativas.
Seguidamente, Angela Meirelles Oliveira, no seu artigo “O antifascismo como experiência associativa em Montevidéu e Buenos Aires. A mobilização intelectual entre o local e o global (1933-1939)”, apresenta um trabalho comparativo com duas iniciativas antifascistas de ambas as ribeiras do Prata. Além de desvendar aspectos específicas, igualmente serve como num exercício de história conectada, que ultrapassa fronteiras nacionais e que não pode ser compreendida sem transgredir esse limite, também um dos propósitos propostos inicialmente pelo dossiê.
María del Mar Solís Carnicer aborda em “¿Historia o política? Las lecturas peronistas del pasado correntino (1946-1955)” uma problemática cada vez mais recorrente na historiografia latino-americana, a de repensar os fenômenos nacionais desde as perspectivas locais, não como meras reproduções deste, mas como produtoras de resignificações, que podiam estar, ou não, em sintonia.
No texto “De autonomías y superposiciones. En torno a los usos de Bourdieu en la historiografía sobre intelectuales y política en la Argentina de los sesenta-setenta” , Marcelo Starcenbaum analisa as improntas da obra de Bourdieu nas interpretações acerca dos intelectuais que se teceram na Argentina, as que passaram a distinguir dois momento claros, um nos sessenta, com um tipo mais centrado no seu campo específico, de outro que primou nos setenta, quando a sua relação com a política passou a ser a sua principal credencial.
O artigo de Ignacio del Valle Dávila “La actualización de los mitos fundacionales de la nación en el cine histórico-folclórico argentino, la obra del grupo Cine Liberación y el cine histórico cubano (1968-1976)” igualmente é um acabado intento por analisar Latino-América de maneira comparativa, neste caso trabalhando com realidades que, em aparência, estão bastante afastadas entre si, como as de Argentina e Cuba, mas que podem se tornar passíveis de comparação se os pressupostos são devidamente explicitados.
A realidade cubana também é objeto de estudo nos dois artigos finais. O de Giselle Cristina dos Anjos Santos intitulado “A revolução cubana e as representações sociais de gênero” no qual toca dois ponto caros para os intelectuais, demonstrando como as transformações não ocorrem de forma sincrônica, sendo as de ordem cultural aquelas que se enraízam mais fortemente e, por isso, as que se tornam mais difíceis de remover.
Essa perspectiva nos brinda o elo com o artigo seguinte. Em “‘Pátria ou morte’: crise e sobrevivência do regime revolucionário cubano nos anos 90”, Julian Araujo Brito mergulha nas possíveis razões que explicariam a manutenção do regime cubano em tão adversas condições, observando como se enraizou no imaginário do seu povo, vinculado a um longo percurso histórico, no qual se foi forjando a ideia de pátria com diversos pontos em comum.
Para fechar o número, apresentamos duas resenhas. Em primeiro lugar, Affonso Celso Thomaz Pereira nos ilustra acerca da obra de Elias Palti, Mito y realidad de la “cultura política latinoamericana”. Debates en Iberoideas, que compilou uma série de trocas efetuadas nesse importante foro de discussão, que contou com a participação de notados especialistas da área que verteram opiniões sobre alguns conceitos chaves para a análise política latino-americana, com objetivos parecidos aos deste dossiê, com o qual converge nesse ponto.
Finalmente, Rafael Pessolato Marchesin traz uma sinopse do livro de Laura Janina Hosiasson, Nação e Imaginação na Guerra do Pacífico, obra que trata algumas narrativas que giraram em torno desse conflito bélico, que envolvera o Chile, o Peru e a Bolívia, com traumáticas consequências, mostrando assim como a interface entre a linguística e a história pode ser muito frutífera na hora de compreender a constituição dos imaginários nacionais.
Esperamos, assim, ter cumprido com o objetivo traçado, o de dar sequência aos debates na nossa área, e desejamos que a leitura sirva tanto para conhecer aspectos específicos da nossa rica história como também para repensar as nossas práticas, uma das razões da ANPHLAC e da sua revista.
Organizador
Hernán Ramírez
Referências desta apresentação
RAMÍREZ, Hernán. Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 14, p. 5-9, jan./jun. 2013. Acessar publicação original [DR]
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