Em “Complexidade econômica”, Paulo Gala aborda a complexidade e sofisticação produtiva como elementos propulsores do desenvolvimento econômico. Lança sobre tal configuração os olhares do estruturalismo econômico, presente nos chamados “clássicos do desenvolvimento econômico”.
Dessa forma, o autor busca entender a complexidade econômica como uma estrutura necessária para o desenvolvimento dos países. Em outros termos, conforme conceito demonstrado por Gala, a relação entre a ubiquidade e diversificação produtiva são necessárias para que se alimente um movimento autônomo de aumento da renda e bem-estar das massas.
É da seguinte forma o trabalho foi conduzido: observou-se como as transformações radicais na estrutura produtiva da economia, em especial a sofisticação do tecido produtivo, pautadas na alocação da produção para setores mais produtivos, foram fundamentais para o desenvolvimento econômico das nações.
É importante ressaltar que, por concentrar sua análise especialmente na correlação entre complexidade do setor produtivo e desenvolvimento econômico, que constitui a ideia central dos teóricos estruturalistas, o autor não se aprofunda nos aspectos secundários que compõe tal estrutura econômica. Isto é, fatores que se relacionam com o processo produtivo, como o nível educacional, leis que garantem a propriedade dos fatores de produção e grau de liberdade comercial, são, por diversas vezes, mencionados, mas não constituem objeto de uma maior investigação sobre o desenvolvimento destes.
Porém, um elemento que faz parte desses aspectos secundários, e que o autor traz para uma discussão mais detalhada, é o debate sobre o institucionalismo. As bases institucionais, dentro da perspectiva da nova teoria institucionalista, são criticados por Paulo Gala, introduzindo à questão, uma perspectiva estruturalista.
O autor questiona a ideia de que a dinâmica institucional das economias foram responsáveis pelo desenvolvimento econômico dos países. Através de uma análise histórica, ele demonstra que o desenvolvimento da indústria antecede os avanços institucionais – como é o caso da Inglaterra, nos séculos XV e XVI –, sendo assim, a discussão voltaria para a questão da complexidade, levando o papel das instituições para o segundo plano.
Com isso, com o objetivo de demonstrar a importância de se analisar o problema do desenvolvimento dos países sob uma perspectiva da complexidade, que o autor organiza seu livro.
O trabalho em si se divide em três partes. A primeira, intitulada de “Desenvolvimento econômico: divisão do trabalho, retornos crescentes e complexidade”, traz as fontes e os conceitos utilizados por Gala em seu trabalho.
Os clássicos do desenvolvimento econômico, tanto aqueles que compõem o “estruturalismo original” e os que pensam o desenvolvimento sob a perspectiva dos países em desenvolvimento a.k.a “os estruturalistas latino-americanos”, formam a base teórica da presente investigação. Para ambos, o desenvolvimento econômico depende do “salto” ou da “migração” do processo produtivo de uma atividade de baixa qualidade (concorrência perfeita) para atividades de alta qualidade (concorrência imperfeita).
Destarte, o desenvolvimento econômico, para estes autores, depende da capacidade que as economias tem de se inserir em atividades produtivas complexas, com produtividade elevada e, consequentemente, retornos crescentes de escala. A principal questão, é que estas atividades se estabelecem em mercados estruturados através de oligopólios e monopólios, com difícil entrada de novos players. Portanto, sem a possibilidade de se encaixar nestes mercados, os países emergentes passam a ocupar espaços cada vez menos importantes no comércio mundial, sem alcançar elevados ganhos de produtividade elevados e, por isso, sem lograr um desenvolvimento econômico.
A mensuração dessas proposições se torna, então, objeto de análise. A forma encontrada pelo autor, para mensurar o nível de inserção das economias nestas atividades, foi através da associação entre complexidade e sofisticação produtiva. O Atlas da complexidade se apresenta como a principal ferramenta para observar essa relação.
Um país é complexo economicamente, se apresentar, em sua pauta exportadora, dois elementos: não-ubiquidade e diversidade de produtos. O Atlas da complexidade traz a associação desses dois conceitos ao nível de renda per capita dos países. O que servirá como uma proxy do desenvolvimento econômicos destas nações.
Outros conceitos são apresentados pelo autor. A conectividade – probabilidade de dois produtos serem exportados conjuntamente –, retornos crescentes de escala e capacidades produtivas, são concatenadas ao conceito de complexidade econômica.
O que se deve destacar, no entanto, é a definição de “redes produtivas locais”. Paulo Gala parte de uma visão localista onde afirma que, as redes produtivas, estabelecidas em um determinado país, não podem ser transportadas para outros. Aceitando, assim, a ideia de que o desenvolvimento econômico é um fenômeno local e regional, podendo ser compreendido através da relação entre complexidade e a formação de redes produtivas.
Na segunda parte, Paulo Gala faz uma incursão pelos países “ricos” e “pobres”. O capítulo, que possui o título de “Países ricos são ricos porque produzem bens complexos, países pobres são pobres porque produzem bens não complexos”, constitui uma reflexão, sob uma perspectiva da complexidade, do desenvolvimento das economias desenvolvidas, frente aos problemas estruturais encontrados pelas economias em desenvolvimento.
Tal perspectiva serviria para entender os avanços e retrocessos econômicos dessas nações. A discussão é apresentada também como uma relação entre países produtores de commodities per se e países que investiram na sua capacidade produtiva de manufaturados.
A argumentação perpassa, também, na utilização da produção de commodities como estratégia para o desenvolvimento. Isto é, o uso dos ganhos dessa atividade como forma de sofisticar sua rede produtiva de forma geral, ou, até mesmo, sofisticar o próprio processo produtivos destes produtos primários.
A sofisticação, apresentada pelo autor, não é sinônimo de produção de bens complexos tecnologicamente, e sim a produção de bens que apresentam, em sua cadeia produtiva, os elementos de complexidade. Portanto, assim como demonstrado por ele, países produtores de commodities podem lograr resultados econômicos satisfatórios, desde que utilizem, sob uma perspectiva da complexidade, essa produção para sofisticar sua rede produtiva.
O autor apresenta, também, uma discussão do Estado como formulador de políticas de incentivo da produção de bens transacionáveis complexos (BTC). Este seria um elemento importante para a sofisticação desse tecido produtivo e, com isso, para o desenvolvimento destas nações.
No que se refere à América Latina e, em especial, ao Brasil, é que estes não conseguiram realizar essa migração dos produtos simples para os complexos (BTC). Para o autor, este salto não ocorreu devido ao não desenvolvimento das capacidades produtivas locais, além das crises nos balanços de pagamentos, endividamentos e desarranjos das políticas econômicas.
A terceira e última parte, “Como construir complexidade?”, aborda os caminhos e as variáveis que compõem o processo de sofisticação produtiva. As políticas econômicas, em especial às políticas monetárias e cambiais, exercem um papel considerável na estruturação produtiva complexa do país. Quando não utilizadas para este fim, ocorre, então, a perda de complexidade econômica, apresentada sob a forma de Doença Holandesa (dutch disease).
O estabelecimento de uma política industrial e o processo de proteção da indústria nascente, constitui uma outra atribuição do Estado. Mas tal indução é acompanhada de ressalvas. Tais políticas devem observar as especificidades das economias. O autor defende um meio termo entre o protecionismo e a desregulamentação da economia, onde esta última, quando utilizada de forma extrema, tampouco solucionará os problemas do desenvolvimento. Tal preocupação deverá compor as políticas macroeconômicas do país.
Na denominada “macroeconomia estruturalista do desenvolvimento”, Gala afirma que o principal objetivo das políticas econômicas é a promoção do pleno emprego do trabalho. É dessa forma que o país alcançará níveis maiores de produtividade e, atrelado ao deslocamento de trabalhadores para atividades mais complexas, mais sofisticação da sua pauta exportadora, aumentando assim a transferência da renda para os trabalhadores.
Em uma relação de causa-efeito, Gala demonstra que a desigualdade social é reduzida através do aumento da complexidade econômica do mesmo. Afirma que países produtores de commodities, historicamente, apresentam mais desigualdades do que aqueles que possuem uma rede produtiva sofisticada.
Apesar de não se aprofundar em questões que, historicamente, compõem a teoria estruturalista do desenvolvimento – principalmente a dos estruturalistas latino-americanos-, como as trocas desiguais e as relações comerciais díspares entre “centro” e “periferia” – até por não ser seu objetivo principal -, Paulo Gala nos oferece uma perspectiva para além da complexidade econômica como uma finalidade das políticas econômicas.
O método de investigação utilizado pelo autor, demonstra que, a complexidade econômica deve ser vista como um meio – ou ferramenta – para que, dentro de um processo de estruturação produtiva e incentivo à sofisticação da pauta exportadora, os países busquem solucionar seus problemas que barram o desenvolvimento econômico. Para isso, as estratégias de desenvolvimento precisam carregar as experiências históricas como formas de utilização dessa ferramenta.
Resenhista
Rodolfo Soares Nunes – Economista e Contador Mestrando em Desenvolvimento Socioeconômico – UFMA.
Referências desta Resenha
GALA, Paulo. Complexidade econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2017. Resenha de: NUNES, Rodolfo Soares. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 15, n. 42, p. 220-222, julho, 2019. Acessar publicação original [DR]
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